A extrema-direita no esporte
Nessa semana foi noticiado sobre ataque à repórter
espanhola María Morán, após rápida entrevista ao técnico do Real Madrid Carlo
Ancelotti sobre os protestos do atacante brasileiro Vinícius Jr. Os ataques
misóginos com ameaças de estupro e insultos à sua pequena filha repercutiram
pelo país, especialmente no Twitter.
No calor quase saariano do sul ibérico, María vestia
uma regata durante a entrevista. Foi chamada de “prostituta”, e sua filha de
“bastarda” por ser fruto de relacionamento com o goleiro holandês Jasper
Cillesen. Em seu perfil, a jornalista revelou aos seguidores que não é a
primeira vez que esse ataque não é o primeiro.
Ela também conhece a autoria: a ultrarradical torcida
organizada Atleti, do Atlético de Madrid, que prega o recato feminino e condena
futebol feminino e outros direitos atuais a mulheres. O mesmo grupo já a atacou
antes e, agora foi novamente denunciado à ostensiva Polícia Nacional.
Não é recente – embora recente, o caso
acima revela um problema bem mais antigo. Antes da 2ª guerra, as Olimpíadas de
Berlim já apresentavam viés: o chanceler Adolf Hitler acompanhava, com pompa e
circunstância, a abertura rigidamente coreografada e com bandeiras e adereços
rubro alvos com a suástica negra no centro.
Mesmo após o fim do nazismo e o trágico fim público
dos Mussolini no vilarejo de Giulino di Mezzegra, Norte da Itália, a
extrema-direita continuou vivificada graças à guerra fria imposta pelos EUA
contra o regime soviético. E nesse contexto houve manifestos homofóbicos,
racistas e misóginos em torneios esportivos
A continuidade dos ataques preconceituosos de toda
ordem nos torneios esportivos no pós-sovietismo ressaltou a intimidade entre os
mesmos e a extrema-direita. Nem os novos reconhecimentos de direitos humanos,
sociais e femininos pela ONU calaram os radicais, que ganharam mais vida após a
crise econômica de 2008.
Crises econômicas e extremismo – observa-se uma relação
entre instabilidade econômica (risco ou crise já instalada) e ascensão de
grupos de extrema-direita, desde a Grande Depressão de 1930. Especialistas
apontam a crença dos radicais que supõe medidas políticas públicas austeras
como a única forma de combate ao problema.
A historicidade da crença revela sua construção em
contexto sociopolítico que regimes autoritários eram naturalizados pelos
conservadores inconformados com a soma de “relaxamento” democrático, a
liberdade de costumes, a economia frágil e, até mesmo, supostos efeitos
negativos da laicidade de Estado.
Revés – De volta ao Ministério do Meio Ambiente e Mudanças
Climáticas, Marina Silva reprova essa crença, reforçando que o extremismo leva
ao caos socioeconômico e mais corrupção. Mesmo pessoalmente conservadora pela
fé evangélica, ela é politicamente progressista e defende a laicidade.
A posição da ministra importa muito para a reflexão e
a manutenção das lutas coletivas essenciais. Se combater o extremismo tem sido
impossível por sua ligação ao lobby mercadológico, ao menos podemos evitar que
ele retome ao poder – ainda mais após tantas nefastas experiências na nossa
história.
Para saber mais
- https://www.youtube.com/watch?v=fHiuHMZ8kVA (Marina
Silva: extremismo é ruim para a economia)
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Menores explorados, flagelo sem fim
Acompanhando praticamente todo o Ocidente e vários
países da Ásia e Oceania, o Brasil virou um signatário natural de nova
Declaração de Direitos da Infância e da Adolescência estabelecida pela ONU.
Nesse evento oficial documentado houve algumas assinaturas contendo ressalvas
diversas baseadas, talvez, em tradições e costumes.
Brasil: 33 anos após a assinatura da declaração, um
levantamento do MPT e de ONGs ligadas à proteção da infância e da adolescência
revelou que, em 20 anos, cerca de 980 menores foram resgatados da situação de
“trabalho degradante” – outro eufemismo, passível de indicar o trabalho
escravo.
Parece muito, uma vez que, em dados oficiais teóricos,
a grande maioria das pessoas nessas condições é de maiores de 18 anos. Mas,
considerando-se o tempo desde a assinatura de 1990 e uma realidade mais
pungente do que a teoria no interior, torna-se quase certa a probabilidade de
subestimação estatística, fenômeno já esperado.
Mas a subestimação não deprecia a competência dos
servidores envolvidos no resgate das vítimas. Pois como mencionado, devemos
apontar e analisar os fatos a partir da realidade mais crua
Desigualdade e ignorância no interior – De tamanho continental e
grande diversidade ambiental e cultural, o Brasil possui, em rincões do
interior, disparidades sociais próximas às observadas nos países mais pobres do
mundo, notáveis na observação in loco, ao ponto de nos causar certa dúvida
sobre as médias locais levantadas por institutos oficiais.
