terça-feira, 16 de maio de 2023

CURTAS 28 - ANÁLISES (exploração infantil; ódio no esporte, Damares, PF...)

 

A extrema-direita no esporte

                Nessa semana foi noticiado sobre ataque à repórter espanhola María Morán, após rápida entrevista ao técnico do Real Madrid Carlo Ancelotti sobre os protestos do atacante brasileiro Vinícius Jr. Os ataques misóginos com ameaças de estupro e insultos à sua pequena filha repercutiram pelo país, especialmente no Twitter.
                No calor quase saariano do sul ibérico, María vestia uma regata durante a entrevista. Foi chamada de “prostituta”, e sua filha de “bastarda” por ser fruto de relacionamento com o goleiro holandês Jasper Cillesen. Em seu perfil, a jornalista revelou aos seguidores que não é a primeira vez que esse ataque não é o primeiro.
                Ela também conhece a autoria: a ultrarradical torcida organizada Atleti, do Atlético de Madrid, que prega o recato feminino e condena futebol feminino e outros direitos atuais a mulheres. O mesmo grupo já a atacou antes e, agora foi novamente denunciado à ostensiva Polícia Nacional.
                Não é recente – embora recente, o caso acima revela um problema bem mais antigo. Antes da 2ª guerra, as Olimpíadas de Berlim já apresentavam viés: o chanceler Adolf Hitler acompanhava, com pompa e circunstância, a abertura rigidamente coreografada e com bandeiras e adereços rubro alvos com a suástica negra no centro.
                Mesmo após o fim do nazismo e o trágico fim público dos Mussolini no vilarejo de Giulino di Mezzegra, Norte da Itália, a extrema-direita continuou vivificada graças à guerra fria imposta pelos EUA contra o regime soviético. E nesse contexto houve manifestos homofóbicos, racistas e misóginos em torneios esportivos
                A continuidade dos ataques preconceituosos de toda ordem nos torneios esportivos no pós-sovietismo ressaltou a intimidade entre os mesmos e a extrema-direita. Nem os novos reconhecimentos de direitos humanos, sociais e femininos pela ONU calaram os radicais, que ganharam mais vida após a crise econômica de 2008.
                Crises econômicas e extremismo – observa-se uma relação entre instabilidade econômica (risco ou crise já instalada) e ascensão de grupos de extrema-direita, desde a Grande Depressão de 1930. Especialistas apontam a crença dos radicais que supõe medidas políticas públicas austeras como a única forma de combate ao problema.
                A historicidade da crença revela sua construção em contexto sociopolítico que regimes autoritários eram naturalizados pelos conservadores inconformados com a soma de “relaxamento” democrático, a liberdade de costumes, a economia frágil e, até mesmo, supostos efeitos negativos da laicidade de Estado.
                Revés – De volta ao Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva reprova essa crença, reforçando que o extremismo leva ao caos socioeconômico e mais corrupção. Mesmo pessoalmente conservadora pela fé evangélica, ela é politicamente progressista e defende a laicidade.
                A posição da ministra importa muito para a reflexão e a manutenção das lutas coletivas essenciais. Se combater o extremismo tem sido impossível por sua ligação ao lobby mercadológico, ao menos podemos evitar que ele retome ao poder – ainda mais após tantas nefastas experiências na nossa história.

Para saber mais
https://www.youtube.com/watch?v=fHiuHMZ8kVA (Marina Silva: extremismo é ruim para a economia)
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Menores explorados, flagelo sem fim

                Acompanhando praticamente todo o Ocidente e vários países da Ásia e Oceania, o Brasil virou um signatário natural de nova Declaração de Direitos da Infância e da Adolescência estabelecida pela ONU. Nesse evento oficial documentado houve algumas assinaturas contendo ressalvas diversas baseadas, talvez, em tradições e costumes.
                Brasil: 33 anos após a assinatura da declaração, um levantamento do MPT e de ONGs ligadas à proteção da infância e da adolescência revelou que, em 20 anos, cerca de 980 menores foram resgatados da situação de “trabalho degradante” – outro eufemismo, passível de indicar o trabalho escravo.
                Parece muito, uma vez que, em dados oficiais teóricos, a grande maioria das pessoas nessas condições é de maiores de 18 anos. Mas, considerando-se o tempo desde a assinatura de 1990 e uma realidade mais pungente do que a teoria no interior, torna-se quase certa a probabilidade de subestimação estatística, fenômeno já esperado.
                Mas a subestimação não deprecia a competência dos servidores envolvidos no resgate das vítimas. Pois como mencionado, devemos apontar e analisar os fatos a partir da realidade mais crua
                Desigualdade e ignorância no interior – De tamanho continental e grande diversidade ambiental e cultural, o Brasil possui, em rincões do interior, disparidades sociais próximas às observadas nos países mais pobres do mundo, notáveis na observação in loco, ao ponto de nos causar certa dúvida sobre as médias locais levantadas por institutos oficiais.
                Se parte dos interioranos tem até acesso à internet, nos rincões mais remotos há muitas famílias miseráveis, em geral numerosas, sem escola e saúde, adultos e crianças absorvidos por empresas extrativistas, carvoarias e fazendas que, longe da fiscalização do MPT e batida policial, empregam trabalho irregular, insalubre, extenuante, sem direito algum
                Pressão e corrupção – Sabemos que quem pressiona com efetividade tem poder, e se com pressão os flagrantes não dão resgate, há corrupção em servidores. E se há servidores corruptos, a sua fonte é o corruptor. Este é quem manda nas empresas que empregam trabalho irregular, e costumam ter ligações com políticos nada alvissareiros.
                
