O
TSE ainda seguia a votação histórica quando Lula e o chefe da Secom Paulo
Pimenta foram ao Rio Grande do Sul para o evento da entrega das casas populares.
Após a solenidade, ambos foram à sede de uma emissora de rádio gaúcha para uma
entrevista.
A
entrevista teve como tema principal a democracia no cenário político, em que
foi tratada, obviamente, o caso Bolsonaro no TSE e outros assuntos fatos
relacionados. Lula respondeu que “o conceito de democracia é relativo, na
Venezuela tem mais votações do que no Brasil”.
Ressaltando
o autoritarismo de Nicolás Maduro, o jornalista disse: “mas, presidente,
votos não garantem democracia”. De fato, na ditadura militar, prefeitos
eram eleitos pelo povo, e depois foi liberada a votação direta para governadores. De qualquer forma, a declaração do presidente foi suficiente para deflagrar um alarido midiático.
Críticas – a fala de Lula foi criticada na mossa big mídia. O
Estadão repetiu que Lula “apoia ditaduras” – está assim desde o discurso
receptivo de Lula a Maduro em Brasília que minimizou o regime dele a “uma
narrativa”. A Veja fez algo parecido. Já as demais foram mais discretas.
Reinaldo
Azevedo considerou a fala um “ato falho” infeliz. Sem citar nomes, ele criticou
as mídias que afirmam suposto apoio de Lula a ditadores como Maduro e Ortega
(Nicarágua), mas minimizaram as falas criminosas de Bolsonaro em apoio franco à
besta neoliberal Paulo Guedes.
Hábito – insinuações midiáticas nesse ponto costumam
comparar Lula a Bolsonaro. O tema Ortega se referiu à entrevista de Lula ao
espanhol El País em novembro de 2021. Na verdade, Lula condenou as
violações a direitos humanos por Ortega, mas como este foi eleito¹ pelo povo
(fato infeliz), prefere não interferir.
Conceito
difícil –
“poder do povo para o povo” é uma definição genérica e teórica baseada em
tradução do grego deimokratos. Mas na prática há nuanças que dão sentido
à relativização conceitual de Lula, que afirmou dever à democracia o seu
retorno à presidência da República.
Para
Reinaldo Azevedo, jornalista do canal O É da Coisa no Youtube, “há várias formas de democracia, mas não pode ser relativa”.
,0Mas, seja como for, vale salientar que o julgamento de um governo ser ou não
democrático se baseia em sentidos subjetivo e objetivo.
Em
seus dizeres sobre eleições na Venezuela e seu retorno ao poder, Lula deu
impressão de que só vê democracia no voto popular. Mas não é verdade: ele sabe
que há “outros fatores”.
Capital – a mídia hegemônica costuma afirmar que no Ocidente
dominam democracias liberais, tendo os EUA (“a maior democracia do
mundo”) como cerne. Ora, nesse regime específico é fácil perceber que o fator
determinante é o capital. São economias capitalistas.
Mas
o capital não é exclusivo de democracias liberais. Nos países do Leste
europeus, com governos de extrema-direita que criminalizam o comunismo, o
mercado é tão pleno quanto livre. Para o capital não importa o regime de
governo, e sim dominar todo o cenário sociopolítico.
Venezuela – citar a Venezuela merece atenção. Não tanto pelo
estilo autoritário de Maduro, que já conhecemos, mas por outro fator tão
autoritário quanto: a vocação imperial dos EUA.
Sanção
econômica – os EUA se impõem pela
guerra. Também o faz por sanção econômica aos países com governos opostos
(“inimigos”) ideológicos. A grande mídia a vende como se fosse “mal necessário”
para que governos “resolvam a crise” ... socioeconômica.
Trata-se de um manipulador da grande mídia aos ingênuos, que veem a sanção como intimação moral aos governos
“vilões”. Só que a sanção não é moral e sim fruto do interesse ideológico do
capital. Os EUA não reconhecem o governo Maduro, e sim qualquer nome que se
destaque como oposição.
Multiforme,
relativa –
com essas explanações é possível finalizar o que, afinal, podemos dizer sobre a
democracia. Retirando-se Maduro, Ortega e correlatos, podemos apontar
democracia como multiforme e relativa, representativa e participativa.
Multiforme
porque nem todas as democracias são liberais como os EUA e Europa
centro-ocidental: algumas têm Estado forte regulando a ação do mercado, sem
mitigar direitos humanos individuais e coletivos. E há ainda as democracias
representativa e participativa, com nuanças.
A
maior parte das democracias é representativa, via voto popular (pleito
político, plebiscito, referendo), direto (como o nosso) ou indireto (como nos
EUA, que tem delegados). A participativa é mais rara e tem participação
popular mais direta no governo, e também tem voto.
Internamente
socialista e externamente capitalista, o modelo escandinavo desmente a tese de
que o socialismo seja necessariamente autoritário. Até pelo contrário, em seu particular prova uma democracia participativa.
Assim como nem toda nação
capitalista é democrática. Portanto, eis a prova de que a democracia tende a
ser, sim, relativa. E talvez por isso seja impossível defini-la especificamente.
Nota da autoria
¹ há
uma acusação de fraude eleitoral em curso. Mas Ortega foi eleito como resposta
do povo da Nicarágua ao adversário pró-EUA (link abaixo).
Para saber mais
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