Orçamento secreto x Yanomamis
Pelo
menos já sabemos que a crise humanitária dos Yanomami acendeu a luz de alerta
global referente à situação dos povos originários do planeta e representa crime
contra a humanidade e socioambiental. E notas mais recentes nos deram ideia da
extensão do descaso antinacional da era Bolsonaro.
Mas
a continuidade dos rastreamentos investigativos do TCU e outras instituições
levantaram mais um dado relevante que, entre outras coisas, se liga à questão Yanomami:
o orçamento secreto, já abordado no blog em sua natureza antitransparente, os
hiperinflados caixas de prefeituras do vasto interior e seu fim pelo STF.
Agora
surgiram novas evidências de destino indevido do orçamento secreto. Uma reportagem
da Revista Forum de 13/2/2023, baseada em matéria do portal Metrópoles
revela que, no período 2020-2022, foram destinados R$ R$ 96,3 milhões para
vários municípios do estado de Roraima.
Foram
contempladas as prefeituras de Alto Alegre, Amajari, Mucajaí, Caracaraí e
Iracema, mediante deputados e senadores bolsonaristas e do centrão então
próximos a Bolsonaro. Todas as cidades são de porte pequeno e populações
pobres, e tradicionalmente viviam de agricultura.
Há duas ironias em torno dessas cidades. Uma delas é a de que todas têm
o seu verde oferecido pela ampla terra Yanomami. A outra é que nas ruas
principais de algumas surgiram lojinhas que oferecem serviços
relacionados ao ouro. Alto
Alegre recebeu mais de R$ 36,8 milhões nos últimos três anos. Seguem-se
Caracaraí (R$ 32 mi), Amarajarí com R$ 22,7 milhões e por último, Iracema com
R$ 13,5 milhões. O montante destinado a Mujacaí não foi revelado, mas ainda
assim já nos dá ideia de que o total derivado do orçamento secreto possa ter
maior.
Tudo
isso passou à revelia dos Yanomami que, cercado por garimpeiros ilegais, viria
a adoecer e passar fome. O líder Yanomami, xamã Davi Kopenawa criticou: “não
é de interesse dos prefeitos ou dos vereadores, pois eles alegam que não temos
títulos, que não votamos”.
A
crítica de Kopenawa nos dá duas luzes. Uma é a reflexão de como o sentimento
classista guia quem está no poder. A outra é a de que a inconstitucionalidade
do orçamento secreto pelo STF foi uma dádiva real ao interromper de vez a
perversidade simbolizada nas emendas sem transparência.
Para saber mais
----
Escola sem Partido e EMC: afinidades
O
governador de Santa Catarina Jorginho Mello é novo expoente na instauração de
uma proposta já conhecida: o projeto Escola sem Partido. Segundo Mello, o
programa entra na Semana Escolar de Combate à Violência Institucional contra a
Criança e o Adolescente no estado, que ocorre anualmente em agosto.
O
governador atendeu ao apelo da deputada estadual olavista Ana Campagnolo, que
acredita que a violência simbólica se liga às “pregações marxistas” de
professores progressistas no ensino básico. Talvez sem querer, ela tenha feito
coro à ministra do Turismo Daniela do Waguinho.
Em
13/2, Daniela propôs o retorno da disciplina Educação Moral e Cívica (EMC),
ministrada na escola básica durante a ditadura militar, e findada com esta em
1985. Tal proposta não sairia do MEC, chefiado pelo petista Camilo Santana.
Essência
olavista-
apesar da crença da deputada catarinense, o Escola sem Partido não veio da
mente fértil do finado Olavo de Carvalho. É um movimento criado pelo advogado
Miguel Naguib, e absorvido pelos parlamentares ligados ao fundamentalismo
religioso neopentecostal e à vertente carismática católica.
Desde
2015 os sectários elaboraram projetos de lei que determinam a moralização
escolar através de uma cartilha de “deveres do professor”, que já foi imposta
por prefeitos do interior brasileiro. Um PL foi criado em 2019 e desde então
aguarda votação no Congresso.
A
proposta do retorno da EMC na educação básica segue linha semelhante, se não
idêntica. Ou, quiçá, pode significar a materialização da proposta de 2019, mas
não como cartilha dirigida ao professor, e sim para disciplinar os alunos, como
nos velhos tempos da ditadura.
Afinidade- apesar da crença de Campagnolo, o Escola sem
Partido e a volta da EMC não vieram da mente fértil do finado Olavo de
Carvalho, e sim da extrema-direita. Mas sua essência é olavista no sentido da
eliminação do educador progressista, no objetivo de combater a esquerda.
