quinta-feira, 6 de junho de 2024

CURTAS 75 - ANÁLISES (jantar capitalista; PEC das praias)

 

A ponte global da direita

            Há algum tempo, alguns momentos de aparente proximidade entre Lula e o Tarcísio de Freitas deram origem à declaração midiática atribuída ao governador de SP de ser “um bolsonarista moderado”.
            A expressão fantasiosa caiu nas graças da grande mídia, que vislumbrou pesquisas sobre intenção de voto para 2026. Dias depois, um jantar entre Tarcísio, Campos Neto (BC) e o apresentador Luciano Huck viralizou na mesma classe midiática.
            Inicialmente o tema pareceu fútil, mas repensei. Pois os holofotes que iluminam as celebridades são os mesmos que ofuscam interesses político-econômicos obscuros. Para entender melhor, vale uma breve história.
            Huck x Regina – na corrida eleitoral de 2018, Huck chegou a ser cogitado a concorrer à presidência. Foi uma aposta midiática e capital, pois a celebridade era então popular, e o tucano Aécio Neves tentou (e conseguiu) o senado.
            Antes próximo de Aécio, Huck pulou para Sérgio Moro, após Lula ser preso. A aposta global foi, quiçá, compor uma “chapa presidencial ideal”, já que Moro largou a toga para entrar na política. Só que Huck desistiu da eleição.
            Em paralelo, a atriz Regina Duarte seguiu e surfou na onda bolsonarista, saindo da Globo. Bolsonaro a nomeou como subsecretária de 5º escalão e depois a chutou. Após passar vergonha com fake news, ela foi viver em Portugal.
            Talentosa, a veterana Regina tem currículo invejável, com passagem em novelas icônicas que lhe deram a fama de “namoradinha do Brasil”. Um contraste com a passagem política, vergonhosamente colapsada pelas fake news e pelo desprezo de Bolsonaro.
            Contradição – em seus contratos, a Globo tem uma cláusula que adverte com rescisão se o artista optar pela política. Por isso, ela chutou Regina sumariamente. Mas, curiosamente, a emissora mantém Luciano Huck. E não é por acaso: tudo é um projeto.
            A interpretação mais comum dessa contradição (ou dois pesos, duas medidas) é a de que Huck desistiu da política por conselho da sua família. Mas, valem as entrelinhas nessa hora, como deixa claro quem nele apostou.
            Continua – na real, Huck não desistiu. O jantar é prova cabal disso, e pouco antes, ele já apareceu em redes sociais se propagando em referência aos governos neoliberais de FHC – como se a economia brasileira já não fosse de mercado.
            Huck já teceu elogios sutis ao fracassado ex-ministro Paulo Guedes. Talvez seja por respeito à grande mídia “oficial” e ao rentismo, o grande benemérito que, vale sempre dizer, manda nos grandes meios de mídia dando o tom das notícias.
            Ele está mais presente na política do que pensamos. Mas, enquanto não se define o rumo da vida política – pode tentar o Parlamento para iniciar – ele segue em total discrição, sem deixar claro se mergulhará de vez ou não. Mas uma coisa podemos ver como certa.
            Estando Tarcísio de Freitas o queridinho cotado para a presidência em 2026, pode ser que Huck seja cabo eleitoral dele na corrida, ou se, por uma jogada político-midiática, entre como possível vice do agora governador paulista.
            Em caso de hipotética eleição de Tarcísio de Freitas, o apresentador poderá representar a mídia hegemônica em seu papel político, seja como vice-presidente, parlamentar ou em cargo próximo. A incerteza domina a cena no presente.
            Nem sabemos se Tarcísio continuará nessa posição confortável, e se Huck vai se engajar de vez ou não. As coisas virão em 2026, ano eleitoral e último do atual mandato lulista. A direita e a extrema-direita estão só aguardando Lula sair de cena. Para a esquerda, o recado: toda atenção é pouca agora, pois Huck é a ponte da direita.

Para saber mais
- https://www.youtube.com/watch?v=ferMPcgGpOM (A Voz Trabalhadora – jantar entre Huck, Tarcísio e Campos Neto)
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Perigos sutis da PEC das praias

