sábado, 22 de junho de 2024

CURTAS 77 - ANÁLISES (mídia e governo, PL do aborto)

 

Grande mídia vs Lula

          Lula 3 vive sob tensão e pressão desde o início. Congresso hostil, bolsonaristas nos espaços de poder, um país destruído pelo governo anterior e, agora, ameaças do Centrão e reivindicações de servidores públicos. Para tanto, há um fomentador.
            Mídia – a mídia hegemônica presta importante papel nessa pressão heterogênea e constante. Ela estabelece verdadeiro embate com o governo em searas diferentes, desde a saúde, as relações institucionais, a comunicação e a economia.
            Saúde federal – já nasceu subinvestida, mas só agora a mídia a cobre, como novidade. Defasagem de pessoal (70% são inativos), desvalorização da carreira e piora das condições de trabalho são relatos comuns. E aí veio a ministra Nísia Trindade.
            Ela ouviu servidores cansados de serem acusados da crise. Mas os deixou de lado, pressionada por gestores e jornalões sobre a “melhora” da rede federal, revoltando quem trabalha. E agora, parte do INCA está na integração público-privada.
            Relações institucionais – a pasta responsável pela articulação política do governo com o Congresso e Judiciário tem à frente Alexandre Padilha, desafeto de Arthur Lira – relação explorada pela grande mídia, que apoia o Centrão privatista.
            Comunicação – o ministro do setor mais fraco do governo é Juscelino Filho, ferrado de escândalos financeiros. Lula conversou com o UB, que disse “não ter outro”. Daí o petista mantê-lo a contragosto. Mas os jornalões não o perdoam.
            Economia – é onde a mídia mais se apraz em maldizer do governo. Melhores índices socioeconômicos, a mídia acusa “sorte de Lula”, subestimando a competência da sua equipe econômica. E insatisfeita, ela ainda inverte valores.
            Os jornalões chamam de “gastos” os investimentos em serviços públicos essenciais, e de “investimentos” os subsídios para empresas e bancos – uma visão mercantilista na qual surgiu o arcabouço fiscal.
            Este é na prática um teto de gasto mais qualificado, que só passou no Congresso após sujeitar serviços públicos essenciais a cortes para suprir “as necessidades do mercado”, para evitar “excessos nas despesas com serviços públicos”.
            Outro texto modificado pelo Congresso, a reforma tributária visava mitigar a carga das classes populares e tributar a elite. A mudança aprovada mais moderniza a distribuição tributária vigente do que diminui a carga na patuleia.
            Não bastassem as isenções tributárias, o agronegócio foi contemplado com o plano Safra de R$ 450 bilhões e a alta do dólar gera mais lucro nas exportações. Mas a galera do agro é gulosa.
            Haddad na berlinda – mesmo com os investimentos, Lula e Haddad estão sob pressão máxima. Sabemos que o capital é o fator real das oscilações econômicas, mas, a mando do mercado, a grande mídia acusa uma fala de Lula ou do ministro.
            O representante da elite do agro prometeu um “tratoraço” a Brasília, dizendo que “esse governo não serve mais” – apesar do Plano Safra recorde acima de R$ 400 bilhões. Com toda a sua inteligência e competência, Haddad está na berlinda.
            A ameaça de deposição é uma aposta da grande mídia com o capital financeiro desde sempre. Nenhum governo no pós-ditadura escapou desse gesto seletivamente maior para a centro-esquerda do que para neoliberais como FHC e Bolsonaro.
            A recente alta do dólar que mantém juros a 10,5% anuais para controlar a inflação piorou o clima. Tramitam nos corredores a PL da anistia do 8/1, e o AI-5 de Lira que pode suspender arbitrariamente os mandatos de governistas para atingir Lula.
            Isso tudo pode destruir o fogo amigo necessário à blindagem de Haddad. Sem o ministro, o governo Lula pode perder a solidez ainda vigente e até ser deposto, e os jornalões estão de olho: o capital tem seus líderes – nada alvissareiros para a nação.