                É aí que se encontra o maior desafio de um governo que porventura se proponha a combater flagelos como a miséria, o trabalho irregular e escravo e a exploração infantil. Embora a legislação preveja a responsabilidade social no mercado de trabalho, os flagras do MPT evidenciam muita irresponsabilidade mercadológica. 
                É esse desafio que o governo tem que enfrentar. É duro, mas necessário.

Para saber mais
https://www.brasildefato.com.br/2023/05/07/em-20-anos-980-criancas-e-adolescentes-foram-resgatadas-de-trabalhos-degradantes-no-brasil  [
https://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/quase-mil-criancas-e-adolescentes-em-trabalho-degradante-foram-resgatados-no-brasil-desde-2004/ 
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2023/05/07/criancas-escravizadas-resgatadas-trabalho-analogo-escravidao.htm
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Um lúcido momento de Damares

                     Em 20/4, antes de chamarem o ministro dos Direitos Humanos Silvio Almeida, a suprapartidária Comissão de DHs do Senado, presidida pelo veterano Paulo Paim (PT), abriu debate sobre a liberação de algumas das drogas ilícitas, bem como sobre o uso medicinal de canabidiol.
                    O debate sobre o tema recrudesceu desde o fim da era petista quando a mídia brasileira noticiou sobre a eficácia do canabidiol em pesquisas com uso experimental contra raras síndromes convulsivas refratárias a quaisquer anticonvulsivantes e hipnóticos já conhecidos. Uma revolução farmacológica.
                    Apesar do interesse da classe médica pela substância, o tema virou polêmica por esbarrar em questões legais e na onda pseudomoralista extremista religiosa que bombou com o MBL o bolsonarismo e o antipetistmo em conflito com os pró-Cannabis. Tudo por causa de uma confusão.
                    A confusão – O canabidiol é um dos compostos farmacológicos extraídos de vegetais do gênero Cannabis, uma delas a popular maconha (Cannabis sativa), na qual há maior concentração do fármaco. A polêmica sobre ele se traduz em dois caminhos interligados como se fossem um.
                    Em um, os contrários acreditam que ele seja alucinógeno e cause dependência. Daí vem o outro: o risco de compra indiscriminada da droga como substituto lícito do popular cigarro e do haxixe. Será difícil.
                    Os PLs 4776/2019, de Flávio Arns (PSB-PR) sobre uso medicinal via produção, fiscalização, controle, prescrição, dispensação e importação de fármacos; e 89/2023 de Paulo Paim (PT-RS) sobre a Política Nacional de Fornecimento Gratuito de Medicamentos [...]  à Base de Canabidiol, preveem restrições de aquisição.
                    Para dissolver a confusão sobre o fármaco foi chamado Pedro Sabaclauskis, da Associação Brasileira de Cannabis Medicinal (Santa Cannabis). Com um chamativo corte moicano, Pedro é mais do que um ativista: é especialista em farmacologia vegetal e estuda os efeitos do canabidiol.
                    O momento – Ao responder à questão da extremista Damares Alves distinguindo o canabidiol do psicoativo recreativo tetra-hidro-canabidinol (TCH, no cigarro e na bola de haxixe), Pedro disse já ter visto uma “alucinação com goiabeira com cannabis medicinal”. Foi o suficiente para o bicho pegar.
                    Damares reagiu com energia inédita, frisando insistentemente: “o senhor, por favor, retire isso, respeite a minha história”, explicando na mesma veemência, sem gaguejar, o motivo: quando criança, ela foi vítima de estupro cometido por um pastor, amigo de seu pai também pastor.
                    Fria análise – O episódio merece análise fria. Quando ministra de Bolsonaro, em comissões do Parlamento, Damares externou sua história na qual, em possível alteração da consciência (alucinação com Jesus) pelo trauma, ela subiu numa goiabeira no sitio onde morou, conforme conta em autobiografia.
                    Como traumas assim marcam a vida das pessoas, será a “visão” de Damares uma "compensação psíquica" de fuga, que a justifique culpar posteriormente meninas e mulheres grávidas de estupro e tentar impedir aborto legal, como tentou em dois casos, um em Pernambuco e outro no Espírito Santo?
                    Tecnicamente, a resposta é para psicólogos e psiquiatras.  Na humilde opinião da autoria deste artigo, sem essa formação, a resposta é: NÃO justifica. Mas vê valia à reação de Damares ao convidado, pois este a atingiu na ferida ainda dolorida de sua vida pessoal.
                    Ao tentar negar as afirmações falaciosas da extrema-direita sobre a substância, Pedro resvalou onde não deveria. Sua fala foi totalmente inoportuna e desnecessária, uma ofensa por mais que ele não tivesse intenção. Poderia tê-la evitado para não precisar se retratar com pedido de desculpas depois.
                    Já a reação de Damares soou quase uma súplica enérgica, quase um pedido de socorro, para que o seu fantasma traumático do passado não fosse atiçado. Foi uma reação espontânea, mas acima de tudo lúcida.  Uma autodefesa mais do que necessária naquele momento, felizmente reconhecido pelo convidado.
                    Nessa análise, e nas demais, não cabe a estupidez tipicamente extremista, à qual algumas mídias, ainda que não intencionalmente, se deixaram levar, ao elogiarem a fala de Pedro.  O tom estúpido nesse momento, que deixemos para os extremistas. E quanto aos leitores deste artigo, cada um que tire suas conclusões.

