terça-feira, 16 de maio de 2023

ANÁLISE: MTrabalho, do colapso à ressurreição

 

                Em 2016 houve o golpe parlamentar que depôs a então presidente da República Dilma Rousseff, ascendendo o seu vice, Michel Temer, ao cargo tão almejado, e cuja história passamos a compreender com mais amplitude na medida em que caíam os pedaços da máscara do ex-juiz e agora senador Sergio Moro.
                O citado golpe abriu as porteiras para Jair Bolsonaro assumir a presidência e tocar o seu governo, de cuja dimensão desastrosa sabe aos poucos, de tanta coisa revelada. Entre tantos fatos logo ocorridos no início do seu governo, o mais surpreendente foi, certamente, a desativação da pasta do Trabalho.
                Podemos dizer que esta foi uma das ações mais insólitas do governo que então se iniciava.  Mas logo entenderíamos o seu sentido: a facilidade de desmonte de um direito pétreo.

Uma pasta histórica

                O Ministério do Trabalho é um dos mais antigos que se conhece. Ele foi criado pelo decreto 19.433 de 1930, com o título de Ministério do Trabalho, Indústria e do Comércio, o que duraria até meados da era Francelino Kubistcheck (1956-61).  
                JK, como Juscelino é até hoje mencionado na historiografia, editou o que seria depois a lei 3.782 de 1960, que dispôs, entre outras atribuições, a mudança do nome para Ministério do Trabalho e Previdência Social, pois foi criada a secretaria do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), subordinada à pasta.
                A titulação da era JK se manteve funcional durante a breve passagem de Jânio Quadros, Jango e mesmo durante a ditadura militar. Nesta última, o INPS virou INAMPS, com saúde e previdência vinculadas, nome que se manteve durante a transição marcada pela era Sarney (1985-89).
                No breve governo Fernando Collor (1990-92), o nome da pasta foi reduzido a Ministério do Trabalho, e conforme previsto pela Constituição-1988, a separação definitiva do Trabalho e da Previdência se deu,  veio a pasta da Previdência Social e o INAMPS virou Inst. Nacional de Seguridade Social (INSS), esse até hoje.
                Em 1995, Fernando Henrique Cardoso manteve o INSS em seu respectivo ministério e renomeou a pasta do Trabalho para Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Já a era petista gostou da formatação de Collor e retirou o termo "Emprego". Pronto, ficou nisso mesmo e já está bom.
                A pasta foi renomeada mil vezes, mas não caiu, afinal, ela existe até nos EUA. Mas veio Jair Bolsonaro, que conseguir fazer o improvável: pela MP 870/2019, o ministério foi colapsado a uma secretaria menor indexada ao superministério da Economia de Guedes, o que desencadeou uma confusão administrativa. com intenções bem definidas.

Reveses do colapso

                A “extinção” da pasta e sua anexação ao ministério do então Sergio Moro foi divulgada na época pela grande mídia com o objetivo de “despetizar”, e como a pasta estava “repleta de petistas corruptos”, foi “preciso ir às últimas consequências para eliminar a corrupção do PT”. Mas havia outras intenções a mais por trás disso.
                A ocorrência desse ato já seria suficientemente clara para denunciar o aparelhamento institucional em curso e que seria norma nesses 4 anos, mas a mídia deixou passar batida como se não fosse algo tão relevante assim. Nem o alerta da suspeita de interferência na PF teve a merecida atenção.
                O que realmente mais atraiu a grande imprensa foi mesmo o amado ministro Paulo Guedes apresentar nova proposta que aprofundou a reforma da CLT de 2017, como se a retirada dos mais de 100 artigos da original, principalmente sobre direitos dos trabalhadores, não tivesse sido suficiente.
                Sem explicar a proposta, a mídia fez desserviço ao povo. Houve a adição de novos vínculos de trabalho que, na prática, reduziu o emprego à precária “parceria” entre trabalhadores autônomos e patrões invisíveis por trás dos aplicativos de celular. A mágica que faltou para mascarar a explosão de desemprego.
                Sobre a Carteira Verde-Amarela m 2019, em entrevista à imprensa, Bolsonaro disse: “você escolhe: ou emprego sem direitos, ou direitos sem emprego”. Desse modo, a mídia deu a entender se tratar apenas para os jovens na fila do primeiro emprego, que teriam essa carteira. Só que o buraco era mais embaixo.
                Precarização – É fruto do neoliberalismo que implica em “desoneração do mercado”, e um vínculo trabalhista formal e marcado geralmente por contratos temporários e pouca segurança jurídica para a parte empregada. É como vemos na terceirização e, mais ainda, no trabalho por App de celular.
                 Uberização – Em trabalho por aplicativo, o trabalhador chega a abrir mão de direitos pétreos como 13º salário, carga horária definida e férias remuneradas. A pejotização¹ do trabalho online é comum. O nome se deve à estreia do meio trabalhista estreado pela Uber, empresa on-line de motoristas e entregas.
                 As “uberizadas” comumente são contratadas por instituições públicas e mercado privado para fornecer recursos humanos terceirizados para serviços gerais, faxina ou atividades-fim. Como o Ifood e Uber Eats no setor alimentício, a Uber em serviços de Sedex e a Parafuzo em serviços gerais e limpeza.
                Desmonte e escravidão – Sem concursos públicos desde o fim da era PT, o MPT², órgão de jurisdição nas questões trabalhistas e fiscalização das condições de trabalho in loco, ficou defasado de pessoal e foi afetado pelo colapso da pasta. Daí explodiram as contratações irregulares e a escravidão.
                Ao irem ao local denunciado por trabalho escravo ou irregular, os fiscais já sabem dos riscos de violência. Ainda mais no campo. Em Unaí, MG (2004), quatro servidores foram mortos por jagunços de um latifúndio produtor de feijão. O ex-prefeito de Unaí Antério Mânica foi condenado em 2022 como um mandante.
                Em 2022, 1200 escravizados foram resgatados no campo e nas cidades, mas a big mídia não alardeou para não melindrar os queridos poderosos. Foi preciso bombar o caso das vinícolas gaúchas para repercutir. Em MG, líder no flagelo há 10 anos, a era Zema o fez piorar na exploração pelas mineradoras e carvoarias.

