sexta-feira, 23 de agosto de 2024

ANÁLISE: Por trás das Olimpíadas

      Há muito tempo que vemos o esporte olímpico como sinônimo de emoção e formação de novas referências em nomes de destaque, de ponta nesse mundo do esforço.
            Mas esporte tem significados mais profundos e diversos, refletindo interesses antigos. De religioso, ele passou a ser sociopolítico e capital.

            Breve história – na antiguidade, a Grécia (ex-Hélade) era dividida em vários reinos, que praticavam o mesmo politeísmo, em torno do templo sagrado de Olimpia (cultura helênica).
            Olímpia era o lar dos deuses tutelados por Zeus. Entre ritos e festas, os fiéis simulavam guerras, comiam e bebiam e... praticavam competição física festiva. Mas, fora dali, nem tudo eram flores.
            Élia e Esparta viviam um conflito quando, no século VIII a.C., os respectivos reis Iftos e Licurgo resolveram selar a paz com competição em Olímpia: era a primeira Olimpíada da história.
            Treinados pelos comandantes, os atletas eram os soldados mais hábeis e fortes dos dois reinos. Sua obrigatória nudez indicava desarme e liberdade. As plateias dos dois reinos estavam unidas.
            A seleção desses atletas e o espírito mais secular e competitivo já indicavam o significado político dessa olimpíada. O que se seguiria nos demais torneios, 11 séculos depois.
            Ressurreição: novos rumos- Atenas, 1896: a olimpíada ressurge com o nome de Jogos Olímpicos, por ter outros esportes. O local escolhido simbolizou o renascer da Fênix nas cinzas.
            A antiga aliança helênica se converteu na expressão “união dos povos”, representada pelos 5 círculos (os 5 continentes principais) sobre fundo branco da paz. Válida até hoje, a bandeira não impediu novos fatos.

            Política- Munique, 1936: Adolf Hitler usou os Jogos para camuflar a persecução e prisão de judeus, comunistas e LGBTQs, e publicizar a suposta superioridade alemã. E viu um negro dos EUA ganhar de alemão em corrida.
            No pós-guerra, a entrada de mais países e novos tipos esportivos distraíram a atenção pública da guerra fria dos países capitalista x bloco sovietizado e as guerras civis na África. Mas a maquiagem caiu depois, em parte.
            Os Jogos do México (1968) revelaram a crise racial no mundo; os de Munique (72) o velho conflito Israel x árabes; e os de Moscou (80) a ausência hostil dos EUA escancaram a Guerra Fria.
            A guerra fria não morreu no mundo atual. Em Paris (2024) houve incoerência com 2 países em guerra: Rússia fora, Israel dentro. E detalhe: este último converteu uma simples resposta a um ataque a um genocídio globalmente condenável, inclusive pelo direito internacional.
            Explica-se. A França é um dos países europeus membros da OTAN liderada pelos EUA. É pró-Israel e Ucrânia. Por trás disso está a cartilha de um velho e poderoso sistema.
            
            O capital- no pós-guerra surgiram novas nações e a indústria esportiva explodiu. O que foi bem visto no símbolo olímpico de paz e união: atletas de ponta de todo lugar se tornam referências globais.
            Os campeões ganham medalhas e em anúncios vendem suas imagens em grandes marcas como referências para consumo potencial dos produtos anunciados, em todo o mundo.
            E como referências para os potenciais consumidores, os atletas se tornam celebridades fáceis que vendem seu direito de imagem em fotos por aí e viram ídolos de referência para quem deseja transformar sua realidade social através do esporte, mesmo que este sozinho não garante uma riqueza plena.
            Combinando imagem, marca e consumidor, o esporte se torna uma carreira milionária. Mas, para poucos – o que mascara muito bem os sacrifícios de muita gente por baixo, tanto atletas de fato quanto os muitos que, ignorados ao longe, os servem para conforto de suas práticas.

            Escravidão moderna- grifes de moda moldam o mundo capitalista. Muitas delas são esportivas: Nike, Mizuno, Reebock, Kappa, Topper,  Speedo, Asics, Adidas, e muitas outras. A maioria delas tem origem ocidental.
            Os apreciadores sabem das origens das marcas, mas não que nos países natais só estão seus escritórios. As fábricas estão, sobretudo, nos países do Sul Global, inclusos os do centro asiático.
            Os operários que confeccionam os uniformes desenhados em projetos nos escritórios atuam em locais em geral precários em infraestrutura. Muitos dormem in loco, entre máquinas e diversos restos de materiais, após jornadas diárias extenuantes – economizam tempo e maximizam o descanso.
            Para cada uniforme novo lançado há mais trabalho em pouco tempo. Com a dignidade desprezada, os operários dão seu máximo para obter algum ganho em troca de alimento melhor.
            As marcas esportivas com esse triste histórico são, infelizmente, apenas alguns dos partícipes do problema. As marcas de moda de luxo são as maiores sustentadoras desse mal, que é continuado, apesar das denúncias. O volume de grana em dólar ou euro para calar denunciadores ou propalar negações é muito alto.
            Daí vem outra consequência nada agradável.

            Poluição- toneladas de peças com defeito e modelos pretéritos de uniformes esportivos são depositadas na África e no sul asiático. Centenas de miseráveis recolhem grandes quantidades, vestem as peças que mais gostam e vendem as demais.
            Como os uniformes esportivos são feitos de matéria sintética, seus restos terminam nos oceanos, carreados pelos rios ou por despejados por navios cargueiros, transformando-se em microplásticos.
            Existentes no mar, no ar, no solo e em nossos corpos,  os microplásticos derivam das intempéries físicas (calor excessivo, sal marinho, turbidez da água, etc.) sobre os corpos plásticos comuns erroneamente descartados no ambiente. Estima-se que em 2050 teremos mais plásticos do que peixes nos oceanos.

            Olimpíada sustentável- os Jogos de Paris nos revelaram o rio Sena metendo a Guanabara no chinelo após seus coliformes. Isso remeteu à memória sobre a sustentabilidade no esporte.
            A sustentabilidade no esporte tem sido sustentada em exemplos como o da CBF, que já apresentou uniforme da seleção produzido com PET reciclado. Um fato válido, mas limitado em si.
            Em uma Copa, todas as seleções podem ter uniformes de material reciclado. Uma olimpíada reúne muitas modalidades esportivas de mais de 100 países – e aí entra uma questão bastante complexa, mas necessária.
            A sustentabilidade tem um significado bem mais abrangente. Não basta ser apenas ecologicamente correto. Também deve sê-lo no humano. Eis um duro desafio para o esporte no futuro.  O planeta já cobra pesado com as mudanças climáticas, que podem afetar a viabilidade da "união dos povos" em torneios esportivos.

Para saber mais
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