Teoricamente, o que se espera de um advogado que deseja obter escalões mais altos e estáveis em tribunais e outros órgãos públicos
está muito além de um aprove no exame da OAB. Os dois principais requisitos são: o notável saber jurídico e a conduta ilibada e imparcial na
condução judicial.
O último requisito nos faz lembrar dos nomes notórios que
não o têm: Sergio Moro, Deltan Dallagnol e Gabriela Hardt, no caso Lula.
Já houve desconfiança, sem prova, de suposta sugestão de Dias Toffoli para
Bolsonaro para fugir e escapar da Justiça e da prisão. É o saber das brechas
legais.
Gabriela Hardt seria apenas mais um nome na lista do
vasto universo judiciário brasileiro, se não condenasse Lula em processo colado
e adaptado no caso triplex para o sítio de Atibaia, mantendo a ilegal
incompetência de Curitiba para esses casos. E não pararia por aí.
Ela continuou na incompetência local ao autorizar a
investigação do caso paulista PCC-Moro, um tema de morte súbita na mídia após
confirmada sua forja pelo senador. E não sossegou mesmo assim, o que teria
explicação quiçá hereditária, em uma descoberta jornalística bombástica sobre um crime vitimando a
Petrobrás (BR).
Jorge Hardt Filho
A BR teve boom em 2006 na descoberta do
gigantesco campo petrolífero do pré-sal na bacia de Santos, por tecnologia de
exploração ultraprofunda cobiçada pelas estrangeiras. Graças à competência intelectual
e técnica de seus profissionais, inclusive terceirizados de empresas de
tecnologia - do que a estatal ainda pode se gabar.
Nessa cena entra Jorge Hardt Fº, engenheiro químico
que atuou na Gerência de Engenharia da Unidade de Negócios SIX/BR, onde viu
surgir a eficiente e menos poluente tecnologia Petrosix e depois viraria
consultor de empresa privada após se aposentar com importante conhecimento de
Estado.
A Petrosix foi projetada nos anos 1970 pela equipe técnica da SIX/BR para
extrair óleo e gás em terra até em xisto, um tipo de rocha metamórfica
antiga de subsolo muito profundo. Se produz hidrocarbonetos, se aplica o termo Xisto
betuminoso para distinção dos xistos improdutivos.
Documentos muito confidenciais
Para evitar roubo, documentos da Petrosix foram
criados e salvos de forma secreta em apenas um dos computadores da SIX. Em
2007, já consultor da Tecnomon, contratada da SIX para modernizar a planta da
BR, que Hardt voltou à SIX e depois foi trabalhar para a empreiteira Engevix.
A Engevix foi investigada pela Lava-Jato, com
diretores e o presidente presos a mando de Moro. Hardt Fº, João Carlos Gobbo e
João Carlos Winck aparecem em documento do Dept Interno do Sistema BR de 2008
como um dos destinatários para envio de docs confidenciais da SIX.
O acesso aos três aposentados da SIX/BR foi o passo
para o escândalo de pirataria industrial que viria, pois em documentos da
estatal havia segredos tecnológicos da Petrosix totalmente
confidenciais.
Um X9 lá fora
Eles aproveitaram o contrato BR-Engevix de US$ 18,5
milhões para a venda da Petrosix para EUA, Marrocos e Jordânia – os dois primeiros
abandonaram o projeto no fim do contrato de 2 anos. O governo jordaniano
autorizou a BR continuar a prospecção do xisto, mas foi necessário a estatal ter aí nova parceria.
A parceria foi com a Forbes & Manhattan (F&M),
do Canadá. Mas em 2012, o gerente-geral da SIX José Alexandrino Machado se
reuniu às pressas com executivos da BR para mostrar slides de outra empresa, a
Irati Energia, formada por ex-funcionários da SIX e controlada pela... isso
mesmo, a F&M. Guardem bem esse nome.
Slides – revelaram que a Irati se
declarou detentora da Petrosix. Era o vazamento de informe secreto da BR
para a canadense, que já tentava prospectar na mesma região jordaniana sem a
ciência da própria BR, e com uma tecnologia criticada pelo governo do país
árabe. Claro indício de pirataria.
De imediato a BR abortou o trato com a Forbes e logo
suspeitou de Jorge Hardt Filho, a quem antes confiara o destino dos documentos da Petrosix.
Mas como, se ele não trabalhava para a Irati?
Anatomia de um crime: da descoberta à apuração
A suspeita tinha fundamento. A patente expirada da Petrosix
não impediu o controle da BR sobre seis dos mecanismos de transformação do
xisto. O conteúdo dos slides apontou a violação da cláusula de
confidencialidade do contrato BR-Engevix. Mas havia outra razão no imbróglio.
Ao buscar novos requerimentos de patentes da Petrosix
no Brasil e exterior, a BR descobriu que Hardt Fº, Gobbo e Wink requeriam
patentes de uma tecnologia muito parecida, a Prix, cuja descrição
comercial dizia ser “processada com mais de 30 anos de comprovada operação”.
Bingo!
