quinta-feira, 12 de outubro de 2023

CURTAS 47 - ANÁLISES (CF 1988; médicos)

 

CF/1988: em 35 anos, vilipêndios

                Após a sanguinária ditadura militar que ceifou presumíveis 10 mil vidas (das quais, 8350 indígenas), o Brasil renasceria das cinzas do caos, tal como a mitológica Fênix. E, para consolidar um movimento democrático renascido, surgiu a Constituinte liderada pelo saudoso Ulysses Guimarães, que pariu a Constituição de 1988.
                Logo no pós-ditadura, o Congresso já se mostrava afeito à diversidade, com um mosaico de partidos. Até a esquerda era mais diversa do que hoje, com PCB, PCdoB, PT, PDT e PSB, repletos de nomes históricos como Luiz Carlos Prestes, Lídice da Mata, Lula, Genoíno, Florestan Fernandes, Luiz Salomão e outros tantos.
                Chamada de Constituição Cidadã por Ulysses e outros, a Carta Magna estava repleta de novos direitos que foram exaustivamente analisados, reescritos e aprovados pelos constituintes. Fresquinha, ela foi apresentada à geral popular que comemorava o enterro simbólico da ditadura militar pelo novo documento.
                Volatilidade – apesar dos esforços dos constituintes, a carta maior da República nasceu para ser volatilizada por governos posteriores. É compreensível, haja visto que, como já havia previsto Ulysses Guimarães ao apresenta-la, “não é uma carta perfeita, mas tem as bases necessárias para o Estado democrático de direito”.
                Esta fala sinalizava que a nascente Constituição poderia ser, sim, aprimorada, para se adaptar às mudanças contextuais amplas do momento histórico. Mas, sem tocar nos direitos individuais e sociais via Estado, pelos quais lágrimas e sangue foram derramados. São as emendas constitucionais (ECs), que alteram um ou mais artigos da Carta.
                Entretanto, entre as essas emendas, vieram algumas nada alvissareiras.
                Emendas nada cidadãs – as primeiras emendas à constituição (ECs) surgiram após Collor. FHC aprovou várias, como a da reeleição de presidentes da República e outros cargos políticos, outras que facilitam a sessão de privataria, mudanças na lei previdenciária e outras relativas aos servidores públicos – que tiveram os seus salários congelados em 8 anos.
                A era petista não escapou de criar emendas, e também algumas delas nada cidadãs, como nova reforma sobre a previdência, que define a soma de tempo de contribuição + idade, e não mexeu nas ECs de FHC que facilitaram ganhos do sistema financeiro.
                Temer pouco fez, e o governo Bolsonaro meteu recorde de ECs, criadas principalmente por Paulo Guedes. Esses seis anos e meio de dois governos foram responsáveis pela atenuação da essência cidadã da CF-1988 – que alguns veem como utópica. Guedes, aliás, defendia uma nova Constituição, de essência bem neoliberal.
                A essência cidadã da Carta Magna em conteúdo original não era utópica. Era apenas mais progressista do que é hoje e considerava a responsabilidade estatal e governamental pelo desenvolvimento – e isso desagradou os governantes mais ambiciosos e com tendências retrógradas e anarcocapitalistas, que a vilipendiaram o quanto puderam.
                A Constituição aniversariou 35 anos. E com ela vieram seguidos vilipêndios cuja aspereza sentimos nos bolsos e na perda de direitos. Se ela tivesse entrado como disciplina obrigatória na educação básica, talvez as arestas das mudanças não fossem tão agudas e cortantes. Pois quem os poderosos mais temem é um povo conhecedor de seus direitos.

Para saber mais
https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_emendas_%C3%A0_constitui%C3%A7%C3%A3o_brasileira_de_1988
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Uma chacina, duas hipóteses

