Na
crise criminal, radicalismo capital
Equador e El Salvador têm muitas coisas em comum, das quais vale muito saber.
Paisagens – situados na zona tropical da América Latina, eles têm
paisagens com ricas florestas, praias do Pacífico e vulcões. Equador tem a
turística Avenida dos Vulcões, El Salvador tem picos vulcânicos em meio ao
verde. Se espera eventualmente sismos e vulcanismos em ambos. Coisa
de cinema mesmo.
Limites – eles não têm fronteiras com o Brasil. El Salvador é o menor
país da área continental da América Latina. Já Equador é mais extenso e seu nome
se vincula à sua localização da área equatorial.
Indicadores humanos – também se parecem. Boas partes das
populações descendem de povos originários diversos. São hispânicos de
colonização e religião dominante, mas mantêm as culturas ancestrais e
coloridas. Seus indicadores sociais são baixos, com desigualdade econômica.
Suas políticas públicas são deficitárias, refletindo-se em baixos índices de desenvolvimento humano (IDHs). Basicamente, ambos são produtores e exportadores de
matérias-primas.
A criminalidade tem sido um
problema. Equador é o maior produtor e exportador de cocaína do mundo, e seu
principal consumidor os EUA. El Salvador está na rota do transporte
aéreo da carga, o que alimenta o narcotráfico local. Agora Equador vive guerra interna desencadeada após a fuga do megatraficante 'Fito', que assassinou o político Villavicencio.
Passagem política – como demais nações latino-americanas, os dois
países viveram regimes alternados de ditaduras e democracias que não resolveram os
graves problemas socioeconômicos. O líder salvadorenho é Nayib Bukele, e o equatoriano Daniel Noboa, outsiders (fora da curva) da política.
Os outsiders
adotam medidas radicais para “resolver problemas do povo”, como a
violência urbana imposta por facções do narcotráfico, e política econômica
liberal. Bukele adotou o bitcoin como moeda, e Noboa o dólar – mas
os problemas internos continuam.
Política controversa – Bukele meteu uma política de segurança pública de
enfrentamento radical às gangues que dominavam as cidades salvadorenhas.
Polícias à noite capturaram os criminosos arbitrariamente e os julgamentos muito rápidos os sentenciavam às megaprisões de segurança máxima construídas pelo
governo.
A eficiência dessa política
desperta suspeita em versados em DHs¹, mas populares a elogiam: “agora
podemos viver nossas vidas em paz, sair à noite”. Não é possível julgar a
posição favorável dos cidadãos. O problema, porém, é que esse sucesso costuma
ter curto prazo.
Mas essa política radical
inspira Noboa, que quer combater a todo custo a guerra urbana
que atormenta o povo equatoriano a partir da captura e prisão de Fito, e
construção de megaprisões de segurança máxima para facções do narcotráfico. Daí
o estado de exceção criado pelo governo.
Governos autoritários – como outsiders, Bukele e Noboa se declaram
como “antissistema”. Não existe antissistema, mas extremos do
sistema. Tal como Milei e Bolsonaro, eles são da extrema-direita, dado o viés
neoliberal das políticas econômicas. E, claro, tal contexto satisfaz muito um personagem:
o capital.
O toque de recolher e a
adoção de moedas de alto valor são apenas detalhes autoritários que não
surpreendem. A efemeridade dos seus efeitos está na satisfação popular imediata.
Mas ao fim do prazo, sinais indesejados já aparecem e não tardam a causar decepção.
O dólar e o bitcoin como
moedas correntes dão sucesso imediato e ilusório por seu alto valor. Mas
a falta de políticas anti-inflacionárias e de juros descontrolam as contas públicas e geram a perda de poder aquisitivo, resultando em forte pobreza
das classes populares nesses países.
Talvez por terem juros menores
que os brasileiros ocorram certos investimentos externos, que não resolvem
os graves problemas internos e a grande pobreza. E isso propicia feedback para um beneficiário às custas das suas populações: o
capital – que ama governos autoritários.
Nota da autoria
¹ Direitos Humanos
Para saber mais
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O
racionalismo do bolsonarista
Um
vídeo recente viralizou nessa semana. Trata-se de corte de uma entrevista
ocorrida na Paraíba, concedido por um radialista muito conhecido por lá.
Nesse
trecho rápido, o entrevistado disse que votou em Bolsonaro nas duas vezes, mas
elogia o Lula, a quem considera “melhor do que Bolsonaro”, apontando a
baixa dos preços dos combustíveis e da picanha e que “o povo está comendo
mais”, que “o velho é bom”.
Quando
o repórter pergunta em quem ele votaria em 2026, o imponente radialista com
boné de casa de aposta diz com toda a tranquilidade: “voto em Bolsonaro”.
O repórter estranhou a incoerência, que o radialista explicou à sua moda: “Lula
tá melhor, mas eu gosto mesmo é do Bolsonaro”.
Como
o pequeno corte viralizou por destacar a incoerência, surgiram explicações para
a mesma ainda ocorrer, e que o radialista paraibano não se trata de um caso
isolado. Segundo João Cesar de Castro Rocha, especialista em extrema-direita, o
bolsonarismo tem uma base sólida: a emoção.
Afeto,
afinidade ou emoção – como
a fé, o voto brasileiro é emocional. Lógica e razão se secundarizam em valor.
Isso é válido tanto para líderes autoritários quanto democráticos.
Área
das reações, relações e afinidades, a emoção é objeto direto da manipulação por
políticos e líderes religiosos. Nomes como Malafaia e Bolsonaro dão até
cafezinho como toque final de garantia de seus interesses.
A
afinidade do radialista paraibano com Bolsonaro é um exemplo claro disso. Ele
desconhece a origem nazifascista do “Deus, pátria, família e liberdade”,
daí não podermos julgá-lo como nazifascista.
A
mitigação do valor da consciência racional é o mecanismo funcional e objetivo
dessa manipulação. E, embora tenhamos visto maior eficiência entre a
extrema-direita, líderes à esquerda de origem popular também sabem conquistar grande
número de pessoas. Lula é o nosso exemplo mais conhecido.
A
diferença está na velocidade da capilaridade de um discurso, e isso depende da
quantidade dos que o fazem. E talvez isso explique porque a direita ganha da
esquerda aí. A esquerda tem carência nesse ponto.
Daí
ser fácil concluir que a nossa patuleia não é de direita nem de esquerda. Ela é
conquistada por quem a atinge mais fundo em seus anseios. E nesse sentido, a
galera da direita a atinge antes.
Agora,
por outro lado, a razão é secundarizada, mas não anulada. Se a direita ganha no
engodo emotivo, a esquerda tem mostrado que se sai melhor no pragmatismo. E o
pragmatismo suscita mais racionalidade e consciência. E é aí, sem secundarizar
a emoção, que a esquerda deve conquistar a patuleia.
Lula
já dá mostras disso – por mais vazios ou contraditos que seus discursos possam
ser. Ele pode estar atrás os bolsonaristas quanto à capacidade capilar, mas tem um público fiel e enorme, que o defende, mesmo que o critique quando julga necessário. E nisso, Lula trabalha mesmo consertando muitos estragos do antecessor.
Para saber mais
- https://www.youtube.com/watch?v=fncCYhQMPn4 (ICL – bolsonaristas estão bugando com os avanços do
governo Lula, 12/1//2024)
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