Oscilações
governamentais
Nos primeiros 4 meses, o
governo federal tem feito um bom contra-ataque à destruição sistemática fixada
pelo governo anterior, usando até o momento todos os meios possíveis de
alcance. Revogou vários decretos da era 2019-22, mitigou o desmatamento das
áreas florestais e, no possível lançou ofensiva contra a crise indígena.
Mas algumas coisas
aparentemente escaparam à atenção governamental, permitindo o contínuo descaso
de alguns. Como a má vontade das FFAA em atender às aldeias indígenas
dificultando o combate à crise, e o rolo na Câmara em votar importantes
programas de governo. Seguem alguns casos enrolados.
PL 2630/23 – a regulação da mídia, especialmente online, é uma proposta petista antiga tendo o objetivo de democratizar a informação jornalística por todas as mídias cadastradas. Como o lobby dos grandes grupos é poderoso, surgiu a alternativa PL 2630/2023, popularmente conhecida como PL das fake news.
Embora não concordemos em alguns aspectos, a PL visa
regular as empresas quanto à responsabilidade conjunta delas com usuários
nas redes sociais. O governo recuou aos ataques da oposição e das big techs
que acusam uma falsa intenção de censura. Agora não sabemos quando a PL sairá da gaveta.
Reforma tributária – recuou aos apelos de ruralistas e bíblicos. A
primeira obteve isenção nos “veículos de trabalho¹”, e a segunda para entidades
de suas igrejas, como emissoras de TV aberta, universidades e escolas
confessionais, que salgam nas mensalidades. São isenções bem problemáticas.
A vitória dos ruralistas
pode levar a protestos de trabalhadores de aplicativos, que pagam tributos de
seus veículos de trabalho para manterem seu precário ganha-pão. E, por baixo
foram incluídos na isenção itens como agrotóxicos e borrifadores portáteis. E
algumas igrejas se restringem à arrecadação em cultos, sem filantropia real.
Para evitar sobretaxação na
patuleia, Haddad elaborou PEC que propõe tributação dos super-ricos. É um
desafio enorme, pois há vários parlamentares financiados por grandes
corporações produtivas e financeiras.
Manipulações da mídia
hegemônica – a grande mídia tem usado
mal a sua liberdade legal, prestando desinformação em temas relevantes. Como,
por exemplo, acusar o presidente Jean-Paul Prates de dar prejuízo à BR com sua
política de preços no mercado interno, e pregar a urgência à reforma
administrativa (PEC 32/2019).
Lançada por Temer, a
dolarização encareceu os preços dos combustíveis ao consumidor gerando lucros
exorbitantes com auge entre 2020-22. O único objetivo disso foi dar lucro aos
acionistas estrangeiros tornando a BR a maior pagadora de dividendos do mundo
com grana pública. O governo Lula só corrigiu o desperdício.
Sobre a PEC 32/2019, houve
divulgação em redes sociais de que uma portaria do governo teria findado mais
de 4000 cargos de agente administrativo na esfera federal. A falta de fonte
direta na pesquisa Google impede a sua comprovação, o que pode significar
possível mudança para reestruturação em novos concursos.
Área ambiental – o governo diminuiu em 60% o ritmo do desmatamento
na Amazônia. Seu sucesso se reforça com medidas assinadas por oito países
amazônicos visando bom manejo ecológico e mitigação da emissão de carbono na
atmosfera. Mas outros biomas seguem em sério risco: a caatinga e o cerrado.
No MT, o ritmo do agro no
cerrado e na sua Amazônia ainda é bolsonarista. Na caatinga (norte de MG e
sertão nordestino), somente 8% do total são APPs², enquanto o restante in
natura está ameaçado de virar deserto pela investida do agro, da proliferação
das poluentes usinas eólicas e até da extração de recursos do subsolo.
Ozonioterapia – Lula sancionou uma lei que regulamenta a
ozonioterapia, um procedimento já usado com finalidades restritas à odontologia
e dermatologia. Apesar da polêmica em torno dessa lei, o problema está no risco
de algumas clínicas privadas fazerem uso errôneo e antiético do ozônio para
aumentar seus lucros.
É sempre válido relembrar
da ozonioterapia retal, um “teste experimental” nazista tornado obrigatório³
com o kit-C19 em clínicas e hospitais de duas operadoras de planos de saúde
que participaram do setor paralelo do Min. Saúde, então liderado por Pazuello e
outros samangos. O risco de esse método voltar pode ser grande.
