sexta-feira, 7 de julho de 2023

ANÁLISE: a polêmica democrática de Lula

 

                O TSE ainda seguia a votação histórica quando Lula e o chefe da Secom Paulo Pimenta foram ao Rio Grande do Sul para o evento da entrega das casas populares. Após a solenidade, ambos foram à sede de uma emissora de rádio gaúcha para uma entrevista.
                A entrevista teve como tema principal a democracia no cenário político, em que foi tratada, obviamente, o caso Bolsonaro no TSE e outros assuntos fatos relacionados. Lula respondeu que “o conceito de democracia é relativo, na Venezuela tem mais votações do que no Brasil”.
                Ressaltando o autoritarismo de Nicolás Maduro, o jornalista disse: “mas, presidente, votos não garantem democracia”. De fato, na ditadura militar, prefeitos eram eleitos pelo povo, e depois foi liberada a votação direta para governadores. De qualquer forma, a declaração do presidente foi suficiente para deflagrar um alarido midiático.

                Críticas – a fala de Lula foi criticada na mossa big mídia. O Estadão repetiu que Lula “apoia ditaduras” – está assim desde o discurso receptivo de Lula a Maduro em Brasília que minimizou o regime dele a “uma narrativa”. A Veja fez algo parecido. Já as demais foram mais discretas.
                Reinaldo Azevedo considerou a fala um “ato falho” infeliz. Sem citar nomes, ele criticou as mídias que afirmam suposto apoio de Lula a ditadores como Maduro e Ortega (Nicarágua), mas minimizaram as falas criminosas de Bolsonaro em apoio franco à besta neoliberal Paulo Guedes.
                Hábito – insinuações midiáticas nesse ponto costumam comparar Lula a Bolsonaro. O tema Ortega se referiu à entrevista de Lula ao espanhol El País em novembro de 2021. Na verdade, Lula condenou as violações a direitos humanos por Ortega, mas como este foi eleito¹ pelo povo (fato infeliz), prefere não interferir.

                Conceito difícil – “poder do povo para o povo” é uma definição genérica e teórica baseada em tradução do grego deimokratos. Mas na prática há nuanças que dão sentido à relativização conceitual de Lula, que afirmou dever à democracia o seu retorno à presidência da República.
                Para Reinaldo Azevedo, jornalista do canal O É da Coisa no Youtube, “há várias formas de democracia, mas não pode ser relativa”. ,0Mas, seja como for, vale salientar que o julgamento de um governo ser ou não democrático se baseia em sentidos subjetivo e objetivo.
                Em seus dizeres sobre eleições na Venezuela e seu retorno ao poder, Lula deu impressão de que só vê democracia no voto popular. Mas não é verdade: ele sabe que há “outros fatores”.

                Capital – a mídia hegemônica costuma afirmar que no Ocidente dominam democracias liberais, tendo os EUA (“a maior democracia do mundo”) como cerne. Ora, nesse regime específico é fácil perceber que o fator determinante é o capital. São economias capitalistas.
                Mas o capital não é exclusivo de democracias liberais. Nos países do Leste europeus, com governos de extrema-direita que criminalizam o comunismo, o mercado é tão pleno quanto livre. Para o capital não importa o regime de governo, e sim dominar todo o cenário sociopolítico.

                Venezuela – citar a Venezuela merece atenção. Não tanto pelo estilo autoritário de Maduro, que já conhecemos, mas por outro fator tão autoritário quanto: a vocação imperial dos EUA.
                Sanção econômica – os EUA se impõem pela guerra. Também o faz por sanção econômica aos países com governos opostos (“inimigos”) ideológicos. A grande mídia a vende como se fosse “mal necessário” para que governos “resolvam a crise” ... socioeconômica.
                Trata-se de um manipulador da grande mídia aos ingênuos, que veem a sanção como intimação moral aos governos “vilões”. Só que a sanção não é moral e sim fruto do interesse ideológico do capital. Os EUA não reconhecem o governo Maduro, e sim qualquer nome que se destaque como oposição.
                
                Multiforme, relativa – com essas explanações é possível finalizar o que, afinal, podemos dizer sobre a democracia. Retirando-se Maduro, Ortega e correlatos, podemos apontar democracia como multiforme e relativa, representativa e participativa.
                Multiforme porque nem todas as democracias são liberais como os EUA e Europa centro-ocidental: algumas têm Estado forte regulando a ação do mercado, sem mitigar direitos humanos individuais e coletivos. E há ainda as democracias representativa e participativa, com nuanças.
                A maior parte das democracias é representativa, via voto popular (pleito político, plebiscito, referendo), direto (como o nosso) ou indireto (como nos EUA, que tem delegados). A participativa é mais rara e tem participação popular mais direta no governo, e também tem voto.
                Internamente socialista e externamente capitalista, o modelo escandinavo desmente a tese de que o socialismo seja necessariamente autoritário. Até pelo contrário, em seu particular prova uma democracia participativa. 
                Assim como nem toda nação capitalista é democrática. Portanto, eis a prova de que a democracia tende a ser, sim, relativa. E talvez por isso seja impossível defini-la especificamente.

Nota da autoria
¹ há uma acusação de fraude eleitoral em curso. Mas Ortega foi eleito como resposta do povo da Nicarágua ao adversário pró-EUA (link abaixo).

Para saber mais
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