Um ato contra institucional
São Paulo, 25/2/24: uma entusiasmada galera verde-amarela aproveitou o
bloqueio recreativo da Av. Paulista para voltear com os trios elétricos. À
frente do MASP, o trio principal tinha figuras políticas (governadores e
parlamentares), o pastor Silas Malafaia e o ex-presidente Bolsonaro.
O ex-presidente convocou os
apoiadores em vídeo a partir de janeiro, recomendado que fosse “um grande
evento por anistia para os que foram a Brasília em 8/1”, e que fosse “pacífico”,
sem nenhuma fala de ordem contra as instituições.
A ideia de exigir
“pacifismo” para a anistia a terroristas do 8/1 foi estratégica. “Presenças
importantes” compareceram para dar força ao bolsonarismo e contar com um
público massivo de 1 milhão, mas que foi de 180 mil fantasiados de Brasil e
Israel, contados com metodologia de contar gado – daí a alcunha CarnaGado
ao manifesto.
Pacífico? – o ex-presidente recomendou “evitar faixas de
ataque às instituições”, para ele “não complicar judicialmente”. Não
foi à toa: Xandão deixou aviso do que iria acontecer se houvesse hostilidades
às instituições e a jornalistas.
A recomendação não impediu
a cautelosa cobertura da “mídia oficial”: dominaram fotos e vídeos aéreos.
Entrevistas foram raras, mas as de influenciadores de canais como Brasil 247
e Patriotas de Humor captaram boas pérolas, até quase serem agredidos.
Protagonismo de Malafaia – os fantasiados verde-amarelos viram seu mito de
fato mais contido, com poucos discursos eufóricos, e os berros de sermões
distorcidos de Magno Malta (ele estava bebum? Não sei).
Se o ex-presidente se
precaveu de não atacar as instituições, o mesmo não se pode dizer de Silas
Malafaia, que protagonizou os discursos mais agressivos do evento. Mas ele não
agrediu o STF diretamente, e sim a conduta dele ao condenar “famílias
inteiras com crianças” pelo terror no 8/1.
Ele se sentiu à vontade
para agredir na sua condição de líder religioso. A maior parte de seu discurso
se direcionou na ideologização da fé, ao defender abertamente o massacre de
Israel sobre Gaza e relativizar nisso o poder do cristianismo, surgido no Oriente
Médio.
Manifestantes pela anistia – desfilando com bandeiras do Brasil e de Israel, os
manifestantes verbalizaram a miscelânea de pérolas pegas pelos influenciadores.
Como a de “somos cristãos como Israel”, “Israel está se defendendo,
pois o Hamas mutilou e assou crianças no forno”, e “Israel não é
terrorista, não é socialista”.
Tais pérolas indicam,
sobretudo, ignorância sobre a realidade da guerra Israel-Palestina, o judaísmo
e não associação de terrorismo com todas as atuações destrutivas dos
bolsonaristas ensinadas pelos milicos nos quarteis desde dezembro/2022 até o
ápice em 8/1/2023.
Fria análise – o CarnaGado foi uma distração aos populares em
relação à vilania israelense e à intenção golpista iminente. Nos EUA, o
deputado Eduardo Bolsonaro foi entrevistado pela Fox News (a Jovem Pan de lá).
Ele difamou a Justiça brasileira e as eleições e ainda acusou o governo de
censura à tal liberdade de expressão.
Nesses termos, as
lideranças veem o sucesso da aliança político-religiosa como plano de resgate
do poder perdido na derrota eleitoral de 2022. Afinal, 88% dos bolsonaristas
entrevistados no CarnaGado não acreditam que Lula venceu no voto, mas pelo
tapetão do STF.
O sucesso político de
Bolsonaro não é na competência de governo, e sim na ideologização da fé dos
líderes cristãos interessados e na ligação com a ditadura militar que jorrou
sangue e lágrimas em 21 anos. E março já traz a expectativa de nova comemoração
do golpe de 1964 pelos militares.
E como o legado nazista de
Hitler, o bolsonarismo permanecerá como sombra indelével na materialidade
democrática durante muito tempo. É a lição, mesmo nefasta, de que os
terroristas e seus indutores políticos, militares e religiosos jamais podem ser
anistiados pela Justiça.
