terça-feira, 14 de março de 2023

CURTAS 24 - ANÁLISES (evangelização, pós-Lula, Marielle)

  

Evangelização genocida

                A grande rede operacional de Lula para salvar as comunidades Yanomami afetadas pelo garimpo ilegal nos mostrou a dimensão assumida pela crise humanitária vivida por esses originários. E ainda nos leva a inferir sobre outros povos também serem atingidos, de alguma forma, pelos criminosos ambientais.
                Normalmente são apontados como criminosos ambientais os extratores ilegais de recursos florestais e minerais das áreas públicas de preservação permanente.  Mas cada vez mais se sabe que, a julgar pela dimensão criminal, inclusive na citada crise humanitária, eles têm contado com ausência da fiscalização, internet de boa qualidade mesmo em áreas remotas e liberdade excessiva de grupos missionários evangélicos.
                A liberdade excessiva desses grupos de fé tem sido observada na era Bolsonaro, ainda que não se descarte a historicidade do rolo compressor cristão bem antes da era 2018-22. O ex-governante tem dado pleno aval para que eles viajem até de helicópteros a pedido da ex-ministra Damares Alves, à caça de povos isolados. 
                Como povos isolados se define como todos aqueles que, mesmo após contato com pessoas brancas, mantêm intactas as suas organizações sociais e tradições ancestrais, inclusive a relação com o meio ambiente, a obtenção de alimentos por caça, coleta e roça, e medicamentos entre a flora. Algumas comunidades Yanomami estão nessa categoria.
                No que se refere aos indígenas Yanomami, temos falado muito nas ações deletérias do garimpo ilegal sobre o meio ambiente e à sobrevivência dessas comunidades. Mas vale citar, sem medo, que entre as causas mais comuns a contribuir para a ação genocida do governo Bolsonaro estão as missões evangelizadoras.
                Tais grupos missionários contam com a ajuda de indígenas cristianizados, que atuam como guias para facilitar a localização e encontros com as comunidades isoladas, e dar início a contatos nem sempre pacíficos, pois os visitados tendem a encarar, com razão, as visitas como invasões - o que não deixa de sê-lo.
                Afinal, historicamente a evangelização de indígenas serviu para pacificar os originários e jogar um verde para deles roubar seu bem mais valioso: as suas terras. Em mais de 500 anos, a evangelização abriu as portas da redução da população indígena original de 3,5 milhões para 950 mil pessoas.
                Imposta pela evangelização, a perda de identidade com as tradições ancestrais é primeiro e decisivo caminho para a perda de vidas, seja por suicídio, doenças ou violência. E dada a plena liberdade na era Bolsonaro graças às alianças espúrias entre governo e pastores, as igrejas evangélicas deveriam ser devidamente investigadas e punidas.
                Sim, punidas, pois há uma lei que coíbe a evangelização dos povos originários com vistas à preservação das culturas ancestrais e da floresta, contra a qual a bancada evangélica protesta. Mas tem que coibir, não importa como, e punir os religiosos cúmplices da política anti-indígena de Bolsonaro.

Para saber mais
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O PT pós-Lula (reflexão)

