Líder
no passado, o Brasil é um dos maiores cobradores de impostos no mundo. Os
tributos são um mal necessário ao funcionamento dos serviços públicos. São mais
de 100 pesando sobre as classes populares, que desconhecem a maioria deles: uma
injustiça que virou debate antigo.
Há
58 anos, Castello Branco escreveu o primeiro texto sem ir adiante. Governos
posteriores enrolaram em conversa, sem benefício concreto à patuleia que sempre
criticou a injustiça em favor dos mais ricos e a falta do “padrão FIFA” na
ponta dos serviços públicos.
Criticados,
os políticos federais se digladiam para lançar uma reforma de caráter progressivo que taxe
os mais ricos por responsabilidade. Enfim, após longa espera de 58 anos foi votada a PEC45/2019
em 6/7/23.
O texto – a
PEC votada é a enésima versão do texto do ex-ministro Paulo Guedes, refeito
pelo relator Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), fruto de negociações com grupos
partidários. As demais atividades parlamentares foram suspensas para a votação, cujo
final teve aprove de 382 votos contra 112.
No
governo anterior, o interesse pela PEC32/2019 (reforma da privatização dos
serviços públicos) engavetou a PEC45/2019. O então governo findou sem votação
de ambas, frustrando o ex-ministro.
Diferentão – o texto de Ribeiro é bem diferente do original (e
anteriores). Foi aprovado após a vitória do arcabouço fiscal de Haddad-Tebet
ocorrida em junho. Ele simplifica os impostos por fusão em dois blocos:
o regional IBS e o federal CBS, sucintamente explicados a seguir.
O
IBS (imposto sobre bens e serviços) reúne o ISS e ICMS, e a CBS (contribuição
de bens e serviços) funde o IPI industrial, o PIS de integração social e a
Cofins do financiamento de seguridade social. Seus dados serão informados ao
público em notas fiscais para melhor transparência.
Há
progressividade, como cobrança de IPVA de itens de luxo (helicópteros,
jatinhos, iates, jet-skis, etc.), isenção para cesta básica, certas medicações
e saúde menstrual, e cashback para os mais vulneráveis. O texto agora
foi encaminhado ao Senado, para análise, novos ajustes e votação.
Possíveis
reveses – sem dúvidas, o texto de
Ribeiro é melhor do que o sistema vigente. Ao olhar atento, porém, ele tem um
problema comum à legislação brasileira: exceções à regra. E são várias.
Elas
se concentram principalmente em duas questões: a de veículos de trabalho (como
os de obras urbanas públicas e na agricultura) e de entidades religiosas. Foram
exceções de última hora a pedido das bancadas como a da bíblia e a do agro. E
há outros pontos.
Religião – a isenção tributária maior a entidades religiosas
gera debate. De natureza legal filantrópica, elas não pagam vários impostos. E,
a julgar pelos fatos dos últimos anos, vale reflexão.
Vale
ressaltar que entidades filantrópicas não religiosas, que assistem aos mais
vulneráveis com alimentação, saúde, roupas e abrigo temporário, em geral vivem
de doação e pagam encargos para se manter – inclusive aluguel e contas de água
e luz, que muitas igrejas gospels se recusam a pagar.
Diferentemente
do que se pensa, os pastores mais influentes social e financeiramente usam
artifícios linguísticos para induzir fiéis a pagar dízimo sem se sentirem
forçados: “Deus abençoe os dizimistas”. E os não dizimistas por qualquer
motivo, não merecem a tal bênção?
Mas
isso aí é nada, perto do que eles fazem com a grana: com o mesmo método linguístico,
eles acompanham e rezam políticos para arrecadar uns R$ milhares, que são
depositados em conta bancária no nome de suas igrejas e não dos seus. De
social, muitos deles não fazem nada. Nada.
Essa
reflexão é paralela à vantagem de equidade a todas as entidades religiosas na
PEC, de modo que, assim como igrejas não pagam vários tributos, entidades de
quaisquer fés não cristãs também passam a ter isenção, o que garante a elas algum
ganho de espaço e respaldo.
Reparo
em injustiças – a
PEC obrigará a pagar IPVA de seus luxos. Mas o problema é que eles sonegam além
disso. Eles pagam bem menos ao Leão do que nós, que suamos para pagar. Há casos em que advogados são
No
sistema vigente, quem tem automotivo deve pagar IPVA. Mas os ricaços sonegam
graças à impunidade garantida pelo elitismo que rega acordos a dinheiro e
tapinhas nas costas. E a PEC em trâmite deve soar igualmente inócua devido a
várias exceções inclusas nos artigos.
Uma
delas é da bancada ruralista, que solicitou isenção para veículos de trabalho
no campo, incluindo aviões pulverizadores de agroquímicos¹. Uma injustiça
contra trabalhadores de aplicativo que são cobrados sobre os veículos que usam
para trabalho. Vão ser reparados?
Lula – o governo Lula queria muito a aprovação da PEC
reeditada para ser progressiva. Mas o presidente reagiu negativamente à vitória
parcial da PEC. Segundo ele, “esta reforma tributária não é a que eu e
Haddad desejamos”. Ele explicou que o texto “poderia ser socialmente
mais justo”.
Ele ainda completou que essa reforma "é a primeira que foi aprovada na democracia", em referência ao período pós-ditadura militar.
Mas,
como nem tudo é como queremos, Lula disse que pelo menos ela “foi aprovada
em regime democrático” por ter sido elaborada no governo anterior, e em
parte esse aprove foi favorecido pela articulação entre governo e Lira, mesmo que este tenha dito que a "Câmara não fez nenhum favor".
Será? – o ex-ministro da Fazenda da era PT Guido Mantega disse
que a reforma tributária “abrirá caminho para a redução de impostos”. Será
que a proposta arredondará a soma a pagar para menos? Não sabemos ainda, pois o
Senado já admitiu que fará novos ajustes no texto.
O ex-ministro
Paulo Guedes teve mérito na PEC inicial. E a julgar pela experiência por que
passamos, ele não perdoa as classes populares: é certo que algumas pegadinhas
tenham ficado, das quais saberemos na forma definitiva. Portanto, se a PEC for
promulgada, Lula terá uma vitória amarga.
Nota da autoria
¹ o
STF tornou ilegal a pulverização aérea devido ao risco de alcance de terras
além do limite das lavouras. Mas a prática ainda persiste e é usada como forma de expulsar posseiros.
Para saber mais
- https://www.bbc.com/portuguese/66139880 (Câmara aprova reforma tributária)
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