Parte 1: homens, bolsonarismo e penas
Devido
à longa paralisia, a Justiça só respondeu ao apelo popular na era Lula 3. O
ex-MJ Flávio Dino federalizou o caso para retomar investigações. Os Bolsonaro se
enervaram, o que desenterrou entre os antibolsonaristas a suspeita de eles
estarem por trás do crime.
Mas as informações divulgadas das delações premiadas dos envolvidos presos não
envolvem os Bolsonaro, e sim os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, respectivamente
conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do RJ, e deputado federal.
Segundo
as delações premiadas, eles estão entre os denunciados por Marielle por autorizar
loteamentos ilegais em áreas de preservação no entorno de favelas da zona oeste
dominadas por eles e pela milícia a eles relacionada.
Mas
isso não acalma a famiglia Bolsonaro: eles têm forte ligação com os
envolvidos, tanto com os assassinos, da milícia Escritório do Crime,
especializada em matadores de aluguel, quanto com os Brazão.
O
julgamento – enfim, após muitas
reivindicações de movimentos sociais, partidos políticos e familiares de
Marielle, o julgamento se iniciou em 30/10 contando com a presença, em primeiro
plano, das famílias da vereadora e do motorista.
Nesse
dia, a mídia mostrou um Chiquinho Brazão abatido na prisão e declarando
preferir “ter morrido no lugar de Marielle”. Em aparente frieza na
videoconferência, Ronnie pediu perdão aos familiares, sem impedir a sentença
determinada no dia seguinte.
Condenações- ao ler a sentença em tom delicado, porém firme, a
juíza Lúcia Glioche disse que “a sentença não serve para tranquilizar as
vítimas que são os familiares. [...]. A pessoa que é assassinada deixa um vácuo
que palavra nenhuma descreve”.
Apesar
da participação dos Brazão, até o momento os dois condenados foram os
assassinos. Ronnie Lessa pegou 78 anos, 9 meses e 30 dias, e Élcio de Queiroz,
a 59 anos, 8 meses e 10 dias de reclusão, por duplo homicídio qualificado.
Além
das prisões em regime fechado, Lessa e Queiroz ainda terão que indenizar os
familiares das vítimas em cerca de R$ 706 mil. Em suma, essa é uma das
penalidades mais duras aplicadas a homicidas qualificados.
Mas
o contentamento geral ainda não foi plenamente alcançado. Falta ainda julgar os
irmãos Brazão, considerados, até prova em contrário, os mandantes do crime.
Mudem
os jurados – no segundo e último dia,
o julgamento teve júri popular. Normalmente, o grupo tem 7 pessoas e a sua
função é contribuir com observações pessoais sobre a gravidade e o contexto do
crime e suas consequências sociais e às famílias das vítimas.
Nessas observações, eles dão um tom menos frio, mas com razoabilidade.
Os componentes são escolhidos por sorteio. Legalmente, o tribunal pode substituir até
3 pessoas, a pedido da acusação ou da defesa dos réus. Mais comum do que se
imagina, o processo aconteceu nesse julgamento.
Aí
aconteceu a singularidade: a defesa dos réus exigiu a substituição das duas
mulheres por homens. Formou-se um júri masculino de meia idade e pele clara. Quatro
desses homens se revelaram alinhados com valores bolsonaristas.
E
veio uma inquirição aterradora. A acusação e a assistência de acusação inquiriram
aos familiares com essa pergunta: “Qual a falta que Marielle faz para a família
dela?”. Me perguntei se os inquiridores são assim tão insensíveis às suas
próprias famílias.
Os
familiares e a Mônica tiveram que explicar, como que para provar, o quão
essencial foi Marielle em suas vidas. Coube à viúva reunir as duas Marielles –
a pessoa e a política – em uma só, já que a defesa dos réus a dividiu para
justificar o crime.
Pois
é. Os familiares tiveram que explicar, de forma cabal, por que a vida de Marielle tinha tanto
valor e por que o tamanho da falta. A defesa dos réus conseguiu a façanha de medir o valor da vítima.
Furtivamente,
esse foi o intento da defesa: repassar o julgamento dos réus sobre a vítima. A
substituição das mulheres pelos homens reforçaria o ideário bolsonarista, cujos
os defensores são majoritariamente homens.
Mas,
segundo Fábio Vieira, promotor do MP-RJ, por mais que a intenção seja
incutir um tom emocional ao tema em julgamento que pudesse se contrapor à tese favorável à vítima, a tendência do júri popular é a
de atuar levado pela força dos fatos, e não pela identidade dos envolvidos.
