CF/1988: em 35 anos, vilipêndios
Após a sanguinária ditadura
militar que ceifou presumíveis 10 mil vidas (das quais, 8350 indígenas), o
Brasil renasceria das cinzas do caos, tal como a mitológica Fênix. E, para
consolidar um movimento democrático renascido, surgiu a Constituinte liderada
pelo saudoso Ulysses Guimarães, que pariu a Constituição de 1988.
Logo no pós-ditadura, o
Congresso já se mostrava afeito à diversidade, com um mosaico de partidos. Até
a esquerda era mais diversa do que hoje, com PCB, PCdoB, PT, PDT e PSB,
repletos de nomes históricos como Luiz Carlos Prestes, Lídice da Mata, Lula,
Genoíno, Florestan Fernandes, Luiz Salomão e outros tantos.
Chamada de Constituição
Cidadã por Ulysses e outros, a Carta Magna estava repleta de novos direitos que foram
exaustivamente analisados, reescritos e aprovados pelos constituintes.
Fresquinha, ela foi apresentada à geral popular que comemorava o enterro simbólico
da ditadura militar pelo novo documento.
Volatilidade – apesar dos esforços dos constituintes, a carta
maior da República nasceu para ser volatilizada por governos posteriores. É
compreensível, haja visto que, como já havia previsto Ulysses Guimarães ao
apresenta-la, “não é uma carta perfeita, mas tem as bases necessárias para o Estado democrático de direito”.
Esta fala sinalizava que a
nascente Constituição poderia ser, sim, aprimorada, para se adaptar às mudanças
contextuais amplas do momento histórico. Mas, sem tocar nos direitos
individuais e sociais via Estado, pelos quais lágrimas e sangue foram
derramados. São as emendas constitucionais (ECs), que alteram um ou mais
artigos da Carta.
Entretanto, entre as essas
emendas, vieram algumas nada alvissareiras.
Emendas nada cidadãs – as primeiras emendas à constituição (ECs) surgiram
após Collor. FHC aprovou várias, como a da reeleição de presidentes da
República e outros cargos políticos, outras que facilitam a sessão de
privataria, mudanças na lei previdenciária e outras relativas aos servidores
públicos – que tiveram os seus salários congelados em 8 anos.
A era petista não escapou
de criar emendas, e também algumas delas nada cidadãs, como nova reforma sobre
a previdência, que define a soma de tempo de contribuição + idade, e não mexeu
nas ECs de FHC que facilitaram ganhos do sistema financeiro.
Temer pouco fez, e o
governo Bolsonaro meteu recorde de ECs, criadas principalmente por Paulo
Guedes. Esses seis anos e meio de dois governos foram responsáveis pela
atenuação da essência cidadã da CF-1988 – que alguns veem como utópica. Guedes,
aliás, defendia uma nova Constituição, de essência bem neoliberal.
A essência cidadã da Carta
Magna em conteúdo original não era utópica. Era apenas mais progressista do que
é hoje e considerava a responsabilidade estatal e governamental pelo
desenvolvimento – e isso desagradou os governantes mais ambiciosos e com
tendências retrógradas e anarcocapitalistas, que a vilipendiaram o quanto
puderam.
A Constituição aniversariou
35 anos. E com ela vieram seguidos vilipêndios cuja aspereza sentimos nos
bolsos e na perda de direitos. Se ela tivesse entrado como disciplina obrigatória
na educação básica, talvez as arestas das mudanças não fossem tão agudas e
cortantes. Pois quem os poderosos mais temem é um povo conhecedor de seus direitos.
Para saber mais
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_emendas_%C3%A0_constitui%C3%A7%C3%A3o_brasileira_de_1988
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Os médicos Marcos de
Andrade Corsato, de 62 anos, Perseu Ribeiro Almeida, 33, Diego Ralf Bomfim, 35,
e Daniel Sonnewend Proença, de 32, curtiam a madrugada em um quiosque na Barra
da Tijuca, na zona oeste carioca, quando de um carro branco próximo saiu uma
saraivada de tiros à queima-roupa. O veículo disparou em seguida.
O dia seguinte amanheceu
com a notícia da chacina no telejornalismo e online, revelando o testemunho de
“20 tiros de pistola” e “um homem saiu do carro, atirou e voltou pro
carro que arrancou”. Três deles morreram na hora, e o sobrevivente está
internado em hospital público na Barra, em recuperação.
