domingo, 30 de julho de 2023

CURTAS 39 - ANÁLISES (Aras, PIX para crimes, política num país classista)

 

É válido Lula manter Aras?

Sal Ross
             No clima do pós-Bolsonaro, uma movimentação interessante se observa nos bastidores da Justiça. No STF Zanin já ocupa a cadeira que foi de Lewandowski. E, com aposentadoria anunciada de Rosa Weber neste ano e de Luiz Roberto Barroso em 2025, Lula poderá lançar mais dois nomes.
                No TSE, Alexandre de Moraes não demorará muito a sair da presidência, a qual ocupou com benemérita galhardia, e Lula também já tem carta na manga com aposentadoria de alguns magistrados. Mas há movimentação também na Procuradoria Geral da República.
                Aras – com o cargo de procurador geral da República já na reta final de seu segundo mandato, Augusto Aras se ofereceu a Lula 3 para nova recondução à chefia da PGR. Afinal, ele já percebeu elogios estranhos de alguns governistas, entre eles o veterano petista Jaques Wagner. Mas Lula não se manifestou ainda.
                O silêncio de Lula faz sentido. Na real ele não vê Aras com bons olhos. Aras teve conduta lotada de descarada suspeição que abriu portas para o seu ex-chefe acumular mais de 600 crimes apenas em 4 anos. E é possível que a maioria dos servidores do MPF queira vê-lo saindo pela porta dos fundos.
                Outros nomes na mira – mas outro fator motiva o silêncio de Lula: ter alguns nomes na ideia e na manga. Desse panteão há pelo menos duas mulheres. O problema maior é aonde pôr. No STF deseja pôr uma delas, para quebrar a excessiva carga masculina sem deixar de lado a garantia legalista.
                Quanto ao outro nome feminino, Lula não se decidiu sobre o destino: se no STJ, se no TSE ou mesmo na PGR – dúvida que permeia outros nomes na manga. Para Lula, o que interessa é o magistrado agir como Xandão, com postura fortemente ativa e legalista. E, por que não, confiável como Zanin.
                Silêncio incômodo – o silêncio de Lula quanto à escolha do magistrado para a Procuradoria e os tribunais superiores supracitados causa muita expectativa nos bastidores da política e do Judiciário, dado o término de mandatos de alguns e a aposentadoria próxima de outros. Mas o presidente está atento.
                Mas também causa certo incômodo, principalmente na PGR: é possível que Lula repense não só o que já sabe sobre Aras nos fatos consumados no passado, como também na questão do chamado vício prorrogativo, que é a recondução muitas vezes repetida de mesma pessoa para atender a certos interesses.
                Enquanto isso, Augusto Aras aguarda a decisão do presidente. O máximo que podemos saber é de uma chance remota, ainda que não impossível, de recondução. Ele pode ter notório saber jurídico, mas violou a legalidade e manchou a sua própria reputação e sua credencial com o Estado democrático.
                Rechaçar Augusto Aras não é apenas fortalecer o Estado democrático de direito. É reparar pelas 700 mil vidas hoje enterradas só pela C19 sem direito à digna despedida de suas famílias, e outras tantas vidas ceifadas por outros descasos que não deveriam existir ou poderiam ser mitigados ou evitados.
                Chega, já deu!
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O outro golpe do PIX

             
Invenção chinesa importada na era Temer, o PIX logo virou uma febre no Brasil, pela rapidez nas transações financeiras, em especial transferências eletrônicas (TEDs) e “não ser taxado”, segundo se acredita.
                Mas, por ser mecanismo eletrônico e desburocratizado, o PIX virou alvo dos trapaceiros de plantão. Não por acaso, muitos já foram vítimas de golpes com links falsos criados para roubar dados bancários.
                O golpe tático pegou os bastidores da política. Com a cassação de um, inelegibilidade de outro e muitos processos judiciais de outros, surgiu o golpe da “chuva de PIX”, expressão tornada viral na internet. Vamos a alguns exemplos.
                Dallagnol – se fracassou ao estrear na carreira política, Dallagnol deu sucesso ao golpe do PIX, graças à sucessão de vídeos lamuriosos que revelaram um talento para o drama canastrão.
                Após desabafo público e flopada passeata em Curitiba, Dallagnol dramatizou em vídeo pedindo doações em PIX “para pagar custas processuais”. Dias depois, estava feliz: “muito obrigado, foi uma chuva de PIX de agentes de Deus”. Detalhe: o vídeo do criador da chuva de PIX foi gravado em Nova Iorque.
                Durante uma entrevista, o ministro do STF Gilmar Mendes disse que Dallagnol “pode fundar uma igreja com chuva de PIX”. Em reação, o ex-jurista, nos EUA, prometeu em vídeo processar o magistrado por intolerância religiosa. É possível que ainda peça chuva de PIX, na secura do verão tórrido estadunidense.
                Carla Zambelli – a deputada federal está cassável por ter perseguido um cidadão portando uma arma em São Paulo na véspera em 29/10, e por suspeita de fomentar a barbárie de 8/1. Sua cassação ainda está sendo julgada, mas já saíram custas de processos judiciais.
                Bolsonarista crônica – ainda apoia aquele que a abandonou –, Carla foi cliente de Karina Kufa, advogada de Bolsonaro. Karina saiu fora “devido aos problemas financeiros da cliente”. Não sabemos quem a defende agora, mas vale lembrar de um detalhe.
                Antes de Kufa sair, Zambelli havia feito vídeo pedindo vaquinha PIX de seus apoiadores para “pagar custas processuais e honorários”. Ela torrou os mais de R$ 100 mil ganhos em viagem à Coreia do Sul. Virou piada.
                Jair Bolsonaro – o inelegível é a bola da vez. Na esteira de Dallagnol e Zambelli, ele pediu PIX aos apoiadores, com ajuda vultuosa de parlamentares e alguns empresários, para “pagar multas acumuladas” em SP por não usar máscaras em vários eventos públicos, no auge da C19. Ganhou R$ 17 milhões, um recorde.
                O recorde teve ajuda de parlamentares, empresários e um jurista do TSE, com altos valores. A conta CDB de Bolsonaro nos EUA inflou em R$ 17 milhões. O BB fechou a conta por dívida de quase R$ 1 milhão só de impostos devidos, segundo o Conselho de Aplicações Financeiras (Coaf).
                A ex-primeira-dama Michele também pediu PIX em evento do PL Mulher, no qual o seu marido entrou para “agradecer” pelos R$ 17 milhões, antes da notícia do fechamento da conta do BB.
                Os próximos – no parlamento há uma lista de cassáveis devido ao incentivo à barbárie de 8/1. Se ocorrer ainda que seja uma ou outra, a patuleia que leve os guarda-chuvas, pois nova chuva de PIX está prevista. É o outro golpe do PIX, no qual só se molha quem não quiser levar o guarda-chuva.