Há duas razões de ser mentira: a Petrosix nunca
saiu do papel, e não há fontes sobre a prática do Prix. Podia-se dizer, assim,
que a Prix era uma aprimoração da Petrosix. A BR não perdeu tempo: criou
um grupo investigativo que, durante as tarefas, desvelada a anatomia do crime
de pirataria e seu valor.
Informes privilegiados –
em Relatório de Comissão Interna de Apuração de dez/2012, a BR destacou: “evidências
apontadas permitiram identificar que as empresas IRATI ENERGIA, FORBES ENERGY e
GOSH, todas vinculadas ao grupo FORBES & MANHATTAN, utilizaram-se de
informações privilegiadas”.
A BR esclareceu que Hardt Fº, Gobbo e Wink tiveram
acesso direto aos informes ilicitamente usados pela Forbes & Manhattan, e “fizeram
visitas à SIX que não se limitaram ao período e às exigências do contrato com a
Engevix”. E a petroleira foi mais adiante na apuração:
“No contrato firmado com a Engevix existe previsão
impondo à Contratada o dever de sigilo das informações disponibilizadas pela
Petrobras, o que se estende para suas subcontratadas, de maneira que qualquer
utilização indevida de informações por funcionários da Engevix ou suas
subcontratadas ensejaria a obrigação de indenização dos prejuízos causados”.
Por conta disso, a estatal foi mais longe ao
desaconselhar, no relatório de apuração, qualquer novo contrato com a F&M,
e notificar extrajudicialmente empresas por apropriação indébita de propriedade
intelectual visando obter patente de projetos alheios de natureza confidencial.
Lava-Jato: relações suspeitas e consequências
Após corte de contrato, a F&M disse ao governo da
Jordânia que não prospectará mais o xisto e se limitará ao consórcio com a BR,
uma vez que 'sem BR, sem Petrosix'. A BR descobriu ainda que a F&M quis vender
projeto para uma empresa chinesa com informes obtidos da visita à SIX.
Nos relatórios da BR ainda aparecem dois nomes que
assinaram documentos com a F&M em seu nome: Demarco Jorge Epifânio e Jorge Luiz
Zelada, presos pela Lava Jato após terem suas vidas reviradas, mas não tiveram
relação com a passagem pela SIX, cujo caso não foi investigado pela midiática
operação.
A parcialidade investigativa da citada operação deixou
Jorge Hardt Filho passar incólume. Por ser pai da juíza que substituiu o hoje
senador Sergio Moro em processos de interesse, como o que condenou José Dirceu
por suposta propina da Engevix. Mas o caso Petrosix nunca foi tocado.
Bolsonaro – isso tudo foi um
facilitador para o governo Bolsonaro, que de praxe na sua mente criminosa,
desobedeceu aos conselhos da estatal e vendeu a Petrosix, por R$ 200 milhões,
para a... F&M. Isso mesmo. E esse valor equivaleu a apenas 1 ano de rendimento para a fábrica. A
F&M venceu a BR, de um jeito ou de outro, e Bolsonaro saboreou a doçura do
crime.
Mas nem tudo está perdido - e reflexões finais
Em meio a tantas preocupações e imbróglios internos, o
governo Lula poderá passar o controle total da Petrosix em até 15 meses – dos
quais já se passaram 5 meses. Enquanto isso, com os relatórios e os conselhos
da BR em mãos, o TCU investiga o suspeito negócio por inteiro e no mais completo sigilo.
O governo sabe disso. Enquanto os canadenses esfregam as mãos otimistas com o desfecho, Lula espera os resultados obtidos da investigação do TCU, que talvez caiam
no conhecimento midiático somente em momento oportuno, o que ainda dá fôlego de
esperança à estatal e aos poucos brasileiros que acompanham a matéria.
E enquanto essa parte não fecha, se seguem as
reflexões finais sobre a narrativa resumida dessa importante matéria. Em
primeiro lugar, ela revela como o perfil deletério de Moro caiu como luva na
era Bolsonaro, mesmo tempos após ele deixar a então equipe de governo em 2020.
A venda da Petrosix foi uma das tacadas finais de
Guedes antes de seu desaparecimento, que foi anterior à fuga do próprio
ex-chefe e silenciado na grande mídia, que assim se torna cúmplice de todo um processo
criminoso que, mais uma vez, coube à mídia independente descobrir e revelar a
céu aberto.
Vemos, assim, um crime em dose dupla: o proposital
interesse de Sergio Moro e procuradores envolvidos na Lava Jato em segredar um crime
de assalto e espionagem industrial de valor ainda a serem mensurados, e a venda
de uma tecnologia orçada em R$ dezenas de milhões.
Não por acaso, em 2022 Bolsonaro publicou o relatório Poço
Transparente propondo o fracking (já abordado no blog) como meio de
extração do gás de xisto – o que é tão poluente quanto caro, e seus contaminantes
e resíduos têm toxicidade ainda mal abordada na nossa literatura.
Foi para afastar a ideia do fracking que a BR
projetou a Petrosix que, embora nunca tenha saído do papel, prometia menos
impactos ambientais e à saúde da biosfera e humana de modo geral. O roubo
industrial culminado com a privataria ainda pode ser revertido. Agora é aguardar
os próximos capítulos.
Para saber mais
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