sexta-feira, 28 de abril de 2023

CURTAS 26 - análises (Munduruku, Dino, quilombolas...)

  

A outra crise humanitária

                No início de 2023, a crise humanitária do povo Yanomami decorrente do garimpo ilegal ganhou o mundo. Os acampamentos garimpeiros cercaram os indígenas submetendo-os à fome e a doenças agravadas pela desnutrição. A megaoperação de emergência logo começou e ainda continua.
                Como já apontado no blog, os problemas sociais dos originários ligados à atividade econômica ilegal sem suas terras têm caráter genérico e a ministra Sonia Guajajara também já denunciou isso. Um outro exemplo é a descoberta de um surto de mau desenvolvimento físico e mental entre os Munduruku.
                Munduruku – é uma das muitas culturas originárias de ocupação amazônica que já tiveram contatos mais intensos com a cultura branca, assim como os Kaiapós (norte de MT), Baniwas, Sateré-Maués (Pará) e os Yanomami de Roraima. Sua liderança mais conhecida é o escritor e historiador Daniel Munduruku.
                Se distribuem em pequenas comunidades na Amazônia da vasta terra indígena na fronteira norte do Mato Grosso com o sul do Pará. Preservada e rica em recursos, a área é alvo da cobiça de latifundiários e madeireiros, e ocasionalmente se operam verdadeiras guerras frontais nas fronteiras. E agora já ocorre uma nova crise.
                Como um surto – recentemente, médicos da Sesai¹ descobriram uma comunidade indígena Munduruku no Pará, na beira de um rio de águas barrentas. Crianças e jovens apresentavam sequelas físicas graves: mãos e pés tortos, membros atrofiados, alguns paralíticos, cabeça pendente e mudez. Eram muitos afetados numa comunidade pequena.
                Em dúvida, eles inicialmente creditaram ser intoxicação grave por agrotóxicos proibidos usados em monoculturas de fazendas próximas. Mas ao perceberem que os indígenas consumiam água com nível altíssimo de mercúrio, entenderam que era o metal líquido do garimpo o causador daquelas sequelas.
                Amostras de sangue coletadas dos indígenas revelaram índices alarmantes de mercúrio, mineral que nas mulheres grávidas passa pela placenta atingindo o feto. Daí o caráter congênito da intoxicação e alguns casais com todos os filhos nesse estado. A situação é dramática.
                Garimpo ilegal – Há alguns anos Daniel Munduruku tem denunciado a investida de garimpo na região, mas aparentemente nunca houve alarde midiático digno de nota sobre isso. Se sabia apenas dos avanços das monoculturas de soja e milho, com eventuais intervenções do Ibama.
                A ofensiva do governo Lula contra o garimpo legal na terra Yanomami deu certa esperança para os Munduruku. O problema é que parte do grupo criminoso fugiu se embrenhando na floresta rumo ao sul paraense, engrossando a fila dos que já estavam lá há décadas.
                Não surpreende, mas... – A divulgação dos relatos dos médicos da Sesai pela mídia alternativa comprova a denúncia de Daniel Munduruku sobre a gravidade das ameaças dos extrativistas ilegais nas terras indígenas. Nesse sentido não surpreende ninguém. Mas parte da fala de Daniel foi silenciada pela própria mídia.
                É essa parte silenciada que a reportagem do Brasil reverbera em leitura, pois mostra outra faceta de uma crise humanitária: a de que contaminantes perigosos atingem mais rios e comunidades na floresta e adjacências do que se imagina – bem como o conjunto de consequências à saúde e seus significados.
                Ou seja, as complicações da intoxicação grave por mercúrio, agroquímicos ou ambos devem ser mais comuns entre as comunidades da floresta e ribeirinhas do que sabemos, bem como as implicações disso: quanto mais pessoas incapacitadas numa comunidade, maiores são as dificuldades de vida.
                Os relatos dos médicos da Sesai sobre os Munduruku reportados pela BdF de 19/4 são oportunos nesse retorno democrático e maior visibilidade dos povos indígenas, para mostrar a real profundidade da crise humanitária dos mesmos e, com isso, redimensionar o resgate emergencial para a sobrevivência.
                O momento é agora. Pois se desconhece o futuro e, em consequência, o que politicamente virá a posteriori. É agora ou nunca. A nossa sobrevivência depende intimamente da sobrevivência dos povos originários.