Por memória, justiça e
verdade, não à anistia, vale a vergonha na cara institucional pelo valor da
nação.
Para saber mais
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Neste ano bissexto, o mês
de fevereiro findou pouco tempo após a manifestação bolsonarista pela anistia
aos terroristas que atuaram desde o pós-eleição, a partir de protestos
dispersos nas estradas e depois concentrados em quarteis das Forças Armadas.
Alguns julgaram o manifesto
bolsonarista como um erro de data, mas vale salientar a importância do fato
como um preparativo de avaliação da massa para uma possível nova
intentona-surpresa no fim de março ou 1º de abril, período correspondente ao do
golpe de 1964.
Comemorando a necropolítica – em março de 2019, o ex-presidente Bolsonaro
instituiu uma espécie de “Ordem do Dia”, através da qual foi permitida a
comemoração do golpe de 1964, considerado “revolução” pelos milicos e “contrarrevolução”
pela esquerda.
A tal “ordem do dia” chegou
a ser questionada por parlamentares da oposição na época, mas a Justiça
deu aval para a comemoração, talvez em consideração do magistrado aos privilégios
presidenciais então gozados. Mais uma vez triunfou a nefasta cultura de privilégios.
A nostalgia não é de todo
um defeito de personalidade, levando-se em conta os fatos positivos pretéritos
atualmente perdidos. Mas entre os milicos a nostalgia recai na necropolítica da
ditadura de 1964-85, cujo saldo fatal ainda não é preciso, mas se sabe ser
acima de 8700 mortos, em sua grossa maioria de indígenas.
A necropolítica daquele
tempo inspirou Bolsonaro, que bateu o recorde daquele tempo matando mais de 700
mil vidas só pela promoção da epidemia de C19 durante o surto pandêmico,
principalmente no período 2020-21. E talvez isso tenha entusiasmado uma grande
quantidade de milicos nos quarteis.
Movimento anti-extremista – a resistência final da delicada democracia via
retorno de Lula foi um revés para os militares. A batalha contra o bolsonarismo
nos poderes públicos se deu com revogações de decretos cabulosos e da Ordem do
Dia, e uma limpeza institucional com exoneração de muitos envolvidos em crimes
bolsonaristas.
No Congresso, o
bolsonarismo enfrenta a PL de Janones que o criminaliza, as muitas
investigações e prisões de apoiadores, de militares e de financiadores do
terror golpista, e a recente ação do PSOL ao STF sobre o desproporcional
aumento de gastos públicos das casas, requeridos por parlamentares que foram ao
CarnaGado.
Fora do ambiente político
profissional, alguns movimentos sociais organizados preparam uma série de
manifestos contra a possível comemoração do golpe de 1964, bem como homenagens
a Marielle Franco e outras mulheres no Dia Internacional da Mulher, e contra o
genocídio palestino.
O bolsonarismo resiste o
quanto pode ao remar contra a maré antifascista que contra-ataca em várias
frentes. Ele demonstra ser forte ao angariar e manter um público fiel, o que
exige cuidado da parte dos democratas, que sabem do poder da aliança
político-religiosa historicamente nazifascista.
Se politicamente a “direita
democrática” que ajudou na eleição de Lula tem oscilado por interesses fáceis que
pressionam o governo de plantão, os socialdemocratas têm como triunfo a maior
parte da patuleia não tolerar os crimes dos nazifascistas de plantão, que têm se mostrado mais graves do que os cometidos durante os governos anteriores.
Ainda assim, eles sabem que
lidar com esse povo exige jogo de cintura em assuntos espinhosos, como as questões
de gênero, direitos reprodutivos femininos e trans e descriminalização dos
usuários de drogas ilícitas. Vale restaurar a confiança nas instituições.
Nessa restauração entra a
luta contra a criminalidade política, como as denúncias já feitas por siglas
partidárias adversarias para as instituições judiciárias, e criar proposições
que garantam bem-estar e promovam os direitos fundamentais da sociedade. Isso é
defender as instituições democráticas. O resto é consequência.
Para saber mais
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