                A recente declaração da inconsequente e enrolada deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) sobre Jair Bolsonaro já pensar em um sucessor “à sua altura” merece a nossa atenção.  Pode parecer um absurdo, mas merece, sim, toda a atenção.
                A fala de Zambelli evidencia o prenúncio já previsível do fim da vida política de Bolsonaro, foragido da Justiça brasileira desde 30/12 e, segundo noticiosos, oscila entre o retorno em 2026 e a cidadania italiana, fora o escândalo recém-descoberto do contrabando de joias presenteadas pelos árabes após quase dar uma refinaria da Petrobras.
                Mas essa vida não deveria preocupar Zambelli e o resto da caterva. Considerando-se  caráter degradado e a fome de poder, Bolsonaro tem sucessores bem parecidos. Como os seus colegas de Câmara Arthur Lira (PP-AL) e Valdemar da Costa Neto (PL-SP), por exemplo.
                Ex-braço direito de Cunha, o alagoano Arthur Lira se mostrou aluno tão aplicado que o ofuscou o professor da memória coletiva desde que se tornou presidente da Câmara e líder supremo do famigerado Centrão. Ao ser reeleito, ele reagiu com cortante frieza ao desmaio do pai, revelando o caráter frio, calculista e metódico.
                Congressista veterano, Valdemar tem um histórico mais conhecido por seus crimes de corrupção  e lavagem de dinheiro que o condenaram na era petista (mensalão) do que por qualquer PL que tenha elaborado. Fora a sua possível vida extraconjugal comumente apontada, vindos dos porões da fofoca que têm a ex-esposa como âncora.
                Há outros que seguem a mesma linha, como o senador Magno Malta (PL-ES). Além de ser pastor, ele tem o puxa-saquismo que Bolsonaro gosta.
                Como se vê, a direita com viés extremista já apresenta nomes à altura do psicopático ex-presidente. E olha que são apenas dois exemplos, pois há mais, que vocês podem especular à vontade. Enquanto isso, do lado oposto, as perguntas dominam o cenário.
                Lacuna na esquerda- pela esquerda as coisas parecem mais difíceis. Fora as profundas divergências internas a marcarem debates, há outro tema que, mesmo já conversado, já sinaliza preocupação: a busca de um sucessor à altura do atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, figura histórica por sua vida política incomum.
                O próprio retorno de Lula ao cenário político após a prisão tornada injusta por comprovação de crime judicial anulado pelo STF foi uma grata surpresa para as lideranças de esquerda, abalando a base bolsonarista da extrema-direita. Desde então Lula avisou: não concorrerá à reeleição, alertando os seus próximos e sua base.
                Por causa disso, a procura de um bom sucessor já deveria sair dos repetitivos discursos de tribuna para acontecer na prática. E é bom aproveitar agora, que estão aparecendo alguns nomes factíveis. Na pretensão de sair da vida pública de vez em 2026, o próprio Lula já pensa em um sucessor confiável.
                Entre as bases espera-se que o sucessor ideal de Lula seria alguém com a mesma habilidade política, sagacidade, conduta pragmática, objetivo de dar continuidade ao projeto de reconstrução iniciado pelo petista e, quando possível, trocar afagos com populares.  Mas Lula sabe, e nós também, que ninguém é igual a ninguém.
                A preocupação de Lula com 2026é razoável: ele sabe que Bolsonaro se aproveita da condição de foragido para tentar voltar ao poder, por ter ainda bom potencial de voto. Nesse sentido, ele quer selecionar nomes da atual geração para superar esse potencial eleitoral do extremista.
                Daí a busca preocupada dentro e fora do PT por nomes qualificados e de confiança de Lula. Dentro do partido, Haddad, Mercadante e Gleisi, mais jovens, têm chances à frente. Idosos, Roberto Requião e Jacques Wagner focam governos regionais ou o parlamento. Dilma Rousseff não dá pistas de voltar a suceder a Lula.
                Já fora do PT há boas opções cogitáveis: Guilherme Boulos (PSOL-SP), muito popular e de boa astúcia política; Randolfe Rodrigues (Rede-AP) que coordenou a campanha de Lula e de pulso firme; e André Janones (Avante-MG), que ajudou muito na comunicação da campanha e permanece ao lado de Lula.
                Os nomes acima podem estar entre as cartas a serem lançadas na mesa. Enquanto segue o governo Lula entre tantos problemas a resolver, o baralho político está a postos na mesa. É jogar pesado e direto para que a esquerda permaneça forte na corrida eleitoral de 2026 e reconquiste o poder para afastar o bolsonarismo de vez.
                
Para saber mais
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Caso Marielle: fortes indícios, muitas lacunas