Nota da autoria
¹ Secretaria de Saúde Indígena - SUS, agrega profissionais habilitados em saúde indígena que se concentram mais nas regiões do país com mais povos indígenas.

Para saber mais
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Dino, o imbatível (e quiçá sucessor)
Sal Ross

                Com sua inteligência política peculiar e aparentemente aguçada com o progredir da idade, o presidente Lula nomeou o maranhense Flávio Dino (PSB) para comandar uma pasta bem especial: o ministério da justiça e segurança pública. Não é para menos: ele atuou como juiz federal no seu Estado por mais de 10 anos.
                Suas duas vezes como governador do Maranhão foram marcantes. Ele procurou amenizar os graves e históricos problemas sociais e estruturais e valorizou professores de ensino básico com a maior média salarial do Nordeste – se não for do país. Isso lhe auferiu grande popularidade, que rendeu a eleição para senador.
                Os fatos revelam Dino como o sapato certo para o pé doente. Previamente ele avisou à SSP-DF sobre o 8/1, cuja história já se sabe, agora acrescida de 180 horas de imagens de uma câmera de segurança, sobre a qual o então GSI general Gonçalves Dias mentiu ao presidente Lula ao dizer que “estava queimada”.
                Imagens desta câmera revelaram a mentira que custou a autodemissão de G. Dias do GSI, substituído por Ricardo Capelli, civil de confiança de Lula, que seguirá caso o presidente definitivamente fracasse com os milicos de vez. (spoiler: essas imagens com G. Dias levaram o governo a aceitar a CPMI do 8/1).
                Eficiência – O governo Lula mostra a harmônica coesão das instituições, com resultados que atestam a ausência de “petistas infiltrados” na barbárie de 8/1 e esquentam a batata dos financiadores, parlamentares bolsonaristas e do mentor Jair Bolsonaro.
                Essa coesão institucional acabou favorecendo Dino indiretamente, em especial na sua condução no ministério, tão eficiente e pragmática (até o momento) quanto nos tempos de governador de seu Estado natal. As falhas no início do governo praticamente foram esquecidas, tornadas irrelevantes frente aos novos feitos.
                Além dessa eficiência, Dino revela mais uma qualidade essencial: o carisma popular. Este se consolidou após as duas sabatinas tumultuadas de comissões do Congresso, nas quais deu uma verdadeira aula de Direito e ainda intimidou parlamentares bolsonaristas por mentira e depreciações a pessoas ou grupos que não ele próprio.
                Sucessão – Como Lula já havia avisado previamente rejeitar a disputa pela reeleição, a preocupação pegou o colegiado do PT. Não sem razão. Eles já perceberam que um sucessor à altura de Lula deve ter como qualidades básicas: linguagem popular direta e didática, afiamento político, e alto potencial pragmático.
                A condução eficiente no ministério e os shows com os parlamentares e imprensa soaram bem ao público gerando o carisma popular que os petistas procuram. Só que o ponto vai para o PSB e não para o PT, embora não seja necessariamente uma perda para este último, pois poderá lançar Haddad como vice em possível chapa.
                O PSB está de olho em Alckmin, pela harmonia na relação com Lula, mas também por estar sendo sondado pela oposição para presidir logo o país em caso de impeachment já pautado pelos bolsonaristas. Mas o partido não parece disposto a trair Lula e o PT, daí já mirar Dino como uma opção popular pela esquerda.
                A substituição de Lula por Alckmin se torna uma chance naturalmente maior por ser o vice com um papel importante no aparamento de arestas. Mas faltam-lhes as qualidades vistas em Dino: para o povo, ele ainda é o picolé de chuchu, em alusão ao seu jeito aparentemente insosso de se expressar e agir.
                Ainda que o ex-tucano seja o mais agradável para os grandes meios de comunicação e os economistas de viés notadamente neoliberal, Dino se parece mais com Lula e, por isso, pode ser a opção mais palatável mais à esquerda e para o povo essencialmente lulista. 
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Indecoro: nessa briga o ruim venceu