            Enquanto muitos ainda comentam o jantar de Huck, Tarcísio e Campos Neto, no Congresso rola outra atividade: muita fala sobre a proposta de emenda constitucional (PEC) das praias.
            PEC3 – agora mais conhecida como PEC das praias, a PEC 3 foi elaborada em 2022. A Câmara dos Deputados é autora, por iniciativa do deputado Arnaldo Jordy (CIDADANIA/PA). O cerne da proposta é extinguir os “terrenos de marinha”.
            Marinhas – terreno de marinha é uma faixa imaginária contínua de 33 metros de largura, a partir do limite da preamar (maré alta) no litoral oceânico e em rios e lagos. Apesar do nome, a faixa pertence à União e se refere à natureza do ambiente costeiro.
            Ela foi criada por uma lei imperial de 1831, ainda válida pela Constituição atual. O motivo se relacionaria à segurança das habitações e outras construções, para caso de enchentes ou ressacas ocasionais de maré, já observadas naquela época.
            A faixa é bem definida. Em parte, há construções urbanas, loteadas por acordo entre União, prefeituras e particulares. A União arrecada pouco aproximadamente R$ 1,5 bilhão em impostos específicos, como o imperial e polêmico laudêmio.
            Contradição – em vídeo, o senador e relator da PEC Flávio Bolsonaro diz que ela não pretende privatizar as praias, só extinguir os terrenos de marinha e seus impostos. Até escorregar: “.... e particulares possam negociar as áreas sem ônus”.
            A PEC pode não propor privatizar praias, mas, se aprovada, dará margem a ilícitos. Pois, se as praias são públicas, já existem locais específicos “privatizados” com acesso proibido ao público – o que não é reconhecido pela legislação em vigor.
            Outras intenções – a justificativa do senador de que tais terrenos impedem investimento privado tem teor privatizante. Ele se exemplifica na cidade mexicana de Cancún, cujas praias são lotadas de resorts, hotéis-cassinos, restaurantes e boates de luxo.
            A referência faz sentido. Enquanto a PEC 3/2022 agita a geral, o texto-base do PL 2234/2022, que propõe legalizar os jogos de azar como jogo do bicho, corrida de cavalo e cassino, foi aprovado na Câmara. E essa PL nos dá outra referência.
            Em 2020, Flávio Bolsonaro passou férias em Fernando de Noronha com família e amigos empresários. Depois voou “em ofício” para México, EUA e Israel, onde conversou com empresários do turismo de luxo sobre hotéis-cassino.
            Enquanto a PEC 3/2022 agita o debate público, o texto-base do PL 2234/2022 foi aprovado na Câmara. O PL propõe legalizar os jogos de azar, como jogo do bicho, corrida de cavalo e cassinos. O autor é o senador Jorge Kajuru (PSB/GO).
            Daí haver uma convergência entre a PEC das praias e a PL dos jogos. Supondo a extinção dos terrenos de marinha, se abre a avenida para a especulação imobiliária de alto luxo em áreas de costa preservadas e as habitadas por povos tradicionais.
            Luxo antiambiental – a chance de especulação imobiliária nas áreas públicas ocasionará remoção de comunidades tradicionais de pescadores e coletores, e alterações estéticas degradantes no meio físico ferrando com os ecossistemas.
            Em geral, investidores não toleram os limites físicos legais. No intuito de lucrar mais, além das comunidades removidas, acessos públicos nos areais à frente serão impedidos, revelando-se o teor privatizante, mas ilegal, do empreendimento.
            E tudo com beneplácito público, com fiscalização faz-de-conta por acordo entre o empreendedor e a prefeitura, com direito à corrupção dos dois lados, e à perda da identidade cultural da pesca e coleta artesanais que acalentam o turismo.
            Fria análise – a manutenção dos terrenos de marinha se constitui, de certa forma, como ferramenta protetiva aos moradores litorâneos e ao ambiente. Vários estudos revelam que edificações muito próximas ao limite de preamar são sujeitas a fenômenos como ondas de ressaca ou cheia súbita, ou subsidência erosiva.
            Com aumento lento e inexorável do nível do mar, a distância de 33 metros será inútil em breve. Então vale extinguir o terreno de marinha? Não: o certo é um novo plano de implante de distanciamento, mais para o interior, para proteção.
            Balneário Camboriú (SC) é exemplo clássico desse problema. A faixa de areia à frente sumiu com o avanço do mar. Houve nova reposição pela prefeitura, mas a nova faixa já diminuiu por novo avanço. Gasto inútil de grana.
            Atafona (norte do RJ) é outro exemplo famoso do poder da erosão costeira sobre edificações antes turísticas. A vista atual das silenciosas ruínas cobertas de areia criou outra beleza, que fertiliza a imaginação dos observadores e turistas.
            Há outras cidades Brasil afora em situação parecida, que ainda sofrerão consequências. O que, em caso de aprove da PEC em tela, a situação poderá ser social e ambientalmente pior. E no final disso tudo, nem o luxo escapará.
 
Para saber mais
-  https://www.youtube.com/watch?v=nPxpuwJ4mHM. (Reinaldo Azevedo -  Flávio Bolsonaro confessa que PEC das praias favorece especulação imobiliária)
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