Para saber mais
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Uma perigosa cortina de fumaça

           Enquanto Lula teve uma passagem no exterior em novas costuras, o Congresso tocou o terror. No Senado, um teatro de terror, e na Câmara, a truculência bolsonarista se revelava na Comissão de Direitos Humanos.
           Apelidada de PL antiaborto ou do estuprador, a PL 1409/2024 capitaneada por Sóstenes Cavalcante já foi abordada no blog. Mas surge uma pergunta nos canais da esquerda: o debate dessa proposta veio mesmo em momento oportuno?
            Limites – o código penal de 1940 já legalizava interrupção da gravidez a qualquer tempo em caso de risco à vida da mãe e estupro. O STF incluiu a anencefalia fetal após debate com obstetras, psicólogos, psiquiatras, enfermeiros e outros.
            O risco à vida materna tem fatores internos (patologia em que a gravidez fornece risco ou cause expulsão do embrião ou morte fetal), e/ou externos (trauma mecânico, ambiente de radiação ionizante, ingestão química indevida).
            O projeto propõe criminalizar a interrupção de vida viável punindo vítimas adultas a até 20 anos de prisão, e menores à medida socioeducativa (nome belo de uma prática horrível) até completar 18 anos. É uma anistia ao crime sexual.
            A interrupção sem motivo comprovado em laudo ou B.O é crime de até 3 anos de prisão. Aí, o Brasil é mais limitante do que Cuba, Colômbia, Guiana, Guiana Francesa (legislação da França), Uruguai e Argentina. México discute liberar.
            Tais limites se ligariam a fatores cultural-religiosos. Mas as nações citadas também surgiram em contexto parecido. O que nos diferencia delas é como investimos na educação sexual – pauta para outro artigo, pois o problema aqui é outro.
            Oportunismo político – a PL do aborto surgiu num contexto em que outras propostas de maior interesse estão em discussão. Ambas têm caráter essencialmente político e, se aprovadas, sua prática impactará muito a nação.
            Resolução 09/2024 – apelidada de AI-5 do Lira, ela propõe suspensão temporária de mandatos por indecoro pela mesa diretora da Câmara sem passar no Conselho de Ética. Risco: pode alvejar governistas para atingir o governo Lula.
            PL 5064/2023 – propõe anistiar acusados e condenados por atentado ao Estado democrático de direito (art. 359-L) e golpe de Estado (359-M do código penal de 1940). Risco: retorno político de Jair Bolsonaro e de futuro mais sombrio.
            Mas, o que tem a PL do aborto com isso? Muito. Como as bancadas do boi e da bala, a bíblica é bolsonarista e joga os evangélicos contra Lula com fake news. Vota contra medidas progressistas e se aproxima de Arthur Lira por privilégios.
            Fria análise final – a PL do estuprador surgiu em meio ao debate público invocado pela viralização do vídeo de alerta do deputado Glauber Braga (Psol-RJ) sobre os perigos subjacentes à proposta de Arthur Lira e a de anistia. Foi ele quem apelidou a primeira de “AI-5 do Lira”.
            Embora restrita à Câmara (regimental), a proposta de Arthur Lira poderá impactar a política nacional. O risco ao selecionar alvos governistas reside na relação tensa entre Lira e os ministros Haddad e Padilha.
            Antes da tensão com ministros, Lira pareceu ameaçar o governo ao exigir “mais respeito à Câmara”, em outras palavras. Sentindo nisso ameaça de deposição, Lula respondeu: “não sou Dilma”, se referindo à falta de malícia da ex-presidenta.
            Nesse ambiente político, a PL do estuprador virou uma cortina de fumaça para que oportunistas ajam nas sombras até a sonhada queda de Lula a partir da saída de Haddad. E na possível era de direita liberal ou extremista, grávidas por estupro poderão ser penalizadas.

Para saber mais
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