domingo, 23 de junho de 2024

CURTAS 78 - ANÁLISES (Moraes e mídia; atual chão de fábrica)

 

Moraes x Lira: perigo no ar?

            Arthur Lira assumiu “poder extraordinário” ao se tornar presidente da Câmara e se manter. Entre 2019-22, ele praticamente governou com Paulo Guedes no lugar de Bolsonaro. Com Lula 3, ele mostra que não pretende abdicar do poder.
            Em 2021, à Folha de S. Paulo, a ex-esposa Julyenne Lins o acusou de violência doméstica e fazê-la de laranja. Outras mídias (Terra, Brasil de Fato, Mídia Ninja, Agência Pública) também publicaram a matéria. Mas tiveram troco.
            Censura – Lira acionou censura judicial às matérias comprometedoras. A Agência Pública foi condenada também em outra entrevista na qual Julyenne revelou que foi estuprada por ele. E tudo chegou ao STF.
            O relator Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Toffoli e outros colegas deram votos favoráveis a Lira o absolvendo de todas as denúncias, inclusa a de envolvimento no caso kits de robótica que seriam destinados a escolas de Alagoas.
            Recuo seletivo – em 20/6, em nova decisão, Moraes recuou da censura às publicações feitas nos jornalões. Mas a mantém sobre as mídias alternativas. Não se sabe, porém, se foi alegada distorção.
            Pioneira na entrevista (2021), a Folha de S. Paulo cedeu a matéria para as demais, que resenharam, mas seguem censuradas – o que poderia revelar na conduta de Moraes um problemático compadrio empresarial e político.
            Impeachment – segundo o jurista Walter Maierovitch, a seletividade de Xandão o coloca em sério risco de impeachment. Político, esse processo cerimonioso é realizado pelo mesmo Senado que sabatina ministros e PGRs indicados pelo presidente da República.
            Os princípios de impessoalidade e publicidade do art. 37 da Constituição permitem à imprensa expor atos institucionais e de autoridades ao conhecimento público, garantindo a liberdade de imprensa reforçada pelo sigilo da fonte quando necessário.
            Tal liberdade não permite especificação de veículos garantidos em direito, pois é democrática, salvo em conteúdos provadamente inverídicos, os quais chamam os veículos responsáveis à responsabilidade prevista em lei.
            Fria análise – os informes de Julyenne Lins e o caso dos kits educativos de robótica vieram a público pelo jornalismo investigativo. No primeiro, o mérito é da Folha, e os demais são da Agência Pública – ainda condenada pelo TJ-DF ao fechar de olhos do STF.
            Agência Pública e Intercept Brasil têm grande mérito investigativo, bem como De Olho nos Ruralistas, premiada pelos dossiês sobre empreendimentos agrários de Lira em 115 fazendas, várias delas não declaradas ao TSE no pós-reeleição, e algumas ocupando parte de terra indígena homologada por Lula.
            Apesar de seu mérito, essas mídias são independentes, subsistindo de assinaturas pagas dos leitores, e mais sujeitas à ofuscação pelos jornalões e/ou pela Justiça, em nome de interesses particulares que violam os citados princípios constitucionais.
            Sabemos que muito dificilmente Moraes será destituído de seu cargo no STF. Sua ação sobre a intentona do 8/1 o coloca em alta conta aos olhos de políticos e mesmo da imprensa. Mas seu risco rudimentar sumirá de vez quando for democratizar a informação, por mais comprometedora a alguém que esta seja.

Para saber mais
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O chão de fábrica da era digital

            A 2ª fase industrial (séc. XIX) se caracterizou pela manufatura a vapor e carvão, cuja produção massiva extenuava os trabalhadores hiperexplorados, que dormiam entre as máquinas no local. Surge aí o chão de fábrica, expressão de Marx e Engels, conscientizadores de classe.
            Na 3ª fase industrial (séc. XX), a divisão em turnos propiciou mais empregos e os capitalistas então criticaram a antiga expressão, e ainda o temo burguesia, que passou a ser visto como ofensa aos segmentos sociais mais abastados, “que geram empregos e riqueza”.
            Mas, mesmo agora na 4ª fase (era digital), as duas expressões sobrevivem e continuam virais entre os esquerdistas. Como não se dorme mais nas fábricas, elas realmente parecem estranhas, mas os militantes revelam como o próprio capital mantém seu sentido.
            Trabalho remoto – no atual estágio, o trabalho online à distância virou realidade, tanto para os chefes quanto para os subordinados em muitas profissões. Aufere mais conforto ao dar maior contato com os familiares. Só que ele tem os seus custos, e custos nada alvissareiros.
            Por exemplo, funcionários de TICs sabem do início, mas não do fim de sua jornada de trabalho. Eles já sabem que ela poderá durar muito mais horas, se a empresa exigir. A jornada longa pode não ser problema, mas sim o nível de compensação.
            Muito bom – o emprego de desenvolvedor de TI explora o poder criativo do profissional, pode ser executado à distância e os salários em geral são altos. Mas pode ser efêmero: muitos profissionais são free lancers.
            A compensação destes depende do empregador e da tarefa executada. Pois aquele pode não cumprir a palavra, e esta última ser antiética ou ilegal, como a criação de desinformação (notícias falsas e conspirações)., hoje bastante comum no ciberespaço, com exemplos conhecidos.
            Ódio ideológico – o Google banca plataformas especializadas em divulgar desinformação. Pertencente ao Facebook, a Meta recruta operadores para treinar IA na abordagem de temas sensíveis ou chatos, verídicos ou distorcidos.
            Contratada por Tarcísio de Freitas (SP) para “ensinar” em escolas periféricas, a plataforma Brasil Paralelo hoje é referência na formação de historiadores no Centro Universitário Ítalo-Brasileiro, e mira os cursos de Geografia e Ciências Sociais, que também poderão ser coordenados por Rafael Nogueira.
            Monarquista-bolsonarista, Nogueira presidiu a Biblioteca Nacional entre 2019-22. A referência à plataforma conspiratória no curso de História foi apagada após reportagem investigativa da Agência Pública. O que, esclarecemos, não significa um fim de contrato.
            Centavos – para essas tarefas, os ganhos variam muito. Os citados contratados da Meta recebem centavos por sua produção, não importa o tempo e a criatividade despendidos. Situação parecida possivelmente ocorre em outras plataformas.
            Fria análise – os robôs da indústria digital substituem com vantagem a antiga força bruta humana com autonomia programada por comandos operados pelos humanos. Mas, por trás desse aparente contexto de conforto, nem tudo são flores.
            Por trás do conforto, trabalhadores remotos ganham salário 25% menor, impactando aqueles de menores ganhos, sem influenciar na jornada de trabalho constada em contrato. Aliás, até pelo contrário.
            Com a nova CLT (reforma trabalhista), o contexto trabalhista brasileiro ficou instável: terceirizados temporários substituem aos poucos os trabalhadores estáveis, com direitos subtraídos. Muitos nem sabem disso: trabalhadores por aplicativo acreditam ser empreendedores, por influência dos jornalões.
            Por isso tudo podemos dizer que o contexto tecnológico e local do mundo trabalhista apenas transforma o entendimento da expressão “chão de fábrica”. E, em nome do capital, em relação ao patronato, o termo burguesia permanece exatamente o mesmo de 170 anos atrás.

Para saber mais
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