A grande mídia foi nostálgica ao noticiar as
“invasões” do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST),
principalmente em terras do sul baiano, atualmente de suposta propriedade da
Suzano, empresa brasileira de papel, celulose e eucaliptocultura fundada em
1924.
Ao mexer com a opinião
pública, que desconhece os objetivos do MST e da versão urbana MTST, vem a tese
falaciosa de que são movimentos “invasores criminosos de propriedades privadas”.
Há outros movimentos menores
e quase desconhecidos: os rurais MLST (L de libertário), MRC (RC de resistência
camponesa) e outros, que têm atenção midiática muito rara. Protagonista de uma barbárie
em Brasília, o primeiro piorou a imagem do MST devido à confusão pública.
Para justificar a sua
liberdade de expressão, a patuleia bolsonarista comumente cita o art. 5º da CF
1988, que versa sobre as garantias e direitos fundamentais. Mas desconhece as
dimensões e limites dessas liberdades, estendendo-se ao direito à propriedade
privada.
Constituição- alcunhada “constituição cidadã”, a CF/1988 marca o
retorno da democracia e estabelece direitos e garantias civis e coletivas, vários
deles pétreos como os direitos a trabalho seguro, lazer, previdência,
alimentação, vestuário, habitação, etc. E também alguns pétreos deveres.
O art 5º prevê direito à
propriedade privada urbana e rural, mas com função social, pois a lei
apregoa o bem coletivo. O art 182 trata de imóvel urbano e o 186, do rural. O
art. 184 diz sobre desapropriação de imóveis em situação irregular e inspirou o
Estatuto da Terra¹.
Ocupações- mesmo que a grande mídia seja incisiva ao tratar
como invasões, as ocupações seguem temas de exaustivos debates, com
discordâncias contínuas. Até que ponto uma ocupação pode ser encarada como
invasão sem o risco de acusar injustamente os movimentos em tela?
Nas cidades há milhares de
imóveis abandonados, muitos deles prédios de vários andares e, em menor
quantidade, casas e casarões seculares. Alguns dos prédios eram incialmente
públicos, mas por vários motivos não continuaram a ser usados ou simplesmente
nunca foram totalmente acabados.
Alguns viraram moradas improvisadas
para a galera sem-teto, que explodiu nos últimos 4 anos tendo como perversas
companhias a fome, sede, exposição à violência, ação climática e doenças. Um
flagelo social a revelar outra crise histórica: a habitacional.
Mas a miséria não é a única
causa da crise: via especulação imobiliária, classes mais abastadas adentram
áreas florestais e de comunidades populares promovendo crescentes remoções com
ajuda da PM, e políticas habitacionais compensatórias não contemplam todas as
famílias atingidas.
Com forte impacto na nossa
economia, o agronegócio é visto positivamente pela grande mídia. Quem não sabe
do “agro é tech, agro é pop, agro é tudo”, publicidade criticada pela
esquerda?
Antes de se julgar a
esquerda como ignorante sobre o valor econômico do grande agro, vale considerar
que ela aponta irregularidades, como não respeitar os limites impostos pelo código
florestal, invadir terras públicas protegidas além dos limites do terreno e recusar
o uso social – como nas cidades.
Invasão ou ocupação?- os artigos daCF referentes à função dos imóveis
urbanos e rurais subsidiam nossa compreensão sobre a conduta dos movimentos
sociais e dos empreendimentos – bem como a dos meios midiáticos sobre o tema,
principalmente a troca da verdade por eufemismos.
Ocasionalmente
se reporta sobre monoculturas irregulares em terras indígenas (TI) centrando-se
em conflitos agrários; e sobre imóveis de luxo em áreas urbanas proibidas. Mesmo
reconhecidos como afrontas, os casos não são tidos como invasões, ao
contrário do que ocorre sobre MST e MTST.
No âmbito jurídico existem processos
cujos veredictos condenam o MST, e já foram publicados em portais midiáticos e em
portais de tribunais. A dúvida sobre a veracidade se deve aos interesses que
favorecem, nesses casos, os donos das terras, mesmo com estes em dívida com o
fisco e com a lei.
Já na seara urbana, as condenações
de investidores imobiliários pelas irregularidades provadas se relacionam quase
totalmente a áreas de proteção ambiental (APAs). Ainda assim, nem sempre os réus
cumprem as penalidades impostas em veredictos, dada a certeza de recursos reversivos
e impunidade.
É válido ressaltar que,
seja na cidade ou no campo, o imóvel vazio ou improdutivo e sem resolução a ser
definida pelos proprietários devem, sim, ser entregues para uso social pelos
sem-teto e sem-terra. A luta pela justiça social deve ser constante e resistente,
“hasta la vitória!”.
Nota
da autoria
¹ Trata do uso social e ecologicamente correto da
terra.
Para saber mais
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