sábado, 11 de novembro de 2023

ANÁLISE: a letalidade do agro

 

      Com o governo atual, o MSaúde retorna como órgão promovedor da saúde pública, com políticas novas que reabrem diálogo com a população e busca mitigar os efeitos deletérios do governo anterior, entre eles a maior mortalidade infantil invocada pelo esvaziamento da assistência no vasto interior do Brasil.
               Não bastassem os muitos desafios a serem enfrentados, inclusive na área de saúde, o governo Lula 3 irá se deparar com outra realidade, paralela e oculta: a promovida pelo agro..
                Silêncio imposto – a importância econômica do agronegócio deve ser esclarecida de fato: só o setor deve mais de R$ 80 bi de impostos e são sempre perdoados., em nome de um anarcocapitalismo que persiste em plano governo Lula 3, e que mais retira do que retribui às contribuições nada leves do mercado interno.
                 Mas, anarcocapitalismo à parte, o modelo de produção agropecuária de grande porte deve merecer uns olhares convergentes de ao menos três ministérios: o do meio ambiente, o da agricultura e abastecimento, e  o da saúde.
                Agroquímicos – surgiram para proteger lavouras, pastagens e gado. Há dois tipos: biológicos e químicos. Os primeiros são usados na produção orgânica. Os últimos, no grande agro. Mas impactam, em diversos graus, a biosfera e a saúde humana, daí serem considerados agrotóxicos pela legislação brasileira.
                Estudos científicos sérios tornaram muitos deles proibidos no mundo. Mas no Brasil eles ganharam uma liberdade que o tornou líder global de consumo – e suas consequências – graças a dois fatores importantes.
                Porosidade governamental – publicada pelo G1-Globo, a matéria revela as liberações dos agroquímicos de 2000 a 2022. No período foram 4444 liberações, das quais 2182 só na era Bolsonaro – muitos deles proibidos lá fora devido aos impactos socioambientais e econômicos conhecidos.
                Isenções tributárias – na recente reforma tributária aprovada (ainda aguarda desfecho) os representantes do agrobusiness gritaram como lavadeiras no rio e conseguiram novas isenções, como as dos já falados “veículos de trabalho” (e suas injustiças) e, ocultamente, os agroquímicos (a indústria agradece).
                Sigamos, então, a enumerar e descrever as principais complicações do agronegócio para a saúde pública a partir da contaminação do meio ambiente.
                Doenças químicas – se os fármacos de consumo humano e veterinário podem gerar efeitos adversos, daí os alertas nas bulas que os acompanham, por que agroquímicos ficariam de fora? Afinal, nós os consumimos de forma indireta, através da água e da comida que consumimos. E as complicações pelos agroquímicos são penosas de tratamento ou incuráveis.
                Dados da Oxfam Brasil revelam uma frequência anormal de intoxicações entre funcionários de lavoura e gado nos latifúndios, estendendo-se às suas famílias. São registrados efeitos dermatológicos, digestivos, nervosos e até oncopatologias (cânceres) e outras doenças forçosamente incapacitantes.
                Leucemia infantil – apesar dos avanços médicos registrados na saúde pública, foi observado um pico de mortes de crianças em unidades hospitalares de cidades mato-grossenses próximas de grandes latifúndios de soja. Tais picos se destacam da média estatística histórica nacional levantada pelo MSaúde.
                Outros cânceres hematológicos (linfomas) também foram observados em altas proporções em crianças e jovens na região mato-grossense estudada. Em média, a incidência local dessas doenças é quase o dobro da média nacional.
                Neuropatias e outras patologias – a literatura médica sobre a diversidade de patologias por agroquímicos é extensa. Mas os números recentes de diagnósticos levantados sobre cânceres,  dermatopatias, abortos espontâneos, teratogêneses¹, e neuropatias indicam uma necessária e urgente atualização estatística.
                Em unidades de saúde de Santarém (PA), dados obtidos pela Agência Pública sobre intoxicações geradas por agrotóxicos indicam curvas muito acima da média nacional em dermatopatias, teratogêneses¹ e neuropatias. 
                Genericamente, as neuropatias subiram 600% acima da média nacional, estimada entre 5 e 7% da população geral - e algumas delas se desenvolvem ao ponto de redundarem em incapacidade laboral, ou seja, a pessoa adoecida nesse estágio se torna incapaz de trabalhar para obter seu próprio sustento.
                A aposentadoria por invalidez é a única saída nesses casos, mas só para quem teve carteira assinada e direitos assegurados, portanto. O trabalho rural é campeão em violações de direitos trabalhistas essenciais e o índice de trabalho escravo é alarmante: 60% dos mais de 1 milhão ainda em tal condição estão no campo.
                Relação inegável – um latifúndio de soja na região de Santarém substitui a floresta amazônica. Seus agrotóxicos contaminam igarapés e rios cujas águas são utilizadas também por ribeirinhos, indígenas e pequenos posseiros que engrossam a fila de intoxicados colaborando para os números alarmantes.
                Retirando-se o fator intoxicação, nada explicaria os anormais dados locais. Nem as variáveis em genética de populações por etnia para estudos de patologias possuem números tão discrepantes na literatura científica. O abuso de agrotóxicos se revela no nível de contaminação dos mananciais d’água que cercam os latifúndios.
                Além da liberação de agrotóxicos globalmente proibidos na era Bolsonaro, a manutenção de isenções na reforma tributária pode ocasionar um salto perigoso da incidência das citadas (e outras) complicações graves de intoxicação agroquímica. E aí de nada valerão mil Nísias Trindades para resolver o flagelo.
                A liberdade excessiva outorgada pelos governos em troca de apoio político favorece ao agronegócio a série de abusos socioambientais, trabalhistas e contra a saúde pública. Se o governo atual pretende mesmo fazer o seu melhor em políticas públicas, a única solução é podar as enormes asas do agro – e já passou da hora  há bastante tempo.
                
Nota da autoria: ¹malformações fetais.

Para saber mais
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