                Os médicos Marcos de Andrade Corsato, de 62 anos, Perseu Ribeiro Almeida, 33, Diego Ralf Bomfim, 35, e Daniel Sonnewend Proença, de 32, curtiam a madrugada em um quiosque na Barra da Tijuca, na zona oeste carioca, quando de um carro branco próximo saiu uma saraivada de tiros à queima-roupa. O veículo disparou em seguida.
                O dia seguinte amanheceu com a notícia da chacina no telejornalismo e online, revelando o testemunho de “20 tiros de pistola” e “um homem saiu do carro, atirou e voltou pro carro que arrancou”. Três deles morreram na hora, e o sobrevivente está internado em hospital público na Barra, em recuperação.
                Acionada, a polícia verificou que nenhum objeto foi roubado, numa indicação muito forte de execução. E Brasília foi tomada de assalto: Diego Bomfim, um dos mortos, era o irmão da deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP). Com isso, surgiram duas hipóteses motivacionais sobre o que levou os assassinos a matar na hora três dos quatro médicos.
                Engano – é a tese sustentada pela polícia fluminense: os matadores teriam confundido Perseu com Taillon de Alcântara Pereira Barbosa, chefe da milícia de Rio das Pedras e Gardênia Azul, devido à notável semelhança fisionômica. Na confusão, as demais vítimas seriam seguranças do miliciano, daí serem baleadas também.
                Horas depois, a polícia descobriu os suspeitos mortos. Segundo a mídia, a PCERJ acredita que sejam traficantes do CV, que disputa a região com a milícia e não teria perdoado a confusão. Daí o sentido da tese e a decisão inicial de dar fim à investigação apenas 24h após os crimes – que gerou forte desconfiança pública na “miraculosa eficiência”.
                Política – nessa hipótese se destaca o parentesco de irmandade entre Diego e Sâmia Bomfim. Embora tenha menos peso para a polícia e não haja acusação propriamente dita, a sua possibilidade não se descarta. Um dos crentes nisso é o ministro Flávio Dino, que acionou a PF em trabalho investigativo colaborativo.
                A deputada federal Sâmia Bomfim é casada com o colega Glauber Braga. Do PSOL, ambos têm presença forte no parlamento, defendendo pautas de socialismo progressista democrático. Por isso, essa tese ganhou força entre a patuleia. E também tem sentido.
                Reflexões – diante de todas as possibilidades, podemos apontar que ainda há lacunas a serem apontadas, o que torna contraproducente o fim de inquérito pretendido pela polícia fluminense. O fato ainda está muito recente e fresco, e necessita de mais trabalho investigativo.
                Se for mesmo engano, vale perguntar se um chefe miliciano se exporia com selfie e tudo quando “todos os gatos são pardos”, em local aberto de uma região disputada por diferentes orcrims. E por que seria obrigatória a autoria do CV em matar os suspeitos pouco após o crime? Como o presente domínio é miliciano, a autoria pode ter sido de milícias.
                Na hipótese política, Sâmia e Glauber são ferrenhos antibolsonaristas. O incômodo a bolsonaristas (políticos ou não) é bem conhecido. O caldo de ameaças ao casal nas redes tem engrossado. Para alguns bolsonaristas, a morte de Diego foi encarada como “pena não ter sido a Sâmia”, e para outros foi “um aviso, um recado”.
                Além da atuação dos parlamentares, outro fato que sustenta a hipótese foi a oferta de forças pelo governo de SP tão logo Brasília acionou a PF, alegando serem as vítimas paulistas. Detalhe: o governador é tão bolsonarista quanto o fluminense Claudio Castro.
                Rescaldo - há quem aponte tudo isso como cortina de fumaça para mascarar o que esteja por trás das mortes ou da disputa pela área. A PF descobriu 47 fuzis e munições numa mansão na qual havia uma festa de arromba. Se acredita que a carga seria destinada à Rocinha, dominada pelo CV que deseja tomar a Barra para si.
                Como o endereço não foi citado, a patuleia brincou que fosse o Vivendas da Barra Pesada, onde em 2019 foram apreendidos 117 fuzis e munição de uso restrito, em casa de vizinho e amigo dos Bolsonaro.
                Enfim... com tudo recente e simultâneo, qualquer apontamento é imprudente. Não podemos ligar as mortes ao fato na mansão, mesmo havendo personagens afins. O certo agora é investigar com calma, responsabilidade e inteligência para se chegar à conclusão que dê justiça às famílias das vítimas e pacifique os ânimos políticos.
                E que a mídia contribua com informações claras, mas principalmente responsáveis e verídicas.

Para saber mais
https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-10/policia-do-rio-investiga-se-medicos-foram-mortos-por-engano
https://www.terra.com.br/noticias/brasil/politica/dino-diz-que-medicos-foram-executados-e-aponta-hipotese-de-relacao-com-a-atuacao-de-parlamentares,cf481b6d9619d85bf9a18e20ddb7ba09g50y0mcu.html
https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-10/policia-federal-apreende-47-fuzis-em-mansao-no-rio
https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2023/10/05/bandidos-que-executaram-medicos-na-barra-foram-conferir-se-vitimas-haviam-morrido-veja-video.ghtml
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