Se parte dos interioranos tem até acesso à internet,
nos rincões mais remotos há muitas famílias miseráveis, em geral numerosas, sem
escola e saúde, adultos e crianças absorvidos por empresas extrativistas,
carvoarias e fazendas que, longe da fiscalização do MPT e batida policial,
empregam trabalho irregular, insalubre, extenuante, sem direito algum
Pressão e corrupção – Sabemos que quem
pressiona com efetividade tem poder, e se com pressão os flagrantes não dão
resgate, há corrupção em servidores. E se há servidores corruptos, a sua fonte
é o corruptor. Este é quem manda nas empresas que empregam trabalho irregular,
e costumam ter ligações com políticos nada alvissareiros.
É aí que se encontra o maior desafio de um governo que
porventura se proponha a combater flagelos como a miséria, o trabalho irregular
e escravo e a exploração infantil. Embora a legislação preveja a
responsabilidade social no mercado de trabalho, os flagras do MPT evidenciam
muita irresponsabilidade mercadológica.
É esse desafio que o governo tem que
enfrentar. É duro, mas necessário.
Para saber mais
- https://www.brasildefato.com.br/2023/05/07/em-20-anos-980-criancas-e-adolescentes-foram-resgatadas-de-trabalhos-degradantes-no-brasil [
- https://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/quase-mil-criancas-e-adolescentes-em-trabalho-degradante-foram-resgatados-no-brasil-desde-2004/
- https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2023/05/07/criancas-escravizadas-resgatadas-trabalho-analogo-escravidao.htm
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Um lúcido momento de Damares
Em 20/4, antes de chamarem o ministro dos Direitos
Humanos Silvio Almeida, a suprapartidária Comissão de DHs do Senado, presidida
pelo veterano Paulo Paim (PT), abriu debate sobre a liberação de algumas das
drogas ilícitas, bem como sobre o uso medicinal de canabidiol.
O debate sobre o tema recrudesceu desde o fim da era
petista quando a mídia brasileira noticiou sobre a eficácia do canabidiol em pesquisas
com uso experimental contra raras síndromes convulsivas refratárias a quaisquer
anticonvulsivantes e hipnóticos já conhecidos. Uma revolução farmacológica.
Apesar do interesse da classe médica pela substância,
o tema virou polêmica por esbarrar em questões legais e na onda pseudomoralista
extremista religiosa que bombou com o MBL o bolsonarismo e o antipetistmo em
conflito com os pró-Cannabis. Tudo por causa de uma confusão.
A confusão – O canabidiol é um dos compostos farmacológicos
extraídos de vegetais do gênero Cannabis, uma delas a popular maconha (Cannabis
sativa), na qual há maior concentração do fármaco. A polêmica sobre ele se
traduz em dois caminhos interligados como se fossem um.
Em um, os contrários acreditam que ele seja alucinógeno
e cause dependência. Daí vem o outro: o risco de compra indiscriminada da droga
como substituto lícito do popular cigarro e do haxixe. Será difícil.
Os PLs 4776/2019, de Flávio Arns (PSB-PR) sobre uso
medicinal via produção, fiscalização, controle, prescrição, dispensação e
importação de fármacos; e 89/2023 de Paulo Paim (PT-RS) sobre a Política
Nacional de Fornecimento Gratuito de Medicamentos [...] à Base de
Canabidiol, preveem restrições de aquisição.
Para dissolver a confusão sobre o fármaco foi chamado
Pedro Sabaclauskis, da Associação Brasileira de Cannabis Medicinal (Santa
Cannabis). Com um chamativo corte moicano, Pedro é mais do que um ativista: é especialista
em farmacologia vegetal e estuda os efeitos do canabidiol.
O momento – Ao responder à questão da extremista Damares Alves
distinguindo o canabidiol do psicoativo recreativo tetra-hidro-canabidinol
(TCH, no cigarro e na bola de haxixe), Pedro disse já ter visto uma “alucinação
com goiabeira com cannabis medicinal”. Foi o suficiente para o bicho pegar.
Damares reagiu com energia inédita, frisando
insistentemente: “o senhor, por favor, retire isso, respeite a minha
história”, explicando na mesma veemência, sem gaguejar, o motivo: quando
criança, ela foi vítima de estupro cometido por um pastor, amigo de seu pai
também pastor.
Fria análise – O episódio merece
análise fria. Quando ministra de Bolsonaro, em comissões do Parlamento, Damares
externou sua história na qual, em possível alteração da consciência (alucinação
com Jesus) pelo trauma, ela subiu numa goiabeira no sitio onde morou, conforme conta
em autobiografia.
Como traumas assim marcam a vida das pessoas, será a “visão”
de Damares uma "compensação psíquica" de fuga, que a justifique culpar posteriormente
meninas e mulheres grávidas de estupro e tentar impedir aborto legal, como
tentou em dois casos, um em Pernambuco e outro no Espírito Santo?
Tecnicamente, a resposta é para psicólogos e
psiquiatras. Na humilde opinião da
autoria deste artigo, sem essa formação, a resposta é: NÃO justifica. Mas vê
valia à reação de Damares ao convidado, pois este a atingiu na ferida ainda dolorida
de sua vida pessoal.