Para saber mais
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Lula 3 reanima a PF

                    A CPI da C19 pode ter sido o primeiro sopro a ventar um contra-ataque contra o contexto perverso imposto pelo obscuro governo anterior. Como o governante não foi interditado nem foi impichado apesar de tudo, foi considerada um fracasso, mas venceu o negacionismo pela vacina.
                    Na época, várias instituições ficaram moribundas por conta do aparelhamento da gestão, mas a CPI, os escândalos de corrupção e as ações do STF revelaram importantes sinais. Em fins de 2022, a virada eleitoral foi o vento a varrer o ar saturado para revitalizar as atribuições setoriais.
                    Em dezembro, o MPT resgatou mais de 1200 pessoas adultas e crianças do trabalho escravo. Antes proibido, o informe surgiu com o flagrante das vinícolas gaúchas em 2023. O fato daquela operação ter ocorrido sinalizou ainda haver vida sob o manto moribundo do aparelhamento.
                    Em 2023, dos escândalos de gastos no cartão corporativo (ainda em parte), três lotes de joias sauditas dadas para a União, mas assaltadas pela famiglia; o golpismo de 8/1; falsificação do cartão vacinal; a teia fatual ligando Bolsonaro ao caso Marielle e o patrimônio de Mauro Cid lá fora revela uma lista criminal inesgotável.
                    É nessa era Lula 3 – que já entra quente na história da República – que as instituições voltam a funcionar a todo vapor.
                    PF de novo – A lista de fatos acima (e os que ainda virão) se ligam às investigações da PF, nas suas novas operações, a Lesa-Pátria e a Vanire. Nela, a instituição mostra o que já se sabia sobre os podres da era passada, que ainda lutaremos para arquivar na gaveta dos pretéritos.
                    Através da nova operação, pelo menos conforme nós e o governo Lula desejamos, a PF age como se precisa: como instituição com suas ações de polícia investigativa, a pedido do judiciário (STF, MPF, PGR), porém, com a necessária autonomia de ação para o sucesso das missões a que se destina.
                    Dino – o ex-governador e agora senador Flávio Dino PSB-MA) foi escolhido a dedo por Lula para ser ministro da Justiça e Segurança Pública. Ex-juiz federal de larga experiência, ele conhece os caminhos que a PF tem que seguir de acordo com a lei.
                    A julgar pelas sessões das comissões parlamentares, Dino não está brincando de ministro. À violência recente nas ruas de Natal, ele acionou a Força Nacional de Segurança sem deixar de ouvir as reivindicações dos presos que denunciavam tortura sistemática da PM e agentes carcerários.
                    Ainda que tivesse havido alguma falha, Dino também deixou claro várias vezes ter avisado à Secretaria de Segurança-DF sobre o que viria em 8/1, sem que tivesse uma resposta: Torres viajou às pressas aos EUA quando os primeiros ônibus das caravanas bolsonaristas chegaram a Brasília.
                    Pelo que vemos nesses 160 dias iniciais de governo, muitos fatos ainda virão divulgados pela mídia. Dino com certeza terá muitas ações na sua nova missão de ministro. Tudo agora difere do período 2016-2022. Lula 3 vai para a História também por reanimar a PF.

Para saber mais
https://www.youtube.com/watch?v=A5C15sMv4wo (O Historiador – Elcio Franco no golpismo).
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