Com o governo atual, o MSaúde retorna como órgão
promovedor da saúde pública, com políticas novas que reabrem diálogo com a
população e busca mitigar os efeitos deletérios do governo anterior, entre eles
a maior mortalidade infantil invocada pelo esvaziamento da assistência no vasto
interior do Brasil.
Não bastassem os muitos desafios a serem
enfrentados, inclusive na área de saúde, o governo Lula 3 irá se deparar com
outra realidade, paralela e oculta: a promovida pelo agro..
Silêncio imposto –
a importância econômica do agronegócio deve ser esclarecida de fato: só o setor
deve mais de R$ 80 bi de impostos e são sempre perdoados., em nome de um anarcocapitalismo que persiste em plano governo Lula 3, e que mais retira do que retribui às contribuições nada leves do mercado interno.
Mas, anarcocapitalismo à parte, o modelo de produção agropecuária de grande porte deve merecer uns olhares convergentes de ao menos três ministérios: o do meio ambiente, o da agricultura e abastecimento, e o da saúde.
Agroquímicos –
surgiram para proteger lavouras, pastagens e gado. Há dois tipos: biológicos e
químicos. Os primeiros são usados na produção orgânica. Os últimos, no grande
agro. Mas impactam, em diversos graus, a biosfera e a saúde humana, daí serem
considerados agrotóxicos pela legislação brasileira.
Estudos científicos sérios tornaram muitos deles
proibidos no mundo. Mas no Brasil eles ganharam uma liberdade que o tornou
líder global de consumo – e suas consequências – graças a dois fatores
importantes.
Porosidade governamental –
publicada pelo G1-Globo, a matéria revela as liberações dos agroquímicos de
2000 a 2022. No período foram 4444 liberações, das quais 2182 só na era
Bolsonaro – muitos deles proibidos lá fora devido aos impactos socioambientais
e econômicos conhecidos.
Isenções tributárias –
na recente reforma tributária aprovada (ainda aguarda desfecho) os
representantes do agrobusiness gritaram como lavadeiras no rio e conseguiram
novas isenções, como as dos já falados “veículos de trabalho” (e suas
injustiças) e, ocultamente, os agroquímicos (a indústria agradece).
Sigamos, então, a enumerar e descrever as principais complicações do agronegócio para a saúde pública a partir da contaminação do meio ambiente.
Doenças químicas –
se os fármacos de consumo humano e veterinário podem gerar efeitos adversos,
daí os alertas nas bulas que os acompanham, por que agroquímicos ficariam de
fora? Afinal, nós os consumimos de forma indireta, através da água e da comida
que consumimos. E as complicações pelos agroquímicos são penosas de tratamento ou incuráveis.
Dados da Oxfam Brasil revelam uma frequência
anormal de intoxicações entre funcionários de lavoura e gado nos latifúndios,
estendendo-se às suas famílias. São registrados efeitos dermatológicos,
digestivos, nervosos e até oncopatologias (cânceres) e outras doenças
forçosamente incapacitantes.
Leucemia infantil –
apesar dos avanços médicos registrados na saúde pública, foi observado um pico
de mortes de crianças em unidades hospitalares de cidades mato-grossenses
próximas de grandes latifúndios de soja. Tais picos se destacam da média
estatística histórica nacional levantada pelo MSaúde.
Outros cânceres hematológicos (linfomas) também
foram observados em altas proporções em crianças e jovens na região
mato-grossense estudada. Em média, a incidência local dessas doenças é quase o dobro da média nacional.
Neuropatias e outras patologias –
a literatura médica sobre a diversidade de patologias por agroquímicos é
extensa. Mas os números recentes de diagnósticos levantados sobre cânceres, dermatopatias, abortos espontâneos, teratogêneses¹, e neuropatias indicam uma
necessária e urgente atualização estatística.
Em unidades de saúde de Santarém (PA), dados
obtidos pela Agência Pública sobre intoxicações geradas por agrotóxicos indicam
curvas muito acima da média nacional em dermatopatias, teratogêneses¹ e
neuropatias.
Genericamente, as neuropatias subiram 600% acima da média nacional, estimada entre 5 e 7% da população geral - e algumas delas se desenvolvem ao ponto de redundarem em incapacidade laboral, ou seja, a pessoa adoecida nesse estágio se torna incapaz de trabalhar para obter seu próprio sustento.
A aposentadoria por invalidez é a única saída nesses casos, mas só para quem teve carteira assinada e direitos assegurados, portanto. O trabalho rural é campeão em violações de direitos trabalhistas essenciais e o índice de trabalho escravo é alarmante: 60% dos mais de 1 milhão ainda em tal condição estão no campo.
Relação inegável –
um latifúndio de soja na região de Santarém substitui a floresta amazônica.
Seus agrotóxicos contaminam igarapés e rios cujas águas são utilizadas também
por ribeirinhos, indígenas e pequenos posseiros que engrossam a fila de
intoxicados colaborando para os números alarmantes.
Retirando-se o fator intoxicação, nada
explicaria os anormais dados locais. Nem as variáveis em genética de populações
por etnia para estudos de patologias possuem números tão discrepantes na
literatura científica. O abuso de agrotóxicos se revela no nível de
contaminação dos mananciais d’água que cercam os latifúndios.
Além da liberação de agrotóxicos globalmente
proibidos na era Bolsonaro, a manutenção de isenções na reforma tributária pode
ocasionar um salto perigoso da incidência das citadas (e outras) complicações
graves de intoxicação agroquímica. E aí de nada valerão mil Nísias Trindades
para resolver o flagelo.
A liberdade excessiva outorgada pelos governos
em troca de apoio político favorece ao agronegócio a série de abusos
socioambientais, trabalhistas e contra a saúde pública. Se o governo atual
pretende mesmo fazer o seu melhor em políticas públicas, a única solução é
podar as enormes asas do agro – e já passou da hora há bastante tempo.
Nota da autoria:
¹malformações fetais.
Para saber mais
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