terça-feira, 27 de agosto de 2024

CURTAS 81 - ANÁLISES (Patativa do Assaré e esquerda; Silvio Santos)

 

Patativa do Assaré, uma reflexão à esquerda

      Patativa do Assaré (1909-2002) foi um poeta popular e repentista cearense. Ícone da cultura sertaneja, ele imprimiu uma beleza que lhe valeu a alcunha Patativa, em referência tupi a um pássaro nativo de belo e complexo canto.
           Em 2002 ele se foi sem, talvez, ter conhecido a internet. Mas foi imortalizado nela graças às suas frases diretas e contundentes sobre os fatos políticos. Mas, será que todos entendem as suas intenções?
             Palanques virtuais – as redes sociais se tornaram verdadeiros palanques políticos, com a vantagem da capilaridade de amplo alcance entre o público, e vídeos transmitidos em tempo real.
            Vantagens à parte, os palanques virtuais não substituem os tradicionais comícios físicos: uma massa variável comparece para acompanhar de perto as falas políticas. O que é excelente para alguns.
            Dominância à direita – as redes sociais são o espaço preferido dos partidários da extrema-direita. Neles, eles podem desferir sua fala raivosa e garantir a atenção imediata às necessidades do povo.
            Nesse sentido, sem a necessária criticidade, a patuleia cansada de tanta espera tem a impressão de que “eles nos entendem”. É como se fosse estabelecido um respeito mútuo, na verdade não real.
            O proveito do valor da verticalidade hierárquica pela extrema-direita abriu portas para a desinformação sistemática, que se torna “lei” se criada pelos “de cima” (os políticos ou quem os financia).
            Desempenho da esquerda – no heterogêneo campo da esquerda, militância, políticos e partidos também criaram perfis nas redes sociais, visando maior alcance público. Mas surgiu um problema.
            O número de seguidores de perfis de esquerda é hoje menor do que os da direita e extrema-direita. A influência do bolsonarismo é apenas um dos fatores do mau desempenho da esquerda online.
            Outros predisponentes para o seu menor desempenho nas redes são: mudança de perfil sociopolítico, e conduta/linguagem.
            Mudança no perfil sociopolítico- no fim dos anos 1990, internet e neoliberalismo implicaram mudanças sociais em educação, ciência, tecnologias, mentalidade geral, religiosidade, etc.
            A rede modificou as interações, e o neoliberalismo diluiu a consciência de classe, a definição funcional essencial de Estado enquanto necessário, e confundiram definições de direita e esquerda. A sapiência ficou mais confusa.
            Conduta/linguagem- a esquerda só chegou a governar sob a conciliação classista de Lula. Na política social, ela deixou reflexos tão profundos que sobreviveram ao ataque bolsonarista. Daí Lula se manter popular e estar no 3º governo.
            Mensageiros online como ICQ já existiam quando Lula tomou posse. Mais tarde, a direita se apropriou do MSN, do Facebook e do X (o antigo Twitter). O discurso popular de Lula procrastinou a esquerda online.
            Os perfis de esquerda nas redes inicialmente bombaram, com muitos seguidores em pouco tempo. Mas depois o clima mudou. E a culpa por isso é dos próprios autores dos perfis – inclusos os oficiais do governo.
            Embora a essência ideológica popular permaneça, a linguagem ficou acadêmica a partir dos anos 1960, na conquista das classes médias, que ainda dominam as universidades públicas.
            Por conta disso, a extrema-direita que se autodenomina antissistema se apropriou das palavras-chave da esquerda com distorções de sua essência, capturando o apoio popular com maestria.
            Fria análise final - embora a essência popular da esquerda permaneça, a linguagem ficou acadêmica a partir dos anos 1960, na conquista das classes médias, que ainda dominam as universidades públicas.
            Uma escrita acadêmica reflete, em primeiro lugar, a distância entre governos e o povo. As propostas postadas podem ser pró populares, mas o povo as ignora ou despreza, em clara indicação de que a linguagem das postagens deve ser... popular.
            É aí que cabe muito bem a lição de Patativa do Assaré: “É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”. Afinal, “o poder do povo é enorme”. Esquerda, reaproxime-se das classes populares e reassuma a sua essência, nas ruas e nas redes.
            