                E lá fora? – Em geral, as mídias afirmam que a uberização do trabalho é uma tendência global. Em si é verossímil, embora não explique sozinha a explosão desse trabalho, e sim a pressão da pandemia de C19 sobre serviços físicos e as necessidades urgentes dos desempregados.
                Como também explodiu no Brasil, a mídia afagou a fala de Paulo Guedes sobre os “trabalhadores como empreendedores”. O problema é que ninguém informou que a uberização é regulada em vários países ocidentais e na China. No Brasil, a reforma da CLT e a lei da terceirização (2017) previam esse vínculo, mas não a sua regulação.

E Lula, vai conseguir regularizar?

       Conhecedores da sedução do mercado sobre muitos políticos, os CEOs do setor acreditam que vão dobrar o governo. Mas Lula ressuscitou a pasta do Trabalho com um ministro petista, e tem boa noção da legislação de alguns países, especialmente na Espanha. Daí o diálogo pretendido.
                Lula pretende seguir o modelo de regulação europeu, visando evitar as violações comuns nos EUA, como hiperexploração sem salário justo, punição de funcionários por fazer necessidades biológicas ou comer durante o expediente, etc., conforme a ONG Oxfam e mídias independentes.
                
                O governo sabe que as novas modificações no texto da regulação das plataformas podem se estender às uberizadas, mas ainda pretende esperar o texto definitivo. E mira concursos futuros, inclusive para o MPT, por pretender um sistema fiscalizatório mais eficiente e vigoroso no objetivo de combate às violações.
                Não foi por acaso que colocou a pasta do Trabalho nas mãos do PT, pois mesmo com boas atuações nos governos anteriores, com atuações mais ativas da fiscalização, não houve combate de 100% dos casos. Mas, com tudo isso, nos resta assistir aos fatos. Quem viver verá. Só desejo sucesso nas investidas.

Nota da autoria
¹ Transformação da condição de pessoa física para a pessoa jurídica, como se fosse empresa.
² Ministério Público do Trabalho, que além da fiscalização, agrega a Justiça do Trabalho.

Para saber mais
- https://dibrarq.arquivonacional.gov.br/index.php/ministerio-do-trabalho-industria-e-comercio-brasil-1930-1960#:~:text=a%20...%20%C2%BB-,O%20Minist%C3%A9rio%20do%20Trabalho%20foi%20criado%20pelo%20decreto%20n.,1%20de%20fevereiro%20de%201961.  (Arquivo Nacional, História do Ministério do Trabalho)
- https://epsso.com.br/2018/11/26/ministerio-do-trabalho-completa-88-anos-de-historia/ 
-  https://www.politize.com.br/ministerios-do-governo-federal-2/
- https://www.eco.unicamp.br/remir/index.php/sindicalismo/241-dois-anos-de-desgoverno-a-extincao-do-ministerio-do-trabalho
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