Outra
afinidade é as duas coisas serem preocupações para a ONU, pois representam
sérias ameaças a direitos básicos, segundo o Alto Comissariado das Nações
Unidas para os Direitos Humanos.
O
que os mais velhos nostálgicos “daqueles tempos” nunca soubessem é que, tal
como o plano Escola sem Partido, a EMC foi ideológica e homogeneizante,
ensinando valores da família cristã, civismo patriótico e disciplina algo milita,
compartilhando ideais dos mesmos proponentes políticos do persecutório PL.
Problemas- Ana Campagnolo se tornou alvo de inquérito
após sugerir a alunos filmarem aulas para denunciar “professores
doutrinadores”, o que gerou perseguições aos docentes de história, geografia e
ciências ou biologia. Em 2017, em Natal, um jovem professor de biologia foi
perseguido e assassinado.
É
bom que Lula se atente à ministra, que pode se juntar a Campagnolo e a atos
extremistas já previstos para abril (ou quiçá, antes), exigindo prévio preparo
da segurança da Praça dos Três Poderes. A desnazificação social primeiramente
deve ocorrer primeiramente sobre a elite política que a sustenta, e depois sobre a patuleia.
De
qualquer forma, mais um problema entre os tantos já existentes para o governo
resolver.
Para saber mais
----
Um
país rico sustentado pelos pobres
A Folha
de São Paulo publicou uma declaração “preocupada do megaempresário Abílio
Diniz, chefe do grupo Pão de Açúcar, declarar que “o governo não deve fazer
reforma Robin Hood”. Ele aludiu ao personagem medieval mítico que roubava
dos ricos para dar aos pobres servos que sustentavam a nobreza britânica.
Tudo
porque Lula veio de vez para gerar benefícios e com a defesa de uma reforma
tributária capaz de fazer o que sempre deveria: taxar os super ricos. Nesse
território livre e refém desses ricos, o Brasil tem sido bom tigrão com a
patuleia (da qual a classe média faz parte) e tchutchuca do capital rentista.
A
fala de Diniz é defendida pela elite do rentismo e do megaempresariado, e
escancara, de forma bem sucinta e direta, o caráter ideológico do próprio
mercado. E essa elite, a qual Diniz integra, já é defendida pela grande mídia e
pelos economistas escolhidos por esta para responderem a perguntas sobre
economia.
E
também por agentes políticos, vários dos quais são importantes empresários.
Como o governador de MG Romeu Zema e sua turma do Novo, e distribuídos em
partidos de centro-direita. E tem mais um: Campos Neto, neto do falecido
deputado privatista Roberto Campos, que já foi da Arena da ditadura militar.
Sujeito
bem aparentado, Campos Neto tem o mesmo perfil político do avô. Foi convidado
para o Roda Viva, programa do TV Brasil conhecido por seu viés notavelmente
neoliberal que é puxa-saco com nomes da direita neoliberal e tigrão com nomes
da esquerda. Com Campos Neto eles foram poodle toy carinhosos.
Campos
Neto soltou uma pérola digna da vergonha alheia, um depoimento segundo o qual
um garoto de rua, ao abordá-lo, teria pedido um pouco de grana via pix para ter
o que comer, pois “o pix mudou a minha vida (do menino)”, lhe causando suposta
“emoção”. Finalizou emendando sutil propaganda sobre “a invenção do BC”.
Mesmo
percebendo que o depoimento soou tão falso quanto a fake news do pix “invenção
brasileira”, e que Campos Neto enrolou sem explicar a “necessidade” dos juros
surreais, os jornalistas do Roda Viva sorriam como que o afagando, sem cobrar explicação alguma sobre a função social do próprio BC –
se é que a Campos interessa saber.
A declaração preocupada de Diniz e a audácia de Campos Neto carimbam a prova de que o mercado é, sim, essencialmente ideológico. A ideologia mercadológica repousa no empobrecimento social via abstenção do Estado em prover os setores básicos da economia (indústria, comércio, serviços) que dão vida às MPEs¹ que empregam quase todo mundo.
É essa economia do fortalecimento das MPEs para gerar empregos e garantir o consumo das famílias dos trabalhadores que Lula defende e por isso critica os juros de 13,75% do BC que impedem os microinvestimentos. A crítica de Lula nos leva a entender, com propriedade, que os juros altos são bons para o mercado financeiro.