Para saber mais
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O outro legado de Silvio Santos

            Inaugurada com a emissora Tupi em 1950 no Brasil numa residência abastada, a televisão, ou simplesmente TV, se popularizou rápido. No interior, famílias se reuniam em praças para ver a TV à noite.
            Foi nesse contexto que programas de auditório e novelas competiam pela audiência popular. Surgida em 1965, a emissora Globo comprou a Tupi e a programação dominical foi dominada por uma figura: Silvio Santos.
            A figuraSenor Abravanel era carioca, filho primogênito de imigrantes judeus sefarditas. Iniciou sua vida como camelô e vendedor esbanjando seu talento de comunicação fluida e simpática atraindo os consumidores.
            Ele virou referência popular, e foi chamado para apresentar anúncios e programas no rádio. Uma porta aberta para a TV, em São Paulo, na qual entraria assumindo o nome artístico Silvio Santos, no início dos anos 1960.
            A carreira – ele iniciou apresentando “Vamos brincar de forca”, na extinta TV Paulista. Depois foi para a TV Globo, onde apresentou o diversificado e popular dominical Programa Silvio Santos, que durava até a noite. Um suce$$o.
            Em meados dos anos 1970, ele saiu da Globo e criou o Grupo Silvio Santos, depois Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), no qual criou dominical no molde do global, porém mais curto, para diversificar a programação e atrair mais audiência.
            No mudo dos programas de auditório, ele tinha mais audiência do que os outros apresentadores mais novos no SBT. O seu carisma era incontestável e pode não ser facilmente substituído.
            O fim – Silvio atuou por mais de 60 anos na TV. Afastou-se ao contrair gripe H1N1, complicada em broncopneumonia, falecendo aos 93 anos. Deixou a esposa Íris, e 6 filhas, 14 netos e 4 bisnetos.
            Além de todo o negócio a ser tocado pelas filhas, ele deixou uma fortuna em espécie avaliada em mais de R$ 3, 4 bilhoes.
            O Legado – no país dos “Q.Is.”, Silvio Santos pode ser considerado uma exceção notável de sucesso profissional e social por mérito próprio. Claro que, não fosse o povo do rádio, ele talvez não chegasse aonde chegou.
            Foi bem premiado e homenageado, e também premiou e homenageou gente da TV. Inspirou novos apresentadores como Gugu Liberato, Celso Portiolli, Fausto Silva, Luciano Huck e outros. E ainda tentou outro caminho.
            A política – talento e carisma fizeram de Silvio Santos uma das figuras mais populares da história da TV brasileira. A Globo aproveitou essas qualidades para escapar à pesada censura da ditadura, e manter a audiência no Fantástico à noite.
            Popularidade e premiações na época aproximaram Silvio da política. Em 1988 se filiou ao extinto PFL, para concorrer à prefeitura de São Paulo, sem sucesso. Em 1989 se filiou ao nanico e extinto PMB para tentar a presidência.
            Liderou nas pesquisas de intenção de voto. Mas, segundo a mídia, sua candidatura foi cassada pelo TSE devido a uma irregularidade do PMB acusada em ação de Eduardo Cunha. E desde então, Silvio não tentou mais a carreira política.
            Entretanto, por interesse empresarial, a sua proximidade com representantes políticos da direita permaneceu. Ele pulou para o Democratas (hoje União Brasil), onde se manteve até o fim de sua vida.
            Fria análise – no âmbito político, a aventura de Silvio Santos a partir do pós-ditadura fez a geral considera-lo um democrata. Só que não: ele era próximo dos militares, como Ernesto Geisel e João Figueiredo.
            Em 1975, o ministro da Comunicação Euclides Quandt de Oliveira avalizou a licença funcional de canal de TV aberta, com a segunda maior concessão pública, atrás apenas da eterna líder Globo.
            O tom ameno do telejornalismo do SBT denunciava concordância com o regime, para que os seus negócios televisivos não sofressem censura e seu prestígio junto à sociedade não fosse arranhado.
             A aproximação com Lula não tornou Silvio um empresário socialdemocrata. Com o mesmo carisma do presidente, ele permaneceu como sempre, à direita – e se foi deixando como legado o carinho popular que Roberto Marinho ou Humberto Saad (Band) não tiveram.

Para saber mais
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