sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

CURTAS 61 - ANÁLISES (indígenas x capital; Anielle Franco; pastores x tributos)

Indígenas = soberania x capital

        Um dos primeiros focos reconstrutivos de Lula foi resgatar a dignidade dos povos originários a partir da crise humanitária dos ianomâmis, ocasionada principalmente pelo garimpo ilegal que os impedia de sair para caçar e coletar. O governo partiu para uma ofensiva contra os ilícitos por força-tarefa de longo prazo.
        Força conjunta – Ibama, PF, militares e SESAI entraram em tarefas precípuas. Incêndios de balsas e de dragas e avaliação ambiental (Ibama), prisão dos invasores e apreensão de material (PF), salvamento e envio de suprimentos (militares) e atendimento à saúde dos indígenas (SESAI) foram os meios.
        Como já sabia das informações coletadas pela FUNAI, o governo pretendeu estender as ações a outros povos indígenas, também abalados pelos criminosos – em parte, a mando do agronegócio. O governante vê no resgate dos originários uma parte importante da complexa e ameaçada política ambiental.
        Política ambiental – essa pauta é complexa e vai desde a mitigação de contaminantes ambientais, recuperação de áreas degradadas, até preservação de povos originários e captura de carbono. Nas COPs 27 e 28, Lula considerou essa política uma questão soberana, apesar do incoerente investimento em recursos fósseis.
        Soberania – o governo considerou o resgate como parte da política ambiental e questão de soberania, dada a importância do tema socioambiental para a manutenção do potencial alimentar do país e de preservação da vida no planeta.
        E, por ser uma questão soberana, a conjuntura dos fatos – incluindo o resgate aos originários – exige um prazo longo para que tenha efetividade de ação e eficácia de resultados. E com bons resultados, tal política deve continuar em constância para assumir um caráter preservativo permanente.
        Dois problemas – a luta pela soberania a partir da prioridade socioambiental e manutenção das culturas originárias é complexa não só por englobar uma série de práticas envolvendo diversos setores. Mas existem dois problemas, um no campo pragmático e outro no econômico.
        Militares – devido à bolsonarização, as forças militares têm relutado em efetivar o atendimento aos indígenas em situação de calamidade. Indígenas relatam que as entregas têm sido escassas desde a política de resgate no início de 2023.
        Há relatos de que parte desses suprimentos teria sido desviada para outros destinatários, o que pede boa investigação para a sua confirmação.
        Capital – este é mais complicado. Para alcançar seu objetivo, o capital tanto pode financiar licenças ambientais para explorar recursos naturais quanto bancar estudos ou políticas sustentáveis. Este patrocínio visa a manutenção do domínio desse sistema sobre os destinos da vida sociopolítica e a biosfera.
        O Brasil é velho terreno fértil da dominação do capital. Instituições financeiras e oligopólios dominam a grande mídia e a classe política e pesam no rumo das votações de muitas pautas no Congresso. Quiçá, haja possível influência sobre tentativas do Congresso nos rumos do STF, como ocorreu com o Marco Temporal.
        Ainda que seja retórica, a declaração de Lula sobre a proteção aso povos indígenas como meta soberana é razoável. O problema é como convencer como isso pode ser salutar para o mesmo capital que comemorou o aprove do Marco Temporal.

Para saber mais
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Anielle e o identitarismo