                Rio, 14/3/2018: há exatamente 5 anos atrás, numa noite na Lapa, a vereadora Marielle Franco (PSOL) e sua assessora saíram de uma reunião com mulheres periféricas e entraram no carro. Na rua seguinte, o carro foi barbaramente alvejado por tiros de fuzil. Marielle e seu motorista Anderson morreram. A assessora escapou.
                A saraivada de tiros interrompeu o silêncio noturno e na manhã seguinte o crime já era notícia nas mídias Brasil afora. Com a repercussão internacional imediata, a PC iniciou as primeiras investigações que rechearam os principais telejornais do país durante meses, até virem os primeiros indícios de motivação política.
                Indícios- antes da paralisação por Brasília, a investigação do caso levantou dois inquéritos: para se descobrir os assassinos, e para rastrear se foi encomenda de gente poderosa. O indício de crime político veio com o depoimento do ex-governador Wilson Witzel durante a CPI da C19, com o andamento do 2º inquérito.
                Foi durante o curto governo Witzel que foram achados e presos os autores da execução, sendo Ronnie Lessa o atirador, na companhia de Élcio de Queiroz, que dirigia o carro em que eles estavam. Assim como o miliciano Adriano da Nóbrega, o também miliciano Ronnie foi condecorado por Flávio Bolsonaro.
                No seu depoimento na CPI da C19, Witzel disse que a confusão com hospitais de campanha em 2020 serviu para encobrir o real motivo de seu impeachment: a prisão dos executores e revelar a influência de Flávio Bolsonaro nas direções da rede de saúde federal no RJ. Foi acusado pelo senador de “ingratidão”. Ou, quem sabe, traição.
                Lacunas- antes da política, Witzel foi juiz federal em diferentes varas cíveis no RJ e ES, o que o teria permitido acessar, com certeza, documentos de grande interesse, mas não divulgados na mídia por precaução.
                Segundo o líder dos policiais antifascistas do RJ, Orlando Zaccone, o importante depoimento de Witzel – que o levou a pedir à cúpula da CPI posterior proteção à família – era para ter levado a PC-RJ a chama-lo para auferir mais detalhes para a investigação. Mas não o chamou, “o que é muito estranho”, disse.
                Em 2020, antes da interferência do governo Bolsonaro, no 2º inquérito consta o depoimento do então porteiro do condomínio de luxo Vivendas da Barra, Ronnie e um comparsa procuraram o “seu Jair”, do n. 58, e alguém o atendeu no interfone. Depois, o porteiro simplesmente desapareceu. O destino é ignorado até hoje.
                O depoimento do porteiro foi estranhamente “desmentido”. Mas, se houve confusão ou mentira da parte dele, por que então ninguém o encontra? Um porteiro em função não mente, mas pode fazê-lo por ordem expressada pelo condômino o que não se deu porque o então presidente estava em Brasília
                A interferência do governo Bolsonaro na investigação se deu em trocas de chefias da PF da central em Brasília e no RJ. Nisso, Adriano da Nóbrega, já refugiado em fazenda no interior da Bahia, foi executado por gente da PM-BA três dias após o deputado federal Eduardo Bolsonaro ir lá para “tratar de negócios”. Depois, a investigação foi paralisada. 
                Cinco anos depois- cinco anos depois, o caso Marielle ainda tem muitas lacunas a serem resolvidas. É sabido que Ronnie Lessa mora nas Vivendas da Barra, um imóvel cujo valor é incompatível com a renda que ele arregimentou quando policial, evidenciando seus ganhos extras com a milícia.
                Sobre esse comparsa, de nome Anderson (apenas um xará do motorista de Marielle), não se sabe se ele procurou Ronnie para a empreitada, ou se era para outros objetivos. Mas seu nome consta na investigação para se saber de sua participação.
                Orlando Zaccone discorda que a PC-RJ e o MP tenham falhado no trâmite da investigação. Talvez seja por ser policial, ou ponto de vista pessoal mesmo. Mas, assim como abundam lacunas, o mesmo ocorre com os indícios que envolvem direta ou indiretamente os Bolsonaro no vespeiro.
                Como vereadora, Marielle Franco não só atuou em prol dos invisíveis sociais. Ela dava apoio a famílias de policiais de histórico limpo mortos em rotinas de trabalho. Teve seu futuro política interrompido de forma brusca, mas sua marca permanece indelével. Até virou logradouro em Paris.
                A natureza bárbara a evidenciar claramente a execução da vereadora ainda tem muita lacuna para ser preenchida. Sem Bolsonaro para impedir, o momento oportuno para continuar e fechar as investigações com chave de ouro é agora – e pode arranhar ainda mais o bolsonarismo. Basta retomar.

Para saber mais
- https://www.brasildefato.com.br/2023/03/14/entrada-da-pf-no-caso-marielle-mostra-fracasso-da-pc-rj-diz-chefe-dos-policiais-antifascismo
-  https://pt.wikipedia.org/wiki/Wilson_Witzel#:~:text=Wilson%20Witzel%20em%202019%20como%20Governador.&text=Foi%20juiz%20federal%20entre%202001,de%20Eduardo%20Paes%20(DEM).
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