Para saber mais
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Política antielite num país elitista

    
            
Até ser assassinada por milicianos em março de 2018, a vereadora do PSOL Marielle Franco tinha de seu colega diametralmente oposto Carlos Bolsonaro uma visível relação de inimizade implantada por ele. Para evitar problemas, ela não usava o elevador dos políticos, e sim o de serviço.
                O costume de Marielle impressionava colegas de vereança e trabalhadores humildes da Câmara. Ela não se importava, afinal era não-branca e criada em favela, como tantos ali. Após a sua morte, não há notícia de outro vereador copiar seu exemplo, mas a distinção nos elevadores permanece firme em prédios corporativos e residenciais.
                Debate e estudo – brasileiros que viajam na Europa descobrem que nos prédios não há essa distinção “elevador social” ou “de serviço”, e que todos usam o mesmo espaço. É interessante, pois o nosso elitismo é herança colonial. E há algum tempo, essa cultura tem caído como tema de debate e estudo.
                Em sua dissertação de mestrado, o psicólogo Fernando Braga da Costa se passou por gari do prédio do departamento de estudo. Com os garis de verdade viveu seu cotidiano, e observou e descreveu comportamentos e conversas de seus colegas de estudo, funcionários de estratos medianos e professores.
                O experimento teve um resultado interessante sobre a cultura elitista brasileira e a dissertação chegou a ser publicada e comentada na internet há alguns anos atrás. E agora tem interessante reforço.
                Esfarrapados – o jornalista Cesar Calejon saiu das sombras da Jovem Pan para assumir carreira online entre canais independentes do Youtube. Também escritor, é autor do livro Esfarrapados: como o elitismo histórico-social moldou as desigualdades no Brasil.
                Publicado no presente ano, o livro aprofunda estudos sobre a historicidade e a fisiologia da cultura elitista que invisibiliza as classes trabalhadoras periféricas e os mais vulneráveis, e determina as relações desiguais na atuação dos poderes público e privado por segmento social.
                Política inovadora – eleito em 2020 e seguindo diretrizes inéditas do governo federal que apoiou, o prefeito carioca Eduardo Paes meteu em 7/2023 decreto proibindo as distinções “social” e “de serviço” em elevadores e acessos setoriais. Por enquanto vale para instituições públicas, mas pode ir além.
                Baseando-se em pressupostos da lei do racismo e da criminalização da homotransfobia, a medida de Paes instaura uma política anticlassista que, pelo menos basicamente, pauta pela equidade de trânsito ou ocupação do mesmo espaço coletivo por pessoas de diferentes segmentos socioeconômicos.
                Como disse o prefeito, “a medida estabelece princípios constitucionais de equidade”, pois “não há lei que estabeleça uma divisão espacial por classe social”. Mas, se a medida e o propósito são inovadores para atacar o preconceito que mais molda as desigualdades práticas, as pessoas ainda não o são.
                Problema – se a medida do prefeito carioca é muito inovadora e de propósito bem-intencionado, o mesmo não podemos dizer das pessoas. E não podemos julgar que seja maldade, e sim uma adaptação construída em processo histórico-cultural que naturaliza a invisibilidade dos mais pobres.
                Segundo o psicólogo social Fernando Braga da Costa, o elitismo (classismo) é mais do que o preconceito mais sólido e que construiu os demais já alvejados em medidas legais. É também um grave problema educacional, que precisa mais do que de leis para ser enfrentado. Ele precisa ser erradicado a partir da educação.
                Portanto, para o psicólogo, a lei antielite de Paes se torna uma medida inócua na prática, ante uma  visão já solidificada, fluidificável apenas a partir de medida educativa. Mas ele elogiaria a inciativa do prefeito, mesmo vindo tão tardiamente na nossa história. Afinal, para combater o pior dos males, antes tarde do que nunca.

Para saber mais
https://www.ip.usp.br/site/noticia/o-homem-torna-se-tudo-ou-nada-conforme-a-educacao-que-recebe-orquidario-cuiaba/ (Diário de São Paulo, 2008: entrevista com o psicólogo Fernando Braga da Costa sobre elitismo na dissertação Garis: um estudo de psicologia sobre invisibilidade pública).
COSTA, Fernando Braga da. Garis: um estudo de psicologia sobre invisibilidade pública. 2002. Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002.
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