Ao tentar negar as afirmações falaciosas da extrema-direita sobre a substância, Pedro resvalou onde não deveria. Sua fala foi totalmente inoportuna e desnecessária, uma ofensa por mais que ele não tivesse intenção. Poderia tê-la evitado para não precisar se retratar com pedido de desculpas depois.
Já a reação de Damares soou quase uma súplica enérgica, quase um pedido de socorro, para que o seu fantasma traumático do passado não fosse atiçado. Foi uma reação espontânea, mas acima de tudo lúcida. Uma autodefesa mais do que necessária naquele momento, felizmente reconhecido pelo convidado.
Nessa análise, e nas demais, não cabe a estupidez tipicamente extremista, à qual algumas mídias, ainda que não intencionalmente, se deixaram levar, ao elogiarem a fala de Pedro. O tom estúpido nesse momento, que deixemos para os extremistas. E quanto aos leitores deste artigo, cada um que tire suas conclusões.
Para saber mais
- https://books.google.com.br/books?id=7mVxEAAAQBAJ&pg=PT27&lpg=PT27&dq=psicologia+explica+o+caso+Damares+Alves&source=bl&ots=3sciWu5ZQ5&sig=ACfU3U215alw5ZDUTCc--OmBIq_9jt-q-g&hl=pt-BR&sa=X&ved=2ahUKEwjRudWQ2df-AhUxr5UCHSa5DJI4ChDoAXoECAIQAw (autobiografia de Damares Alves, e-book de
visualização).
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Lula 3 reanima a PF
A CPI da C19 pode ter sido o primeiro sopro a ventar
um contra-ataque contra o contexto perverso imposto pelo obscuro governo
anterior. Como o governante não foi interditado nem foi impichado apesar de tudo,
foi considerada um fracasso, mas venceu o negacionismo pela vacina.
Na época, várias instituições ficaram moribundas por
conta do aparelhamento da gestão, mas a CPI, os escândalos de corrupção e as
ações do STF revelaram importantes sinais. Em fins de 2022, a virada eleitoral
foi o vento a varrer o ar saturado para revitalizar as atribuições setoriais.
Em dezembro, o MPT resgatou mais de 1200 pessoas
adultas e crianças do trabalho escravo. Antes proibido, o informe surgiu com o
flagrante das vinícolas gaúchas em 2023. O fato daquela operação ter ocorrido sinalizou
ainda haver vida sob o manto moribundo do aparelhamento.
Em 2023, dos escândalos de gastos no cartão
corporativo (ainda em parte), três lotes de joias sauditas dadas para a União,
mas assaltadas pela famiglia; o golpismo de 8/1; falsificação do cartão
vacinal; a teia fatual ligando Bolsonaro ao caso Marielle e o patrimônio de
Mauro Cid lá fora revela uma lista criminal inesgotável.
É nessa era Lula 3 – que já entra quente na história
da República – que as instituições voltam a funcionar a todo vapor.
PF de novo – A lista de fatos acima (e os que ainda virão) se
ligam às investigações da PF, nas suas novas operações, a Lesa-Pátria e a Vanire. Nela, a
instituição mostra o que já se sabia sobre os podres da era passada, que ainda
lutaremos para arquivar na gaveta dos pretéritos.
Através da nova operação, pelo menos conforme nós e o
governo Lula desejamos, a PF age como se precisa: como instituição com suas
ações de polícia investigativa, a pedido do judiciário (STF, MPF, PGR), porém,
com a necessária autonomia de ação para o sucesso das missões a que se destina.
Dino – o ex-governador e agora senador Flávio Dino PSB-MA)
foi escolhido a dedo por Lula para ser ministro da Justiça e Segurança Pública.
Ex-juiz federal de larga experiência, ele conhece os caminhos que a PF tem que
seguir de acordo com a lei.
A julgar pelas sessões das comissões parlamentares,
Dino não está brincando de ministro. À violência recente nas ruas de Natal, ele
acionou a Força Nacional de Segurança sem deixar de ouvir as reivindicações dos
presos que denunciavam tortura sistemática da PM e agentes carcerários.
Ainda que tivesse havido alguma falha, Dino também
deixou claro várias vezes ter avisado à Secretaria de Segurança-DF sobre o que
viria em 8/1, sem que tivesse uma resposta: Torres viajou às pressas aos EUA quando
os primeiros ônibus das caravanas bolsonaristas chegaram a Brasília.
Pelo que vemos nesses 160 dias iniciais de governo,
muitos fatos ainda virão divulgados pela mídia. Dino com certeza terá muitas ações
na sua nova missão de ministro. Tudo agora difere do período 2016-2022. Lula 3
vai para a História também por reanimar a PF.
Para saber mais
- https://www.poder360.com.br/justica/pf-usa-expressao-em-latim-ao-nomear-operacao-contra-bolsonaro/
- https://www.youtube.com/watch?v=A5C15sMv4wo (O Historiador – Elcio Franco no golpismo).
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