        Irmã da vereadora psolista Marielle Franco, assassinada em 2018 por milicianos, Anielle Franco foi nomeada por Lula 3 para ser ministra da Igualdade Racial. Foi uma homenagem à parlamentar carioca que em carreira tão breve incomodou muita gente. E parece que a ministra “recebeu o santo”.
        Mas, calma, que vamos entender no final.
        Torcida do São Paulo – a protagonista foi a secretária que acompanhou Anielle em Sampa para um evento. Elas foram ao Morumbi assistir ao jogo do time da casa. Talvez empolgada com o cargo de comissão, a moça depreciou a torcida do escrete usando língua neutra: “pauliste”, “bambi”, “europeiste” (este relativo à pele branca). E publicou em rede social.
        A coisa pegou mal e, retornando a Brasília, Anielle teve que exonerar a moça e lançou uma nota de desculpas.
        Buraco negro – em entrevista, a ministra disse que “buraco negro” é uma “expressão racista e sexista”. O alarido logo veio, com alguns dizendo que ela “não sabe do que diz”, outros a depreciaram por “racializar” a expressão astronômica, que foi explicada depois por Ciro Gomes.
        Embora repreensível, a fala de Anielle se explica: ela aludiu à história escravista, em que os senhores brancos abusavam de algumas escravas usando termos hoje considerados sexistas, mas normais para a cultura machista daquele tempo. Mas, ela teve que novamente se render, pois o nome astronômico permanece válido para um fenômeno que suga até a luz.
        Chuvas no RJ – antes de 15/01, o RJ reviveu dias trágicos por conta de temporais que mataram 12, desapareceram 2 e ainda causaram estragos materiais nos subúrbios. Em Brasília, a ministra nomeou a tragédia como “racismo ambiental”.
        A princípio ela não errou: de fato, a pobreza e os desastres afetam mais os não-brancos. Mas há importante parcela de brancos nesse meio. Nesse sentido é melhor a expressão elitismo ambiental, pelo qual se empurra famílias mais pobres para morar em áreas de risco, parte delas loteamentos das prefeituras.
        Como todo governo, Lula 3 é  novavítima da “reforma” ministerial imposta pelo centrão, em que nomes horríveis entram no lugar dos bons. Por muito pouco Anielle Franco escapou da fritura no ano passado. Mas é bom se cuidar daqui para a frente. O Centrão tem pavio curto e não podemos ceder tanto assim.

Sal Ross
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Pastores x humildade

        Com o poder de volta, Lula 3 trocou um punhado de gente nos maiores escalões de Brasília. Entre os órgãos afetados com o retorno da normalidade após o aparelhamento bolsonarista figura a Receita Federal.
        Com isso, alguns fatos relacionados à RF ganharam relevância, como a correção ainda muito tímida do Leão, que já dá espaço para o boato de que salário mínimo será mordido novamente. Mas o destaque mesmo foi outra coisa.
        Fisco – a isenção de imposto extensiva a instituições filantrópicas foi comemorada por alguns parlamentares, como os da bancada da bíblia, na promulgada PEC da reforma tributária. Mas havia outro motivo: os pastores se viam totalmente livres.
        Mas neste ano veio um balde de gelo. Norma fiscal da RF revoga outra da era bolsonarista, que isentava os salários dos pastores de tributos, sob alegação de “ajuda de custo por serviços prestados”. A correção de uma ilegalidade deixou a pastorada histérica criando fake news massiva nas redes acusando Lula de “perseguir as igrejas”.
        Inconsistência – a nova norma corrigiu inconsistência na bolsonarista. Se ela alegava os salários como ajuda de custo como a dos padres que fazem voto de pobreza, por que a previu como “produto de participação nos lucros”? Afinal, isso ocorre na iniciativa privada e nas estatais de regime trabalhista de direito privado (CLT).
        A norma bolsonarista expôs as igrejas como empresas privadas lucrativas, e os pastores empresários ilegalmente subsidiados com isenções e penduricalhos que lhes garantem lucros incompatíveis com o salário em si e um voto cristão bem conhecido.
        Voto de pobreza – o catolicismo interpreta passagens do Novo Testamento em que Jesus prega o compartilhar¹ como sinônimo de humildade perante Deus. Padres franciscanos, por exemplo, recebem apenas ajuda de custo sem tributo, enquanto os diocesanos e pastores protestantes recebem salário tributável e podem ter bens.
        O voto de humildade dos formandos é um selo de cristandade. Mas parece não ser unanimidade no protestantismo, pois se observa um número crescente de jovens pastores seguindo os passos do enriquecimento. Na teologia da prosperidade, ser rico parece ser a regra, seja pelos dízimos suados dos fiéis, ou pela isenção ilegal.
        Vale citar um fato: a religião hoje tem perfil capitalista. Além do contexto econômico, o teor biopsicológico explica o apego material como válvula de escape final ao pânico moral que castra e pune. O que não deve ser o caso dos famosos por aí.

Nota da autoria
¹ Marx interpretou a filosofia historicamente, como consciência coletiva e de classe de Jesus, já que ele viveu uma época de elite judaica pró-Roma.
Para saber mais
https://www.youtube.com/watch?v=uWyeMmwGJ2g (UOL com Reinaldo Azevedo – RF acerta em cobrar impostos sobre os salários dos pastores)
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