domingo, 19 de março de 2023

ANÁLISES 25 (Nikolas, galera trans, Duda Salabert)

 

Por trás da bobagem, o problema

                Brasília, 8/3/2023. Homenagens de praxe de Lula, do Legislativo e do Judiciário se seguiram. Na tribuna da Câmara federal, Nikolas Ferreira (PL-MG) solta um discurso inesperado (resumido):
                Já que não estou no meu lugar de fala, então tenho uma solução” – veste a peruca e continua. – “as mulheres estão perdendo o seu espaço para homens que dizem ser mulheres, pois eles querem impor o que não é realidade”, em clara apologia à transfobia e ofensa às colegas de casa Erika Hilton (PSOL) e Duda Salabert (PDT).
                Mas o discurso foi também machista: “mulheres, tenham filhos, amem a maternidade, pois assim vocês porão nova luz no mundo e se tornarão mais valorosas”. Como se a maternidade – para sobrecarregar mais ainda a Terra – fosse a solução obrigatória para o que ele enxerga como problema.
                O furor seguinte foi tão forte que Maria do Rosário (PT-RS) mal conseguiu acalmar os ânimos. Tábata Amaral pediu questão de ordem para retirar a fala, e uma notícia-crime foi assinada e remetida ao STF para julgamento. Após a análise da notícia crime, sortearam o relator: André Mendonça, o “terrivelmente evangélico”.
                A reação não reside só na intolerância de gênero. Também foi por não ter sido homenagem, mas uma ordem dirigida às mulheres, que revela a vivacidade da extrema-direita e os problemas advindos.
                Redes sociais- são hoje o termômetro popular sobre fatos e pessoas, para governos de ocasião e atuação das instituições públicas. Parte dos internautas crê que a fala foi apenas “bobagem para causar”, alguns deputados a mesma coisa, e também uma chuva de críticas.
                Parlamentares bolsonaristas defenderam Nikolas: “liberdade de expressão”, “ele falou o que tá na bíblia”. O presidente nacional do PL, Valdemar da Costa Neto, soltou nota de apoio no Twitter. Enquanto isso, Nikolas sorri: ganhou mais de 46 mil novos seguidores nas suas redes sociais. Conseguiu "causar" como quis.
                A alta de novos seguidores pode ser enganosa: podem não ser humanos. Nas redes bolsonaristas, os robôs proliferaram para invocar recordes de curtidas ou supostos seguidores de suas páginas, para angariar humanos novos na fileira. É aí que reside a preocupação maior das esquerdas.
                Perigo subjacente- Nikolas ficou famoso após filmar aluna trans em banheiro feminino de uma escola, e como deputado recebeu mais curtidas e elogios em redes sociais.
                Grande parte dos internautas acredita que a fala do deputado é só a nova geração de balelas típicas do bolsonarismo. Muitos colegas de tribuna pensam o mesmo, enquanto os governistas rejeitam o rótulo elogioso. O que pode ser uma temeridade. Tomemos o exemplo de Jair Bolsonaro.
                O perfil ideológico de Bolsonaro nasceu no início da vida política em 1990. Desde então ele ganhou um público fiel que alavancou a sua carreira até chegar à presidência e pôr parte do projeto nazifascista em prática. Para isso, ele teve um fator favorável: ser invisibilizado pelos demais graças às suas falas.
                Ser subestimado tornou tranquilo para Bolsonaro construir o seu ideal e angariar mais e mais fãs através do ciberespaço, enfim presidente, legitimar o preconceito. Hoje ele está fora, mas deixou o ovo da nova geração nazifascista que, nas redes e no congresso, acaba de eclodir.
                Ainda há como “matar” os filhotes, e tem que ser agora, antes que o Brasil afunde de novo.