                A Constituição de 1988 preconizou novidades sobre os princípios referentes aos agentes públicos em geral – políticos e servidores públicos de todas as esferas e dos três Poderes. São princípios de decoro na função pública, que preveem tratamentos sóbrios e de civilidade da parte desses agentes.
                O decoro na função pública reflete a histórica conduta indecorosa de um deputado federal que abaixou as calças afrontando colegas em tribuna, no Rio, capital federal nos anos 1930. Inicialmente ligado à impudicícia, o indecoro hoje significa toda conduta depreciativa cometida por agentes públicos contra colegas e o povo.
                Nesse sentido mais amplo, o indecoro tem sido uma constante no Congresso nos últimos anos, em especial a partir do fim dos anos 1990, quando o deputado extremista Jair Bolsonaro começou a ter holofotes sobre suas ideias, que replicaram tantas vezes quando já presidente da República.
                Deputados e senadores bolsonaristas têm reproduzido condutas e falas escatológicas e violentas, como visto na CPI da C19 e em comissões com pautas em assuntos polêmicos. E não foi diferente em uma comissão mais recente na Câmara, sobre a escolha do vice-presidente da CPMI do 8/1.
                Arranca-rabo na comissão – formada por deputados de vários matizes, a comissão é sujeita a momentos acalorados. Isso é normal na democracia, pois facilita a escolha de alguém mais incisivo durante depoimentos que porventura despertem climas disruptivos. Nessa comissão de apreciação já surgiu um arranca-rabo.
                Até acontecer o estouro, houve antes uma ligeira troca de adversidades entre os deputados Eduardo Bolsonaro (PL-SP, oposição) e Marcon (PT-RS, situação). Num momento rápido, o petista detonou: “facada fake”, hipótese do controverso fato da facada em Jair Bolsonaro em campanha eleitoral de 2018. Foi o estopim.
                Eduardo saiu de sua mesa indo para cima de Marcon. Colegas o seguiram a fim de contê-lo para evitar as vias de fato, mas as imagens revelam que o próprio Eduardo se contém no momento exato, mas não a boca, da qual foi vomitada uma série de impropérios depreciativos escatológicos e ameaças. E depois volta ao lugar.
                Análise – após o estouro, deputados se manifestaram à distância, revelando dois grupos, parte em apoio ao bolsonarista e outro favorável ao petista. A razão do apoio ao bolsonarista se fundamentou mais pelo crime em Juiz de Fora até hoje não ter sido oficialmente questionado, apesar das controvérsias.
                Já o apoio ao petista não se deu pela fala, mas em razão da reação intempestiva, ameaçadora e recheada de ofensas e palavrões. Em fria análise, a menção da facada foi inoportuna e infeliz, em momento totalmente impróprio e por atingir o âmago de um filho do ex-presidente. Foi irrazoável.
                Na família Bolsonaro não houve manifesto público sobre o episódio, mas já foi dada a munição aos seus fanáticos seguidores. Isso reforça a impropriedade da fala de Marcon e favorece Eduardo, cujo vídeo já viraliza entre os fãs. Lamentável, em contexto de violência ideológica atingindo escolas.
                Nesse episódio, Eduardo venceu o embate, mesmo em pleno indecoro. Ainda mais após dizer: “Sou capaz de tudo por meu pai”, ao se acalmar. É compreensível, mas há quem diga que ele tenha sorrido de zombaria ao se afastar de Marcon. Mas até o momento não há menção a isso na internet.
                Ainda que não seja da ASCOM (assessoria de comunicação do governo), Marcon em sua fala expõe as fraquezas da esquerda na área enquanto a extrema-direita nada a largas braçadas no ramo. Mas nada que não tenha jeito: quiçá, entram profissionais e Janones para profissionalizar a equipe e dar o efeito desejado no cenário.
                Porque nessa briguinha de quinta série o ruim venceu. E não podemos deixar ampliar o placar.