Apontamentos finais – embora as ações do governo sejam passíveis de
crítica, vale ressaltar que quem governa não é o PT, e sim uma coalizão pluripartidária de frente ampla que une nomes da esquerda, da direita liberal e até do famigerado
Centrão, que impõem certos limites aos programas econômicos do governo.
Vale salientar, com isso,
que o Congresso dominado pelo Centrão (herança de Sarney) diluiu em parte os
poderes da presidência da República, apesar de o regime de governo ser
presidencial. Isso já desencadeia maior demora nos efeitos de alguns programas
de governo já aprovados. Ainda assim há vitórias.
Entre as vitórias da ala
petista se configuram o fim da dolarização dos preços dos combustíveis, mitigação do desmatamento, política de empregos, acordo trabalhista com empresas de apps, retorno
do bolsa-família e a volta dos concursos públicos, em meio ao turbilhão da direita
pouco empática aos bônus sociais.
E, ao contrário do que diz
a mídia, Lula não está satisfeito com essas vitórias. Quer mais, mesmo remando
contra a maré comandada pelos políticos da oposição e do Centrão, e do lobby mercadológico e da grande mídia.
Notas da autoria
¹ tratores diversos para
lavoura e pastagens, aviões para aspergir agroquímicos (proibidos, mas ainda
usados).
² áreas ambientais de
preservação permanente ou perene, criadas por lei. (o termo é genérico a todo
tipo).
³ já abordado no blog, sobre os experimentos em hospitais de empresas de planos de saúde como Prevent Senior e HapVida (CPI da C19)
Para saber mais
----
Prisão
de Silvinei e bolsonarismo
Diferentemente da CPI do
MST, que se notabiliza no desejo de criminalizar movimentos sociais rurais por
intento ideológico, a CPMI do 8/1 está a todo vapor com objetivos mais
concretos, desmascarando aos poucos a verdadeira cara do bolsonarismo nas
mentiras ou no silêncio dos depoentes.
Enquanto o interrogatório
fervia sobre o ex-MJ e ex-secretário de segurança do DF Anderson Torres na
CPMI, que mentia educadamente, a PF agiu como instituição do Estado ao prender
Silvinei Vasques, ex-chefe da PRF. A pedido do MJ Flávio Dino, a prisão
decorreu de provas materiais de sabotagem nas eleições/2022.
Deboche preso – servidor da PRF, Silvinei Vasques foi alçado a diretor-geral
por Bolsonaro, tornando-se de confiança deste e do ex-ministro da justiça
Anderson Torres. Ele foi encarregado de coordenar as operações de blitzes nas
estradas de acesso para as cidades em que Lula teve mais de 75% dos votos no
primeiro turno.
O detalhe é que tais provas
foram achadas pela PF em duas fontes: documentos protocolares administrativos,
e da troca de mensagens de celular entre o militar Mauro Cid (ex-ajudante de
ordens de Bolsonaro) e o ex-MJ Anderson Torres – que negou tal comunicação na
CPMI do 8/1.
Na citada CPMI, Silvinei
abusou do deboche entremeando seu depoimento com mentiras. Após a descoberta da
PF, ele teve que levar seu deboche para atrás das grades – mesmo que a prisão
seja provisória e com tornozeleira eletrônica após a determinação de prisão
domiciliar, se esta acontecer.
Do total de presos ligados a
Bolsonaro, Silvinei já é o nono preso. Já estão presos Roberto Jefferson, Mauro
Cid, Anderson Torres, Sérgio Cordeiro, Ailton Gonçalves, Max Guilherme, Élcio Queiroz
– todos envolvidos com o ex-presidente por diferentes motivações.
As prisões e o futuro do
bolsonarismo – a semana de intenso
movimento que terminou em várias prisões motiva positivamente uma parcela da
patuleia ávida por uma justiça efetiva contra uma organização criminosa que aos
poucos se revelou a partir de 2020 – justamente quando se iniciou a pandemia.
Nada mais natural entre a
coletividade do que essa sensação de alívio de que a justiça “age como tem que
ser”, e com a qual Bolsonaro também prestará contas. Mesmo que as prisões sejam
todas preventivas, inclusive a de Ronnie Lessa, devido à paralisia da investigação.
Mas vale destacar ao menos duas ressalvas importantes.
