domingo, 11 de agosto de 2024

ANÁLISES - Pânico moral: o HIV agradece

 

          O pânico moral é uma expressão recente para uma série de conflitos de portes variados. Do antigo nazifascismo ao discurso de ódio da nova extrema-direita, ele tem muitas facetas. E hoje a saúde é um alvo de ataques.
            Grandes epidemias infecciosas foram atribuídas à ira divina por séculos, como a varíola, a hanseníase e a peste bubônica. Associada à falta de higiene, a peste matou 1/3 dos europeus medievais.
            A 1ª vacina (1776) corroborou a transmissão biológica antes só deduzida, mas o seu patógeno permaneceu ignorado até o século XX, com o avanço da microscopia que originou a Bacteriologia e, depois, a Virologia que estuda os vírus.
            Hoje conhecemos numerosos vírus e suas variantes. E um deles causa uma doença muito simbolizada em ondas moralistas reacionárias.

            Uma pandemia simbólica – nos anos 1980 surgiu uma ‘novidade’ pandêmica. Era a síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA, AIDS em inglês) que “zera” o sistema imunológico e mata por infecções oportunistas ou pelo sarcoma de Kaposi.
            Seu vírus HIV foi descoberto nos anos 1950 em macacos africanos, e 20 anos depois em humanos. Mas só panicou depois, em grupos sociais específicos adoecidos nos EUA. Surgiram cultos exorcistas que evocaram os tempos antigos.
            Pecado x ciência – então descoberta em homossexuais masculinos, a AIDS foi chamada de “câncer gay”. Mas a alcunha sumiu após o HIV ser visto em qualquer grupo social, aumentando os exorcismos e, lógico, a desconfiança íntima.
            Houve mais divórcios e muitas famílias enlutadas. O fármaco AZT veio e não resolveu. O melhor era a prevenção – em que o Brasil brilhou em intensa campanha de sexo com informação, uso de preservativo e, depois, no coquetel anti-HIV.
            Esse coquetel antirretroviral anula a carga viral de soropositivos com sobrevida sadia. A camisinha virou segurança adicional. Disponível no SUS no fim dos 1990, a soma freou o HIV por quase 20 anos.
            Essa era dourada durou até 2016, quando a soma de autoconfiança exacerbada e reviravoltas sociopolíticas fez ascender a ideologia sexista da nova extrema-direita e o vale-tudo bolsonarista.

            Revés – entre 2016-22, a confiança fez geral esquecer do passado. Com cortes orçamentários e contratuais, o governo Bolsonaro dificultou o acesso ao coquetel e preservativos no SUS e os bloqueou nos presídios. Crimes sexuais explodiram.
            Bolsonaro findou contratos com farmacêuticas que forneciam medicamentos ao SUS. Dizendo que o coquetel “não deveria estar no SUS”, ele desmontou o programa de referência de combate ao HIV. Mas a medicação não sumiu de todo.
            Entre os absurdos ditos por líderes religiosos reacionários vieram preconceitos contra a camisinha, como “coisa do diabo” e outros ditos correlatos fomentando o comportamento inseguro de muita gente.
            A forte (e necessária) midiatização da pandemia de C19 no país praticamente ofuscou o espaço para a divulgação sobre novos dados sobre o HIV na época, ajudando a alimentar o seu recrudescimento.

            Lula e os perigos atuais – Lula assumiu um Brasil bolsonarizado e alarmado com a crise de dengue que assola as Américas. Voltou o programa anti-HIV, mas agora os resultados demorarão um pouco.
            Além do absurdo do desmonte citado, a pressa em retomar o programa se baseou no novo levantamento estatístico do Programa da ONU sobre HIV/AIDS (UNAIDS): só o Brasil teve mais de uma morte por hora em 2022.
            Alarmada com o resultado do desmonte bolsonarista, a equipe de governo se debruça sobre estudos paralelos sobre os desenvolvimentos da vacina anti-HIV e de antirretrovirais mais potentes.
            É um momento crítico, visto haver outros desafios como mais investimento em vacinação massiva contra a dengue e a gripe em momento de avanço da febre Oropouche, de origem silvestre amazônica, agora epidêmica.

            Uma reflexão final – tecnicamente, o recrudescimento do HIV-AIDS nos governos anteriores revelou não só a inépcia da política de saúde, como também sugere uma sobreposição com a C19.
            A onda de HIV já ocorria quando a C19 se alastrou no Brasil – o que pode sugerir a C19 como infecção oportunista fatal em soropositivos HIV sem tratamento, contribuindo para a mortandade da pandemia.
            A sugestão supracitada não tem intento conspiratório, muito menos acusador. É apenas uma dedução, diante da complexidade do tema de inter-relação entre a AIDS manifesta e as infecções oportunistas.
            Assim como o Corona, o vírus HIV veio para ficar. E como com aquele, o seu crescimento soou como um "agradecimento" às violações implementadas pela política reacionária contra a ciência, educação e o SUS.
            Assim como o Corona, o HIV é um vírus controlável, por enquanto via informação e sexo seguro entre soronegativos, e o coquetel adicional para os soropositivos. Enquanto a vacina ou antirretrovirais combatentes não chegam aqui.
            É fundamental a educação política para impedir o avanço do reacionarismo anticientífico, e em prol dos direitos fundamentais e da própria vida coletiva de forma integral.
            Afinal, o que vale é a ciência – na qual todos os governos devem investir como política pública.

Para saber mais
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