O pânico moral é uma
expressão recente para uma série de conflitos de portes variados. Do antigo nazifascismo
ao discurso de ódio da nova extrema-direita, ele tem muitas facetas. E hoje a
saúde é um alvo de ataques.
Grandes epidemias
infecciosas foram atribuídas à ira divina por séculos, como a varíola, a hanseníase e a peste
bubônica. Associada à falta de higiene, a peste matou 1/3 dos europeus
medievais.
A 1ª vacina (1776) corroborou
a transmissão biológica antes só deduzida, mas o seu patógeno permaneceu ignorado até o século XX, com
o avanço da microscopia que originou a Bacteriologia e, depois, a Virologia que
estuda os vírus.
Hoje conhecemos numerosos
vírus e suas variantes. E um deles causa uma doença muito simbolizada em ondas moralistas reacionárias.
Uma
pandemia simbólica – nos anos 1980 surgiu uma
‘novidade’ pandêmica. Era a síndrome da imunodeficiência adquirida
(SIDA, AIDS em inglês) que “zera” o sistema imunológico e mata por infecções
oportunistas ou pelo sarcoma de Kaposi.
Seu vírus HIV foi
descoberto nos anos 1950 em macacos africanos, e 20 anos depois em humanos. Mas
só panicou depois, em grupos sociais específicos adoecidos nos EUA. Surgiram
cultos exorcistas que evocaram os tempos antigos.
Pecado
x ciência – então descoberta em homossexuais masculinos, a AIDS foi chamada de “câncer gay”. Mas a alcunha sumiu após o HIV
ser visto em qualquer grupo social, aumentando os exorcismos e, lógico, a desconfiança íntima.
Houve mais divórcios e muitas famílias
enlutadas. O fármaco AZT veio e não resolveu. O melhor era a prevenção –
em que o Brasil brilhou em intensa campanha de sexo com informação, uso de preservativo e, depois,
no coquetel anti-HIV.
Esse coquetel antirretroviral
anula a carga viral de soropositivos com sobrevida sadia. A camisinha virou segurança
adicional. Disponível no SUS no fim dos 1990, a soma freou o HIV por quase 20
anos.
Essa era dourada durou até 2016,
quando a soma de autoconfiança exacerbada e reviravoltas sociopolíticas fez
ascender a ideologia sexista da nova extrema-direita e o vale-tudo
bolsonarista.
Revés – entre 2016-22, a confiança fez geral esquecer do
passado. Com cortes orçamentários e contratuais, o governo Bolsonaro dificultou
o acesso ao coquetel e preservativos no SUS e os bloqueou nos presídios. Crimes
sexuais explodiram.
Bolsonaro findou contratos
com farmacêuticas que forneciam medicamentos ao SUS. Dizendo que o coquetel “não
deveria estar no SUS”, ele desmontou o programa de referência de combate ao
HIV. Mas a medicação não sumiu de todo.
Entre os absurdos ditos por
líderes religiosos reacionários vieram preconceitos contra a camisinha, como “coisa
do diabo” e outros ditos correlatos fomentando o comportamento inseguro de muita gente.
A forte (e necessária) midiatização
da pandemia de C19 no país praticamente ofuscou o espaço para a divulgação sobre
novos dados sobre o HIV na época, ajudando a alimentar o seu recrudescimento.
Lula
e os perigos atuais – Lula assumiu um Brasil
bolsonarizado e alarmado com a crise de dengue que assola as Américas. Voltou o
programa anti-HIV, mas agora os resultados demorarão um pouco.
Além do absurdo do
desmonte citado, a pressa em retomar o programa se baseou no novo levantamento
estatístico do Programa da ONU sobre HIV/AIDS (UNAIDS): só o Brasil teve mais de uma morte por hora em 2022.
Alarmada com o resultado do
desmonte bolsonarista, a equipe de governo se debruça sobre estudos paralelos
sobre os desenvolvimentos da vacina anti-HIV e de antirretrovirais mais
potentes.
É um momento crítico, visto
haver outros desafios como mais investimento em vacinação massiva contra a
dengue e a gripe em momento de avanço da febre Oropouche, de origem silvestre amazônica, agora epidêmica.
Uma
reflexão final – tecnicamente, o
recrudescimento do HIV-AIDS nos governos anteriores revelou não só a inépcia da
política de saúde, como também sugere uma sobreposição com a C19.
A onda de HIV já ocorria
quando a C19 se alastrou no Brasil – o que pode sugerir a C19 como infecção
oportunista fatal em soropositivos HIV sem tratamento, contribuindo para a
mortandade da pandemia.
A sugestão supracitada não tem intento
conspiratório, muito menos acusador. É apenas uma dedução, diante da
complexidade do tema de inter-relação entre a AIDS manifesta e as infecções
oportunistas.
Assim como o Corona, o vírus
HIV veio para ficar. E como com aquele, o seu crescimento soou como um "agradecimento" às
violações implementadas pela política reacionária contra a ciência, educação e o
SUS.
Assim como o Corona, o HIV
é um vírus controlável, por enquanto via informação e sexo seguro entre soronegativos,
e o coquetel adicional para os soropositivos. Enquanto a vacina ou
antirretrovirais combatentes não chegam aqui.
É fundamental a educação política para impedir o avanço do reacionarismo anticientífico, e em prol dos
direitos fundamentais e da própria vida coletiva de forma integral.
Afinal, o que vale é a ciência
– na qual todos os governos devem investir como política pública.
Para saber mais
- https://catracalivre.com.br/cidadania/em-video-bolsonaro-se-diz-contra-medicamentos-gratis-para-hiv/
----
Nenhum comentário:
Postar um comentário