Para saber mais
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Uma violação esquecida aqui, lá fora não

                Segundo a grande mídia, a dupla passagem de Flávio Dino (ex-PCdoB) no governo do Maranhão foi uma “ousadia”. Tudo porque ele investiu na política de valorização do ensino básico a partir do salário dos professores acima da média nacional, e demais servidores da educação e da saúde. Realmente ousado para o padrão.
                Entretanto, não conseguiu resolver a pleno contento vários dos graves problemas sociais históricos, como os altos índices de informalidade no trabalho entre jovens que abandonam os estudos e carências estruturais e de pessoal na saúde pública, que pioraram entre 2013 e 2022 devido a picuinhas ideológicas de Brasília.
                Mas há outro problema, por sua vez mais complexo e mais antigo do que a carreira política de Dino: um conflito sociopolítico instaurado a partir da construção do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) da Força Aérea Brasileira (FAB), em meio à mata florestal, e entre terras quilombolas.
                CLA – Foi projetado como mais um faraônico símbolo da ditadura militar de progresso no “inferno verde amazônico” que, ao menos em parte, ainda cobre o norte do Estado. Ela se situa nos arredores da turística cidade litorânea de Alcântara, famosa por suas praias primitivas e selvagens.
                O projeto do CLA foi elaborado pelos engenheiros da FAB nos anos 1970, mas seguiu melhorado aos poucos até 1979, quando ocorreram desmate e terraplanagem de terra cedida pelo governo do Estado. As instalações surgiram em 1980, mas só estavam plenamente prontas na redemocratização.
                O CLA foi alvo de litígio entre governos estaduais, a FAB e movimentos sociais organizados ligados à terra e aos quilombolas por anos. Mas houve cessão aos direitos de uso pelos EUA em ações espaciais menores, segundo a mídia. Mas para movimentos sociais citados, a intenção não é boa. Eles têm razão.
                QuilombolasQuilombo é termo afro-português que nomeia assentamentos de escravos negros e indígenas fugidos no Brasil colonial. A maioria foi destruída por bandeirantes e, depois, capatazes da elite rural. Os sobreviventes resistem bravamente à pressão das mudanças sociais, políticas e ambientais, como centros culturais afrodescendentes.
               Seculares, os quilombos são hoje patrimônios socioculturais e históricos e suas terras são públicas tidas como áreas militares. Daí os litígios de mais de 40 anos e a ameaça constante do CLA da FAB. Em 2020, sem aviso, a FAB usou a violência em ação de despejo sobre a área quilombola adjacente às instalações.
                Dino – De visão humanista, Dino se posiciona contra a retirada compulsória dos quilombolas, vendo na expulsão promovida pela FAB como uma violação de direitos humanos, compartilhada com os princípios norteadores da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que criticou duramente a atuação do governo Bolsonaro.
                Após o protesto pessoal contra as ações de tomada militar pela FAB, Dino ficou de mãos atadas quando os advogados da FAB mostraram toda a papelada em que estaria já regulamentada a propriedade das terras ocupadas pelos quilombolas e pelas instalações do CLA.
                CIDH – a CIDH recebeu várias denúncias, protocoladas pelos movimentos sociais e juristas do grupo progressista Prerrogativas pelas violações e reiteradas aos direitos humanos pela FAB. Dino apontou uma solução dialógica, em que quilombolas ficariam mais afastados do CLA por segurança, mas dentro da terra pública.
                O início do novo governo Lula é visto pelos quilombolas da região como uma esperança. Tendo Dino como ministro da justiça e um militar legalista na chefia das Forças Armadas, se espera haver um acordo no qual eles não percam as terras que habitam há séculos. Por enquanto, as ameaças continuam e eles resistem – até quando, não sabemos.
                
Para saber mais
https://amazoniareal.com.br/quilombo-vista-alegre/ (FAB usa violência em despejo de quilombolas)
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terça-feira, 18 de abril de 2023

Análise: um pesadelo para BR e Lula

 