A declaração preocupada de Diniz e a fala maldosa de Campos Neto carimbam a comprovação do mercado se movimentar por uma essência ideológica. Sim, a ideologia mercadológica é a do empobrecimento da população ser "o melhor indicador econômico", pois está gerando riqueza traduzida em lucros para o sistema financeiro.
Riqueza essa garantida pelo desmonte dos setores básicos pela era Bolsonaro através dessa alta de juros, e que a grande mídia neoliberal disfarça a crise social por notícias de "crescimento econômico", ou seja, lucros dos bancos e dos acionistas financeiros privados da Petrobrás.
Finalizando, o sustentáculo ideológico do mercado financeiro é a de que o Brasil "está muito bem" enquanto produz super-ricos sonegadores de impostos, sustentados pelos pobres que por eles pagam pesados impostos.
Nota da autoria
¹ Micro e pequenas empresas, que entre 2005 e 2015 empregaram quase 90% das classes trabalhadoras no Brasil, e daí, baixo desemprego.
Para saber mais
- http://baroesdadivida.org.br/stats?section=1 (os maiores devedores privados ao erário
público-Estados)
- https://baroesdadivida.org.br/map (mapa dos Estados que mais sofrem com as dívidas
das corporações)
----
Autonomia do BC ameaça o Brasil
Na era Bolsonaro, o Congresso aprovou a proposta legal sobre a independência do Banco Central (Bacen ou BC), sancionada pelo então presidente da República. O termo "independência", na verdade midiático, se traduz, na verdade, em autonomia institucional, tanto nas suas atribuições econômicas quanto na gestão.
Mas vale salientar que essa autonomia não retira de forma alguma o caráter público federal do BC, e que de toda forma permanecem acordos com o governo o cumprimento de metas inflacionárias e de taxas de juros, e os limites da liberdade operacional do presidente da instituição. Vale mencionar um pouco sobre esse último ponto.
A lei versa que o indicado pelo governo é sabatinado pelo Senado e, aprovado, toma posse da presidência do BC por 2 anos, mandato prorrogável por mais 2 anos se a condução resultar em dados econômicos positivos. Mas, se não cumprir as metas inflacionárias e/ou não controlar os juros, ele pode ser destituído pelo governo vigente.
Como vemos pela grande mídia, no Brasil as metas inflacionárias são cumpridas atreladas ao câmbio real-dólar e taxas de juros por indicadores diversos, via reuniões periódicas com o Comitê de Política Monetária (Copom) e depois com o governo para acordar as metas econômicas gerais.
Na era Bolsonaro não foi diferente, exceto num detalhe: já na gestão Campos Neto, o BC descumpriu metas inflacionárias necessárias e impôs taxa de juros de 13,75% alegando "controle"¹. E ainda teve prejuízo de R$ 298,5 bilhões. A taxa de juros faz correr mais grana para os títulos da dívida pública destinados ao sistema financeiro.
Isso tudo coincide com o crash financeiro de empresas como Americanas e Marisa, em dívidas bilionárias a fornecedores de bens e serviços e a bancos públicos e privados. Sem pestanejar, o Santander passou a bomba para a União resolver. Só isso nos leva a entender de imediato quem pagará essa dívida.
Pode parecer nada a ver, mas o BC poderia ter interferido. conforme a lei, para resolver essa pendenga das Americanas com os bancos. Mas o tombo bilionário sofrido pelo próprio já nos deixa claro que já estamos pagando ao sistema financeiro as contas dos dois prejuízos, enquanto a grande mídia solenemente se silencia.
Ainda segundo Boulos, Campos Neto atuou no Santander, campeão do ramo em reclames da clientela, por 17 anos. Não sabemos como o distinto atuou nele, mas pelo menos ele nos abriu a mente para entendermos como a autonomia da gestão do BC pode ser uma ameaça para a economia interna e para o próprio Estado.
Nota da autoria
¹ Com pleno aval do governo Bolsonaro (este indicou Campos Neto para presidir o BC).
Para saber mais
- https://www.youtube.com/watch?v=2fQC_BX4NVA (ICL com Edu Moreira)
- https://blog.xpeducacao.com.br/qual-a-diferenca-entre-taxa-selic-e-ipca/ (mais sobre Selic, IPCA e outras taxas e operações).
- https://www.cartacapital.com.br/economia/entenda-o-que-pesa-contra-roberto-campos-neto-o-presidente-do-banco-central/
- https://revistaforum.com.br/economia/2023/2/17/campos-neto-deu-prejuizo-de-r-2985-bi-ao-banco-central-em-2022-populao-paga-conta-131608.html
----
Nenhum comentário:
Postar um comentário