Acionada, a polícia
verificou que nenhum objeto foi roubado, numa indicação muito forte de
execução. E Brasília foi tomada de assalto: Diego Bomfim, um dos mortos, era o
irmão da deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP). Com isso, surgiram duas hipóteses
motivacionais sobre o que levou os assassinos a matar na hora três dos quatro
médicos.
Engano – é a tese sustentada pela polícia fluminense: os
matadores teriam confundido Perseu com Taillon de Alcântara Pereira Barbosa, chefe
da milícia de Rio das Pedras e Gardênia Azul, devido à notável semelhança fisionômica.
Na confusão, as demais vítimas seriam seguranças do miliciano, daí serem baleadas
também.
Horas depois, a polícia
descobriu os suspeitos mortos. Segundo a mídia, a PCERJ acredita que sejam
traficantes do CV, que disputa a região com a milícia e não teria perdoado a
confusão. Daí o sentido da tese e a decisão inicial de dar fim à investigação
apenas 24h após os crimes – que gerou forte desconfiança pública na “miraculosa
eficiência”.
Política – nessa hipótese se destaca o parentesco de irmandade
entre Diego e Sâmia Bomfim. Embora tenha menos peso para a polícia e não haja
acusação propriamente dita, a sua possibilidade não se descarta. Um dos crentes
nisso é o ministro Flávio Dino, que acionou a PF em trabalho investigativo
colaborativo.
A deputada federal Sâmia
Bomfim é casada com o colega Glauber Braga. Do PSOL, ambos têm presença forte no parlamento, defendendo pautas de socialismo progressista democrático. Por isso, essa tese ganhou força entre a patuleia. E também tem sentido.
Reflexões – diante de todas as possibilidades, podemos apontar
que ainda há lacunas a serem apontadas, o que torna contraproducente o fim de inquérito
pretendido pela polícia fluminense. O fato ainda está muito recente e fresco, e
necessita de mais trabalho investigativo.
Se for mesmo engano, vale
perguntar se um chefe miliciano se exporia com selfie e tudo quando “todos
os gatos são pardos”, em local aberto de uma região disputada por diferentes
orcrims. E por que seria obrigatória a autoria do CV em matar os suspeitos
pouco após o crime? Como o presente domínio é miliciano, a autoria pode ter
sido de milícias.
Na hipótese política, Sâmia
e Glauber são ferrenhos antibolsonaristas. O incômodo a bolsonaristas
(políticos ou não) é bem conhecido. O caldo de ameaças ao casal nas redes tem
engrossado. Para alguns bolsonaristas, a morte de Diego foi encarada como “pena
não ter sido a Sâmia”, e para outros foi “um aviso, um recado”.
Além da atuação dos parlamentares, outro fato que sustenta a hipótese foi a oferta de forças pelo governo de SP tão logo Brasília acionou a PF, alegando serem as vítimas paulistas. Detalhe: o governador é tão bolsonarista quanto o fluminense Claudio Castro.
Rescaldo - há quem aponte tudo isso como cortina de fumaça para mascarar o que esteja por trás das mortes ou da disputa pela área. A PF descobriu 47 fuzis e munições numa mansão na qual havia uma festa de arromba. Se acredita que a carga seria destinada à Rocinha, dominada pelo CV que deseja tomar a Barra para si.
Como o endereço não foi citado, a patuleia brincou que fosse o Vivendas da Barra Pesada, onde em 2019 foram apreendidos 117 fuzis e munição de uso restrito, em casa de vizinho e amigo dos Bolsonaro.
Enfim... com tudo recente e simultâneo, qualquer apontamento é imprudente. Não podemos ligar as mortes ao fato na mansão, mesmo havendo personagens afins. O certo agora é investigar com calma, responsabilidade e inteligência para se chegar à conclusão que dê justiça às famílias das vítimas e pacifique os ânimos políticos.
E que a mídia contribua com informações claras, mas principalmente responsáveis e verídicas.
Para saber mais
- https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-10/policia-do-rio-investiga-se-medicos-foram-mortos-por-engano
- https://www.terra.com.br/noticias/brasil/politica/dino-diz-que-medicos-foram-executados-e-aponta-hipotese-de-relacao-com-a-atuacao-de-parlamentares,cf481b6d9619d85bf9a18e20ddb7ba09g50y0mcu.html
- https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-10/policia-federal-apreende-47-fuzis-em-mansao-no-rio
- https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2023/10/05/bandidos-que-executaram-medicos-na-barra-foram-conferir-se-vitimas-haviam-morrido-veja-video.ghtml
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