           Teoricamente, o que se espera de um advogado que deseja obter escalões mais altos e estáveis em tribunais e outros órgãos públicos está muito além de um aprove no exame da OAB. Os dois principais requisitos são: o notável saber jurídico e a conduta ilibada e imparcial na condução judicial.
                O último requisito nos faz lembrar dos nomes notórios que não o têm: Sergio Moro, Deltan Dallagnol e Gabriela Hardt, no caso Lula. Já houve desconfiança, sem prova, de suposta sugestão de Dias Toffoli para Bolsonaro para fugir e escapar da Justiça e da prisão. É o saber das brechas legais.
               Gabriela Hardt seria apenas mais um nome na lista do vasto universo judiciário brasileiro, se não condenasse Lula em processo colado e adaptado no caso triplex para o sítio de Atibaia, mantendo a ilegal incompetência de Curitiba para esses casos. E não pararia por aí.
               Ela continuou na incompetência local ao autorizar a investigação do caso paulista PCC-Moro, um tema de morte súbita na mídia após confirmada sua forja pelo senador. E não sossegou mesmo assim, o que teria explicação quiçá hereditária, em uma descoberta jornalística bombástica sobre um crime vitimando a Petrobrás (BR).

                
Jorge Hardt Filho

                A BR teve boom em 2006 na descoberta do gigantesco campo petrolífero do pré-sal na bacia de Santos, por tecnologia de exploração ultraprofunda cobiçada pelas estrangeiras. Graças à competência intelectual e técnica de seus profissionais, inclusive terceirizados de empresas de tecnologia  - do que a estatal ainda pode se gabar.
                Nessa cena entra Jorge Hardt Fº, engenheiro químico que atuou na Gerência de Engenharia da Unidade de Negócios SIX/BR, onde viu surgir a eficiente e menos poluente tecnologia Petrosix e depois viraria consultor de empresa privada após se aposentar com importante conhecimento de Estado.
                A Petrosix foi projetada nos anos 1970 pela equipe técnica da SIX/BR para extrair óleo e gás em terra até em xisto, um tipo de rocha metamórfica antiga de subsolo muito profundo. Se produz hidrocarbonetos, se aplica o termo Xisto betuminoso para distinção dos xistos improdutivos.


Documentos muito confidenciais

                Para evitar roubo, documentos da Petrosix foram criados e salvos de forma secreta em apenas um dos computadores da SIX. Em 2007, já consultor da Tecnomon, contratada da SIX para modernizar a planta da BR, que Hardt voltou à SIX e depois foi trabalhar para a empreiteira Engevix.
                A Engevix foi investigada pela Lava-Jato, com diretores e o presidente presos a mando de Moro. Hardt Fº, João Carlos Gobbo e João Carlos Winck aparecem em documento do Dept Interno do Sistema BR de 2008 como um dos destinatários para envio de docs confidenciais da SIX.
                O acesso aos três aposentados da SIX/BR foi o passo para o escândalo de pirataria industrial que viria, pois em documentos da estatal havia segredos tecnológicos da Petrosix totalmente confidenciais.


Um X9 lá fora

                Eles aproveitaram o contrato BR-Engevix de US$ 18,5 milhões para a venda da Petrosix para EUA, Marrocos e Jordânia – os dois primeiros abandonaram o projeto no fim do contrato de 2 anos. O governo jordaniano autorizou a BR continuar a prospecção do xisto, mas foi necessário a estatal ter aí nova parceria.
                A parceria foi com a Forbes & Manhattan (F&M), do Canadá. Mas em 2012, o gerente-geral da SIX José Alexandrino Machado se reuniu às pressas com executivos da BR para mostrar slides de outra empresa, a Irati Energia, formada por ex-funcionários da SIX e controlada pela... isso mesmo, a F&M. Guardem bem esse nome.
                Slides – revelaram que a Irati se declarou detentora da Petrosix. Era o vazamento de informe secreto da BR para a canadense, que já tentava prospectar na mesma região jordaniana sem a ciência da própria BR, e com uma tecnologia criticada pelo governo do país árabe. Claro indício de pirataria.
                De imediato a BR abortou o trato com a Forbes e logo suspeitou de Jorge Hardt Filho, a quem antes confiara o destino dos documentos da Petrosix. Mas como, se ele não trabalhava para a Irati?
                

