terça-feira, 18 de abril de 2023

Análise: um pesadelo para BR e Lula

 

           Teoricamente, o que se espera de um advogado que deseja obter escalões mais altos e estáveis em tribunais e outros órgãos públicos está muito além de um aprove no exame da OAB. Os dois principais requisitos são: o notável saber jurídico e a conduta ilibada e imparcial na condução judicial.
                O último requisito nos faz lembrar dos nomes notórios que não o têm: Sergio Moro, Deltan Dallagnol e Gabriela Hardt, no caso Lula. Já houve desconfiança, sem prova, de suposta sugestão de Dias Toffoli para Bolsonaro para fugir e escapar da Justiça e da prisão. É o saber das brechas legais.
               Gabriela Hardt seria apenas mais um nome na lista do vasto universo judiciário brasileiro, se não condenasse Lula em processo colado e adaptado no caso triplex para o sítio de Atibaia, mantendo a ilegal incompetência de Curitiba para esses casos. E não pararia por aí.
               Ela continuou na incompetência local ao autorizar a investigação do caso paulista PCC-Moro, um tema de morte súbita na mídia após confirmada sua forja pelo senador. E não sossegou mesmo assim, o que teria explicação quiçá hereditária, em uma descoberta jornalística bombástica sobre um crime vitimando a Petrobrás (BR).

                
Jorge Hardt Filho

                A BR teve boom em 2006 na descoberta do gigantesco campo petrolífero do pré-sal na bacia de Santos, por tecnologia de exploração ultraprofunda cobiçada pelas estrangeiras. Graças à competência intelectual e técnica de seus profissionais, inclusive terceirizados de empresas de tecnologia  - do que a estatal ainda pode se gabar.
                Nessa cena entra Jorge Hardt Fº, engenheiro químico que atuou na Gerência de Engenharia da Unidade de Negócios SIX/BR, onde viu surgir a eficiente e menos poluente tecnologia Petrosix e depois viraria consultor de empresa privada após se aposentar com importante conhecimento de Estado.
                A Petrosix foi projetada nos anos 1970 pela equipe técnica da SIX/BR para extrair óleo e gás em terra até em xisto, um tipo de rocha metamórfica antiga de subsolo muito profundo. Se produz hidrocarbonetos, se aplica o termo Xisto betuminoso para distinção dos xistos improdutivos.


Documentos muito confidenciais

                Para evitar roubo, documentos da Petrosix foram criados e salvos de forma secreta em apenas um dos computadores da SIX. Em 2007, já consultor da Tecnomon, contratada da SIX para modernizar a planta da BR, que Hardt voltou à SIX e depois foi trabalhar para a empreiteira Engevix.
                A Engevix foi investigada pela Lava-Jato, com diretores e o presidente presos a mando de Moro. Hardt Fº, João Carlos Gobbo e João Carlos Winck aparecem em documento do Dept Interno do Sistema BR de 2008 como um dos destinatários para envio de docs confidenciais da SIX.
                O acesso aos três aposentados da SIX/BR foi o passo para o escândalo de pirataria industrial que viria, pois em documentos da estatal havia segredos tecnológicos da Petrosix totalmente confidenciais.


Um X9 lá fora

                Eles aproveitaram o contrato BR-Engevix de US$ 18,5 milhões para a venda da Petrosix para EUA, Marrocos e Jordânia – os dois primeiros abandonaram o projeto no fim do contrato de 2 anos. O governo jordaniano autorizou a BR continuar a prospecção do xisto, mas foi necessário a estatal ter aí nova parceria.
                A parceria foi com a Forbes & Manhattan (F&M), do Canadá. Mas em 2012, o gerente-geral da SIX José Alexandrino Machado se reuniu às pressas com executivos da BR para mostrar slides de outra empresa, a Irati Energia, formada por ex-funcionários da SIX e controlada pela... isso mesmo, a F&M. Guardem bem esse nome.
                Slides – revelaram que a Irati se declarou detentora da Petrosix. Era o vazamento de informe secreto da BR para a canadense, que já tentava prospectar na mesma região jordaniana sem a ciência da própria BR, e com uma tecnologia criticada pelo governo do país árabe. Claro indício de pirataria.
                De imediato a BR abortou o trato com a Forbes e logo suspeitou de Jorge Hardt Filho, a quem antes confiara o destino dos documentos da Petrosix. Mas como, se ele não trabalhava para a Irati?
                

