Há muito tempo que vemos o
esporte olímpico como sinônimo de emoção e formação de novas referências em
nomes de destaque, de ponta nesse mundo do esforço.
Mas esporte tem
significados mais profundos e diversos, refletindo interesses antigos. De
religioso, ele passou a ser sociopolítico e capital.
Breve história – na antiguidade, a Grécia (ex-Hélade) era dividida
em vários reinos, que praticavam o mesmo politeísmo, em torno do templo sagrado
de Olimpia (cultura helênica).
Olímpia era o lar dos
deuses tutelados por Zeus. Entre ritos e festas, os fiéis simulavam guerras,
comiam e bebiam e... praticavam competição física festiva. Mas, fora dali, nem
tudo eram flores.
Élia e Esparta viviam um
conflito quando, no século VIII a.C., os respectivos reis Iftos e Licurgo
resolveram selar a paz com competição em Olímpia: era a primeira Olimpíada da
história.
Treinados pelos
comandantes, os atletas eram os soldados mais hábeis e fortes dos dois reinos.
Sua obrigatória nudez indicava desarme e liberdade. As plateias dos dois reinos
estavam unidas.
A seleção desses atletas e
o espírito mais secular e competitivo já indicavam o significado político dessa
olimpíada. O que se seguiria nos demais torneios, 11 séculos depois.
Ressurreição: novos rumos- Atenas, 1896: a olimpíada ressurge com o nome
de Jogos Olímpicos, por ter outros esportes. O local escolhido simbolizou o
renascer da Fênix nas cinzas.
A antiga aliança helênica
se converteu na expressão “união dos povos”, representada pelos 5
círculos (os 5 continentes principais) sobre fundo branco da paz. Válida até
hoje, a bandeira não impediu novos fatos.
Política- Munique, 1936: Adolf Hitler usou os Jogos
para camuflar a persecução e prisão de judeus, comunistas e LGBTQs, e
publicizar a suposta superioridade alemã. E viu um negro dos EUA ganhar de
alemão em corrida.
No pós-guerra, a entrada de
mais países e novos tipos esportivos distraíram a atenção pública da guerra
fria dos países capitalista x bloco sovietizado e as guerras civis na
África. Mas a maquiagem caiu depois, em parte.
Os Jogos do México
(1968) revelaram a crise racial no mundo; os de Munique (72) o velho
conflito Israel x árabes; e os de Moscou (80) a ausência hostil dos EUA escancaram
a Guerra Fria.
A guerra fria não morreu no
mundo atual. Em Paris (2024) houve incoerência com 2 países em guerra: Rússia
fora, Israel dentro. E detalhe: este último converteu uma simples resposta a um ataque a um genocídio globalmente condenável, inclusive pelo
direito internacional.
Explica-se. A França é um
dos países europeus membros da OTAN liderada pelos EUA. É pró-Israel e Ucrânia.
Por trás disso está a cartilha de um velho e poderoso sistema.
O capital- no pós-guerra surgiram novas nações e a indústria
esportiva explodiu. O que foi bem visto no símbolo olímpico de paz e união:
atletas de ponta de todo lugar se tornam referências globais.
Os campeões ganham medalhas
e em anúncios vendem suas imagens em grandes marcas como referências para
consumo potencial dos produtos anunciados, em todo o mundo.
E como referências para os potenciais consumidores, os atletas se tornam celebridades fáceis que vendem seu direito de imagem em fotos por aí e viram ídolos de referência para quem deseja transformar sua realidade social através do esporte, mesmo que este sozinho não garante uma riqueza plena.
Combinando imagem, marca e
consumidor, o esporte se torna uma carreira milionária. Mas, para poucos – o que
mascara muito bem os sacrifícios de muita gente por baixo, tanto atletas de fato quanto os muitos que, ignorados ao longe, os servem para conforto de suas práticas.
Escravidão moderna- grifes de moda moldam o mundo capitalista. Muitas
delas são esportivas: Nike, Mizuno, Reebock, Kappa, Topper, Speedo, Asics, Adidas, e muitas outras. A maioria
delas tem origem ocidental.
Os apreciadores sabem das
origens das marcas, mas não que nos países natais só estão seus escritórios. As
fábricas estão, sobretudo, nos países do Sul Global, inclusos os do centro asiático.
Os operários que confeccionam os uniformes desenhados em projetos nos escritórios atuam em locais
em geral precários em infraestrutura. Muitos dormem in loco, entre máquinas e diversos
restos de materiais, após jornadas diárias extenuantes – economizam tempo e
maximizam o descanso.
Para cada uniforme novo
lançado há mais trabalho em pouco tempo. Com a dignidade desprezada, os
operários dão seu máximo para obter algum ganho em troca de alimento melhor.
As marcas esportivas com
esse triste histórico são, infelizmente, apenas alguns dos partícipes do problema. As marcas de moda
de luxo são as maiores sustentadoras desse mal, que é continuado, apesar das
denúncias. O volume de grana em dólar ou euro para calar denunciadores ou propalar negações é muito alto.
Daí vem outra consequência nada agradável.
Poluição- toneladas de peças com defeito e modelos pretéritos
de uniformes esportivos são depositadas na África e no sul asiático. Centenas
de miseráveis recolhem grandes quantidades, vestem as peças que mais gostam e vendem as demais.
Como os uniformes
esportivos são feitos de matéria sintética, seus restos terminam nos oceanos,
carreados pelos rios ou por despejados por navios cargueiros, transformando-se
em microplásticos.
Existentes no mar, no ar, no solo e em nossos corpos, os microplásticos derivam das intempéries físicas (calor excessivo, sal marinho, turbidez da água, etc.) sobre os corpos plásticos comuns erroneamente descartados no ambiente. Estima-se que em 2050 teremos mais plásticos do que peixes nos oceanos.
Olimpíada sustentável- os Jogos de Paris nos revelaram o rio Sena metendo a
Guanabara no chinelo após seus coliformes. Isso remeteu à memória sobre a
sustentabilidade no esporte.
A sustentabilidade no
esporte tem sido sustentada em exemplos como o da CBF, que já apresentou uniforme
da seleção produzido com PET reciclado. Um fato válido, mas limitado em si.
Em uma Copa, todas as
seleções podem ter uniformes de material reciclado. Uma olimpíada reúne muitas
modalidades esportivas de mais de 100 países – e aí entra uma questão bastante complexa, mas necessária.
A sustentabilidade tem um
significado bem mais abrangente. Não basta ser apenas ecologicamente correto.
Também deve sê-lo no humano. Eis um duro desafio para o esporte no futuro. O planeta já cobra pesado com as mudanças climáticas, que podem afetar a viabilidade da "união dos povos" em torneios esportivos.
Para saber mais
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