Anatomia de um crime: da descoberta à apuração

                A suspeita tinha fundamento. A patente expirada da Petrosix não impediu o controle da BR sobre seis dos mecanismos de transformação do xisto. O conteúdo dos slides apontou a violação da cláusula de confidencialidade do contrato BR-Engevix. Mas havia outra razão no imbróglio.
               Ao buscar novos requerimentos de patentes da Petrosix no Brasil e exterior, a BR descobriu que Hardt Fº, Gobbo e Wink requeriam patentes de uma tecnologia muito parecida, a Prix, cuja descrição comercial dizia ser “processada com mais de 30 anos de comprovada operação”. Bingo!
               Há duas razões de ser mentira: a Petrosix nunca saiu do papel, e não há fontes sobre a prática do Prix. Podia-se dizer, assim, que a Prix era uma aprimoração da Petrosix. A BR não perdeu tempo: criou um grupo investigativo que, durante as tarefas, desvelada a anatomia do crime de pirataria e seu valor.
                Informes privilegiados – em Relatório de Comissão Interna de Apuração de dez/2012, a BR destacou: “evidências apontadas permitiram identificar que as empresas IRATI ENERGIA, FORBES ENERGY e GOSH, todas vinculadas ao grupo FORBES & MANHATTAN, utilizaram-se de informações privilegiadas”.
               A BR esclareceu que Hardt Fº, Gobbo e Wink tiveram acesso direto aos informes ilicitamente usados pela Forbes & Manhattan, e “fizeram visitas à SIX que não se limitaram ao período e às exigências do contrato com a Engevix”. E a petroleira foi mais adiante na apuração: 
               No contrato firmado com a Engevix existe previsão impondo à Contratada o dever de sigilo das informações disponibilizadas pela Petrobras, o que se estende para suas subcontratadas, de maneira que qualquer utilização indevida de informações por funcionários da Engevix ou suas subcontratadas ensejaria a obrigação de indenização dos prejuízos causados”.
                Por conta disso, a estatal foi mais longe ao desaconselhar, no relatório de apuração, qualquer novo contrato com a F&M, e notificar extrajudicialmente empresas por apropriação indébita de propriedade intelectual visando obter patente de projetos alheios de natureza confidencial.


Lava-Jato: relações suspeitas e consequências

              Após corte de contrato, a F&M disse ao governo da Jordânia que não prospectará mais o xisto e se limitará ao consórcio com a BR, uma vez que 'sem BR, sem Petrosix'. A BR descobriu ainda que a F&M quis vender projeto para uma empresa chinesa com informes obtidos da visita à SIX. 
               Nos relatórios da BR ainda aparecem dois nomes que assinaram documentos com a F&M em seu nome: Demarco Jorge Epifânio e Jorge Luiz Zelada, presos pela Lava Jato após terem suas vidas reviradas, mas não tiveram relação com a passagem pela SIX, cujo caso não foi investigado pela midiática operação.
                A parcialidade investigativa da citada operação deixou Jorge Hardt Filho passar incólume. Por ser pai da juíza que substituiu o hoje senador Sergio Moro em processos de interesse, como o que condenou José Dirceu por suposta propina da Engevix. Mas o caso Petrosix nunca foi tocado.
                 Bolsonaro – isso tudo foi um facilitador para o governo Bolsonaro, que de praxe na sua mente criminosa, desobedeceu aos conselhos da estatal e vendeu a Petrosix, por R$ 200 milhões, para a... F&M. Isso mesmo. E esse valor equivaleu a apenas 1 ano de rendimento para a fábrica. A F&M venceu a BR, de um jeito ou de outro, e Bolsonaro saboreou a doçura do crime.