Anatomia de um crime: da descoberta à apuração

                A suspeita tinha fundamento. A patente expirada da Petrosix não impediu o controle da BR sobre seis dos mecanismos de transformação do xisto. O conteúdo dos slides apontou a violação da cláusula de confidencialidade do contrato BR-Engevix. Mas havia outra razão no imbróglio.
               Ao buscar novos requerimentos de patentes da Petrosix no Brasil e exterior, a BR descobriu que Hardt Fº, Gobbo e Wink requeriam patentes de uma tecnologia muito parecida, a Prix, cuja descrição comercial dizia ser “processada com mais de 30 anos de comprovada operação”. Bingo!
               Há duas razões de ser mentira: a Petrosix nunca saiu do papel, e não há fontes sobre a prática do Prix. Podia-se dizer, assim, que a Prix era uma aprimoração da Petrosix. A BR não perdeu tempo: criou um grupo investigativo que, durante as tarefas, desvelada a anatomia do crime de pirataria e seu valor.
                Informes privilegiados – em Relatório de Comissão Interna de Apuração de dez/2012, a BR destacou: “evidências apontadas permitiram identificar que as empresas IRATI ENERGIA, FORBES ENERGY e GOSH, todas vinculadas ao grupo FORBES & MANHATTAN, utilizaram-se de informações privilegiadas”.
               A BR esclareceu que Hardt Fº, Gobbo e Wink tiveram acesso direto aos informes ilicitamente usados pela Forbes & Manhattan, e “fizeram visitas à SIX que não se limitaram ao período e às exigências do contrato com a Engevix”. E a petroleira foi mais adiante na apuração: 
               No contrato firmado com a Engevix existe previsão impondo à Contratada o dever de sigilo das informações disponibilizadas pela Petrobras, o que se estende para suas subcontratadas, de maneira que qualquer utilização indevida de informações por funcionários da Engevix ou suas subcontratadas ensejaria a obrigação de indenização dos prejuízos causados”.
                Por conta disso, a estatal foi mais longe ao desaconselhar, no relatório de apuração, qualquer novo contrato com a F&M, e notificar extrajudicialmente empresas por apropriação indébita de propriedade intelectual visando obter patente de projetos alheios de natureza confidencial.


Lava-Jato: relações suspeitas e consequências

              Após corte de contrato, a F&M disse ao governo da Jordânia que não prospectará mais o xisto e se limitará ao consórcio com a BR, uma vez que 'sem BR, sem Petrosix'. A BR descobriu ainda que a F&M quis vender projeto para uma empresa chinesa com informes obtidos da visita à SIX. 
               Nos relatórios da BR ainda aparecem dois nomes que assinaram documentos com a F&M em seu nome: Demarco Jorge Epifânio e Jorge Luiz Zelada, presos pela Lava Jato após terem suas vidas reviradas, mas não tiveram relação com a passagem pela SIX, cujo caso não foi investigado pela midiática operação.
                A parcialidade investigativa da citada operação deixou Jorge Hardt Filho passar incólume. Por ser pai da juíza que substituiu o hoje senador Sergio Moro em processos de interesse, como o que condenou José Dirceu por suposta propina da Engevix. Mas o caso Petrosix nunca foi tocado.
                 Bolsonaro – isso tudo foi um facilitador para o governo Bolsonaro, que de praxe na sua mente criminosa, desobedeceu aos conselhos da estatal e vendeu a Petrosix, por R$ 200 milhões, para a... F&M. Isso mesmo. E esse valor equivaleu a apenas 1 ano de rendimento para a fábrica. A F&M venceu a BR, de um jeito ou de outro, e Bolsonaro saboreou a doçura do crime.


Mas nem tudo está perdido - e reflexões finais

                Em meio a tantas preocupações e imbróglios internos, o governo Lula poderá passar o controle total da Petrosix em até 15 meses – dos quais já se passaram 5 meses. Enquanto isso, com os relatórios e os conselhos da BR em mãos, o TCU investiga o suspeito negócio por inteiro e no mais completo sigilo.
                O governo sabe disso. Enquanto os canadenses esfregam as mãos otimistas com o desfecho, Lula espera os resultados obtidos da investigação do TCU, que talvez caiam no conhecimento midiático somente em momento oportuno, o que ainda dá fôlego de esperança à estatal e aos poucos brasileiros que acompanham a matéria.
                E enquanto essa parte não fecha, se seguem as reflexões finais sobre a narrativa resumida dessa importante matéria. Em primeiro lugar, ela revela como o perfil deletério de Moro caiu como luva na era Bolsonaro, mesmo tempos após ele deixar a então equipe de governo em 2020.
                A venda da Petrosix foi uma das tacadas finais de Guedes antes de seu desaparecimento, que foi anterior à fuga do próprio ex-chefe e silenciado na grande mídia, que assim se torna cúmplice de todo um processo criminoso que, mais uma vez, coube à mídia independente descobrir e revelar a céu aberto.
                Vemos, assim, um crime em dose dupla: o proposital interesse de Sergio Moro e procuradores envolvidos na Lava Jato em segredar um crime de assalto e espionagem industrial de valor ainda a serem mensurados, e a venda de uma tecnologia orçada em R$ dezenas de milhões.
                Não por acaso, em 2022 Bolsonaro publicou o relatório Poço Transparente propondo o fracking (já abordado no blog) como meio de extração do gás de xisto – o que é tão poluente quanto caro, e seus contaminantes e resíduos têm toxicidade ainda mal abordada na nossa literatura.
                Foi para afastar a ideia do fracking que a BR projetou a Petrosix que, embora nunca tenha saído do papel, prometia menos impactos ambientais e à saúde da biosfera e humana de modo geral. O roubo industrial culminado com a privataria ainda pode ser revertido. Agora é aguardar os próximos capítulos.
                
Para saber mais
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