Primeira ressalva: mesmo
preso, Jair Bolsonaro tem seus filhos e muitos próximos na política. E a
segunda é que seus apoiadores entre a patuleia são fanáticos que preferem viver
uma realidade paralela onde o ex-presidente é a referência do que consideram como
caminhos de família, cristandade, moral e verdade.
Mas por outro lado, assim
como aconteceu com o nazismo original, o bolsonarismo não é onipotente
e, por isso, sempre conviverá com fatores limitantes como a sociedade e as instituições
zeladoras da lei, da República e da democracia. É como uma pessoa estranha se
insere em um grupo, e com ele aprende a conviver. Se quiser sobreviver, assim
tem que ser.
Sal Ross
----
Atrás das chacinas, o
governador
As chacinas mais recentes
protagonizadas pela PM estadual, em São Paulo e no Rio de Janeiro, novamente
tomam mais espaço nas mídias. A operação Escudo, que matou 16 pessoas em
comunidade no Guarujá (SP), chamou a atenção pública após o governador Tarcísio
de Freitas se dizer “extremamente satisfeito” com o “trabalho” da Rota.
Ele elogia rasgadamente o
grupo das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) da PM-SP, que
patrulha rotineiramente as ruas das cidades paulistas e aborda situações
suspeitas ou claras. Só que dessa vez foi mais longe, a fim de vingar o
homicídio de um colega, escolhendo aleatoriamente outra comunidade.
Repetição – no blog há artigos anteriores sobre o tema, um
deles com breve histórico desde os anos 1990. Um flagelo que se repete, criminalizando
a pobreza e seus problemas desde tempos idos, recrudescendo com a ditadura
militar com a colaboração paralela dos esquadrões da morte, hoje milícias.
As práticas invocam trauma
ou morte seletivamente, com preferência a pobres não-brancos, entre os quais
ironicamente muitos policiais nasceram e cresceram, o que demanda debate sobre as
causas desse disparate, incluindo o fracasso dos governos sobre requalificação das
polícias e, atualmente, com a bolsonarização.
A bolsonarização fez com
que os policiais, mesmo sendo servidores públicos, sejam treinados para desviarem
da função de segurança pública para a proteção seletiva das classes mais abastadas,
refletida no agravar da violência sobre as comunidades pobres, descambando na
constante da letalidade das ditas operações.
Ressurreição de um velho
preconceito – pela lei, as PMs devem
fazer ronda, abordagem, apreensão e coerção – teoricamente sem distinção no
mosaico social. Sob o mote do combate ao crime, organizado ou não, a historicidade do elitismo se reflete na prática da segregação dos periféricos para a liberdade dos mais abastados.
Foi assim que, no início da
República até os anos 1930, batidas policiais nos morros eram comuns para prender
participantes de rodas de samba, lundu, maxixe e choro por sinalizar
“vadiagem”, termo penal então válido. Se antes a “vadiagem” era o problema, hoje
é a pobreza e os flagelos dominantes – e a sua criminalização pelo elitismo.
Por trás de tudo – na verdade, há tempo que as práticas exacerbadas das PMs em comunidades têm chamado atenção para o debate público, principalmente no apontamento do fracasso da famosa "guerra contra as drogas" que seria fomentada, segundo os governos, pelo crime organizado.
A especialista em segurança pública Jaqueline Muniz esteve à frente da Secretaria de Segurança Pública no RJ na era Cabral. Em
entrevista de 2019 ao The Intercept Brasil, ao tratar sobre a política do então governador Wilson Witzel de helicóptero, ela disse uma pérola: "quando a polícia atira, atira atrás dela o governador".
As imagens de felicidade de Witzel, que viralizaram nas redes sociais e geraram debate público acalorado dão pleno sentido à afirmação de Muniz. Então apoiador de Bolsonaro, o ex-governador não conseguiu evitar, apesar da tentativa, a péssima imagem perante os seus críticos sobre a necropolítica em curso.
Witzel já não está mais na classe política, mas deixou seus pupilos, mesmo sem querer. Cláudio Castro (RJ) e Tarcísio em SP são os dois destaques do momento, mas não são os únicos. O fracassado ideal estadunidense de "guerra às drogas" continua no mote a disfarçar o comando elitista dos governos no morticínio daqueles que tanto os incomodam.
Para saber mais
- https://apublica.org/2023/08/chacina-no-guaruja-morador-denuncia-que-policiais-apagaram-imagens-em-local-de-morte/
----
Nenhum comentário:
Postar um comentário