Mas nem tudo está perdido - e reflexões finais

                Em meio a tantas preocupações e imbróglios internos, o governo Lula poderá passar o controle total da Petrosix em até 15 meses – dos quais já se passaram 5 meses. Enquanto isso, com os relatórios e os conselhos da BR em mãos, o TCU investiga o suspeito negócio por inteiro e no mais completo sigilo.
                O governo sabe disso. Enquanto os canadenses esfregam as mãos otimistas com o desfecho, Lula espera os resultados obtidos da investigação do TCU, que talvez caiam no conhecimento midiático somente em momento oportuno, o que ainda dá fôlego de esperança à estatal e aos poucos brasileiros que acompanham a matéria.
                E enquanto essa parte não fecha, se seguem as reflexões finais sobre a narrativa resumida dessa importante matéria. Em primeiro lugar, ela revela como o perfil deletério de Moro caiu como luva na era Bolsonaro, mesmo tempos após ele deixar a então equipe de governo em 2020.
                A venda da Petrosix foi uma das tacadas finais de Guedes antes de seu desaparecimento, que foi anterior à fuga do próprio ex-chefe e silenciado na grande mídia, que assim se torna cúmplice de todo um processo criminoso que, mais uma vez, coube à mídia independente descobrir e revelar a céu aberto.
                Vemos, assim, um crime em dose dupla: o proposital interesse de Sergio Moro e procuradores envolvidos na Lava Jato em segredar um crime de assalto e espionagem industrial de valor ainda a serem mensurados, e a venda de uma tecnologia orçada em R$ dezenas de milhões.
                Não por acaso, em 2022 Bolsonaro publicou o relatório Poço Transparente propondo o fracking (já abordado no blog) como meio de extração do gás de xisto – o que é tão poluente quanto caro, e seus contaminantes e resíduos têm toxicidade ainda mal abordada na nossa literatura.
                Foi para afastar a ideia do fracking que a BR projetou a Petrosix que, embora nunca tenha saído do papel, prometia menos impactos ambientais e à saúde da biosfera e humana de modo geral. O roubo industrial culminado com a privataria ainda pode ser revertido. Agora é aguardar os próximos capítulos.
                
Para saber mais
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sexta-feira, 14 de abril de 2023

Análise: um velho flagelo com novo perfil

 

           EUA: entre os anos 1990 e 2020, escolas dos EUA têm se tornado frequentes alvos de tiroteios cometidos por atiradores solitários ou em dupla, com várias vítimas fatais e feridas em cada vez. Alguns se notabilizaram, como o massacre de Columbine, com dezenas de mortes, em 1992.
                Há muito tempo o fenômeno tem ocasionado debates acalorados entre especialistas, políticos e a opinião pública estadunidense, o que engrossa com ocasionais tiroteios em massa em templos religiosos durante cultos – o último contra fieis negros, levantando suspeição de autoria de supremacista branco.
                Brasil: no país é conhecida a rotina escolar marcada por agressões verbais e físicas gerando riscos à integridade da comunidade escolar por ser diária. Tiroteios em larga escala ligados a PM e tráfico eram isolados, até em 2011, quando a violência escolar passaria passou a tomar rumo parecido com o dos EUA.
                Por falta de registros anteriores dessa natureza, considera-se a estreia o “massacre do Realengo”, em escola pública no bairro do mesmo nome na zona oeste carioca.
                O protagonista do fato foi Wellington Menezes, de 24 anos e ex-aluno da escola Tasso da Silveira, onde abordou 13 meninas, às quais perguntou se eram virgens. Como 12 delas afirmaram, ele disse que “devem morrer por Deus”, e atirou à queima-roupa matando-as, e se matou atirando na cabeça.
                 Wellington já estava morto quando os PMs chegaram. Investigação da PCERJ descobriu na casa dele anotações nas quais “precisava entregar virgens a Alah” e se suicidar, desejando ser “envolto em pano branco por ser também virgem”. Mas terminou em saco preto e enterrado como indigente.
                 O caso abriu porteiras para o que viria a seguir para engrossar aos poucos uma nefasta estatística: desde então foram 24 ataques, sendo os dois últimos no Norte. De 2022 a 23 foram 7 casos, e no Rio, a cada 10 escolas, sete já foram alvos de pelo menos um ataque de tiroteio.

Autoria

                A autoria é bastante variada. Em áreas tomadas por orcrim’s, pode ser um bandido para mostrar domínio, ou policiais corruptos. Em qualquer local, pode ser um desconhecido. Mas geralmente é aluno ou ex-aluno ou, em menor escala, quem trabalha ou já trabalhou na escola. Em maioria, a autoria tem sido solitária.
                O autor do ataque a machadadas que matou 4 crianças e feriu outras 4 em SC é Luiz Henrique Lima, desconhecido das famílias das vítimas e dos educadores. Mas é conhecido da PM-SC pela conduta pregressa agressiva e perigosa, já tendo esfaqueado o padrasto e um cão, engrossando a ficha corrida.
                O que difere de Wellington, cujos escritos revelaram possível surto psicótico ou delirante, o que depois foi arquivado como fato resolvido, cometido por um insano mental.