Sal Ross (reflexão)
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Nikolas e a luz inédita da transexualidade

                O discurso de Nikolas Ferreira (PL-MG) de "homenagem" ao Da da Mulher foi medonho, dada a injeção para mais violência contra a galera trans e as mulheres. Mas o furor desencadeado entre o plenário – com exceção dos bolsonaristas – colabora, junto à exposição do próprio discurso, o fomento da reflexão sobre a transexualidade.
                Embora muito falada, a transexualidade ainda desperta dúvidas: é um fenômeno psíquico íntimo ou uma orientação sexual nova? Travesti e trans são a mesma coisa?
                A princípio, transexualidade se relaciona à transexualização, que é o uso permanente de fármacos hormonais com ou sem cirurgia genital, decorrente da autoidentidade como sendo do sexo oposto. Antes eram os travestis a vestirem e viverem como do sexo oposto, mas o termo já foi jocosamente usado.
                O direito ao atendimento pelo SUS fez com que pessoas trans pudessem realizar sua mudança. Mas o ataque ideológico da era Bolsonaro influenciou na consciência de médicos e de juristas sobre esse direito, e ainda incitou a violência urbana contra a vida dessas pessoas. 
                E ainda permitiu que a indústria farmacêutica fosse à Justiça para que houvesse permissão de aumentar os preços dos fármacos hormonais - e conseguiu o "direito" a acréscimo hiperinflacionário de mais de 300%.
                Negativismos à parte, o bolsonarismo ironicamente fez a galera trans mais visível. Após a estreia do homem trans Tammy Miranda na vereança paulistana, duas mulheres trans foram eleitas deputadas federais – o que pode facilitar alguma coisa para a população trans.
                A maioria das pessoas trans é vulnerável: sem qualificação profissional nem trabalho regular, a prostituição é um ganha-pão comum. Muitas delas moram nas ruas. Retornando pela diversidade, Lula pode dar novas chances para esse e outros segmentos da comunidade LGBTQIA+.
                Diante disso, é ironicamente possível agradecer a Bolsonaro e à sua caterva da extrema-direita, pela grande oportunidade política para a população trans. Mas ainda há um desafio muito difícil à frente, que é vencer a tenaz barreira do moralismo recrudescido pelo bolsonarismo, e a consequente violência.

Sal Ross (reflexão)
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O debate político de Duda Salabert

                Ainda são sentidos os ecos da repercussão do discurso de Nikolas Ferreira (PL-MG) no Dia da Mulher. A cacofonia ficou amplamente consolidada graças à defesa de alguns colegas bolsonaristas, como Zé Trovão e Maurício do Vôlei, e réplicas de governistas na Câmara e no Senado.
                As réplicas dos governistas – em especial mulheres – por sua vez encontraram eco fora da Casa, inclusive das deputadas trans Erika Hilton (PSOL) e Duda Salabert (PDT-MG), que foram alvos da ofensa do jovem bolsonarista e não o replicaram diretamente.
                Em entrevista recente à BdF (link abaixo), Duda Salabert apontou que a transexualidade é apenas um dos indicadores do preocupante decrepitude do nível do debate entre aqueles que que foram eleitos para criarem as leis que podem ou não decidir pelos rumos da nação.
                Ela aponta como fator determinante dessa queda de nível o caráter escancaradamente ideológico dos discursos e até mesmo nas apreciações de textos de propostas pelas comissões – o que decide muitas vezes por decisões temerárias para o futuro.
                E tem ciência de sua missão: “Eu tenho uma responsabilidade muito grande e isso tem que se traduzir em política pública de qualidade. Um processo legislativo maiúsculo é o que a gente vai fazer”.
                Por “política com P maiúsculo” ela traduz em fomento por um debate eminentemente político, no qual ser politicamente conservador – uma tradição histórica no Congresso – não precisa ser um problema ao ponto de travar decisões para mudanças necessárias.
                Ou seja, tomando-se o exemplo da transexualidade, da fala da deputada se depreende que a turma conservadora pode por direito expor sua contrariedade desde que argumente com inteligência e possa dar uma luz contributiva para construir soluções para problemas cotidianos enfrentados pela galera trans.
                A fala dela é lógica e revela que o debate político é saudável para a democracia. O problema é que, para que o nível desse debate suba para político com P maiúsculo, muitos nomes eleitos nessa legislatura atual não possuem a mínima credencial para alcançar esse nível. E geralmente são conservadores nos costumes e bem neoliberais.

Para saber mais
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