Ataque comum ou atentado?

                Essa pergunta nova nos suscita a refletir sobre as motivações ou gatilhos que detonam os ataques finais. As mídias têm chamado os últimos ataques de atentados. Mas vale frisar que todo atentado é um ataque, tentado ou consumado, mas nem todo ataque é atentado.
                Os motivos dos ataques são variados. Surto psicótico do autor drogadito ou não, operações da PM nas comunidades tomadas pelas orcrims, mostra de domínio pelo tráfico ou milícia, ou por lideranças religiosas corruptas a fim de tomar o espaço como templo, policiais corruptos, e até motivos ideológicos.
                O motivo da pergunta acima é o de que as mídias estão usando o termo “atentado”, aplicado aos casos em que houve conotação religiosa e/ou político-religiosa. E, coincidência ou não, nos últimos ataques a escolas, os autores tinham, em seus objetos e redes sociais, alguma relação com o nazismo.

Extrema-direita

                Como sabemos, o nazismo foi o extremo das ideologias de extrema-direita na história sociopolítica geral. E, tomado como crime em grande parte do globo, o nazismo encontrou no Brasil o território fértil para, ao menos, perpetuar e formar uma poderosa herança: o bolsonarismo.
                A evidência dessa relação de Bolsonaro com grupos neonazistas nas redes sociais tem sido notada. O The Intercept Brasil descobriu que os Bolsonaro frequentemente se comunicavam com descendentes de nazistas há 10 anos. No governo de Jair, frases de Joseph Goebbels e colegas eram slogans diários.~
               Vocês devem se perguntar o que tem a ver Bolsonaro, redes neonazistas e ataques nas escolas. Em parte, ela é razoável, pois nem todos têm motivação clara. Mas o atacante de 13 anos portava símbolos do nazismo, e o de Santa Catarina era apoiador de Bolsonaro. E suas convicções eram muito parecidas.
               Segundo várias mídias, o crescimento de núcleos neonazistas foi explosivo entre 2018-2022, acompanhando a entrada de Bolsonaro na corrida eleitoral para a presidência e já no governo, e chegou ao ápice em 2020-21, período coincidente com os maiores índices de popularidade do ex-presidente.
                
Há saída?

                Com o retorno de Lula, foi percebida a queda de novas adesões a esses núcleos, pelo menos desde o final de 2022. A divulgação de sucessivos escândalos de corrupção e outros crimes de Bolsonaro talvez tenha colaborado: foi justamente o “combate à corrupção” que os motivou a apoiá-lo.
                Parece abrir aí uma perspectiva de que o mal possa ser minado pelo investir em educação política. O que pode ser quase impossível: mesmo que os neonazistas sejam presos e os núcleos fechados, o estrago já está feito. E as vítimas mais vulneráveis dele são justamente os jovens.
                Desinformados e sem referência familiar politicamente positiva, eles descarregam sua frustração em amigos, colegas e professores indiferentes ou progressistas. E ainda contam com referências negativas na própria escola: alguns educadores se licenciaram devido à perseguição política de colegas de profissão.
                Mesmo que os núcleos neonazistas sejam fechados e seu pessoal preso, pois mesmo fora do poder e desgastado, Bolsonaro continua influenciando as convicções desse povo. E o problema atinge as escolas: há notícias de perseguição a educadores progressistas, que se licenciam das atividades para se protegerem.
                Governo federal e parlamento pensam em medidas de combate. O ministro Silvio Almeida (DH) defende reconciliar escolas e famílias ferradas no governo anterior, e parlamentares extremistas propõem policiamento ou professores armados, ou seja, a imediata violência como resposta à violência.
                Os políticos se divergem, mas talvez a melhor medida seja a educação política. É difícil e resulta em longo prazo, mas a relação Bolsonaro -nazismo deve ser abordada sem medo, tratando o propósito de espalhar C19, violência e fome entre 2019-22 como análoga à “solução final” de Hitler. Agora, o problema será como aplica-la.

Para saber mais
https://pt.wikipedia.org/wiki/Tiroteio_em_escolas 
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