Fria
análise final – o
peso da condenação foi coerente com a gravidade do crime. Atendendo à cobrança da parcela mais
consciente da sociedade, a justiça não teve outra escolha a não ser a
penalização.
O
peso contextual do duplo homicídio qualificado pesou muito mais do que a defesa
de valores bolsonaristas entre o masculinizado júri popular, tornando-se uma
unanimidade entre eles. O que concorda com a afirmação do promotor do MP-RJ.
O
peso contextual do duplo homicídio qualificado cometido pelos réus foi decisivo
para a unanimidade do júri popular, mesmo masculino e branco, em favor da
sentença aplicada, o que concorda com a afirmação do promotor Vieira.
Contudo,
a efetivação da justiça sobre o caso ainda não se fechou. Agora cabe ao STF
julgar os irmãos Brazão. Dados os seus cargos (um deputado e um conselheiro judiciário), ambos têm foro privilegiado.
Agora,
a patuleia solidária às famílias das vítimas agora olha para o STF. A presença
de Carmem Lúcia e o legalismo de nomes como Alexandre de Moraes e Flávio Dino podem
garantir, ou não, punições igualmente pesadas aos mandantes do crime.
Em
nenhuma hipótese os privilégios podem justificar a suavidade penal. A punição
deve ser coerente com o peso de mando da barbárie, e também um recado aos
bolsonaristas financiadores da intentona de 8/1 e preparativos prévios. O
elitismo penal tem que ser combatido!
Para saber mais
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Bônus
Consternados
pelo assassinato bárbaro executado por Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz
(indiretamente) sobre Marielle e Anderson, os movimentos pelo Brasil ecoaram a
primeira pergunta: “quem matou Marielle e Anderson?”.
Tão
logo as primeiras investigações à época confirmaram a suspeita de que os
criminosos eram ex-PMs envolvidos na milícia Escritório do Crime, a segunda
pergunta substituiu a primeira: “quem mandou matar Marielle e Anderson?”.
Em
meio a essa pergunta em coro, Lula foi preso, algumas cabeças rolaram por
oferecerem abrir a boca sobre o crime e Bolsonaro foi eleito presidente. Em
2019 Ronnie Lessa foi preso, as investigações paralisadas, e muitas trocas de
delegados da PF. O resto já se sabe.
O
julgamento do crime que ceifou duas vidas – da vereadora Marielle Franco e do
motorista Anderson Gomes – marcou forte na imprensa. Como revelado no artigo
anterior, as fontes independentes foram mais longe nos detalhes do processo.
As famílias de ambas as vítimas estiveram unidas o tempo todo, indo da dor torturante de 6 anos para o alívio parcial da condenação de Élcio de Queiroz, o condutor do carro, e Ronnie Lessa, o carona que mandou a morte pelas balas do fuzil.
As famílias de ambas as vítimas estiveram unidas o tempo todo, indo da dor torturante de 6 anos para o alívio parcial da condenação de Élcio de Queiroz, o condutor do carro, e Ronnie Lessa, o carona que mandou a morte pelas balas do fuzil.
Sim,
só parcial. Pois, apenas os executores do
crime foram condenados. Falta ainda condenar quem o encomendou.
Os mandantes – a descoberta dos irmãos Chiquinho e Domingos Brazão
como mandantes do duplo homicídio foi fruto de uma investigação da PF que
levantou uma intrincada teia de relações envolvendo a milícia Escritório do
Crime e políticos.
A
milícia de matadores de aluguel Escritório do Crime foi chefiada por um
parça de políticos como os Bolsonaro e Brazão: Adriano da Nóbrega. Ela guardava
a especulação imobiliária ilícita em áreas dominadas da zona oeste – denunciada
por Marielle.
Ainda
em 2019, a investigação apontou a teia de relações envolvendo Flávio e Jair
Bolsonaro. As lacunas de então só foram preenchidas na retomada em 2023. A
primeira delas foi o ex-delegado Rivaldo Barbosa, que foi preso pela PF.
A
PF descobriu que Rivaldo arquitetou o delito. Mas ainda faltavam outras
lacunas, em que o arquiteto tinha alguém acima na teia. As delações premiadas
de Élcio e Ronnie preencheram as lacunas faltantes: eram os irmãos Brazão.
Votada
no Congresso, a prisão de Chiquinho rebuliçou Eduardo Bolsonaro e seus aliados,
que votaram contra. Mas foram vencidos pela força do mando judicial partido da
PGR, avalizado pelo STF e feito pela PF.
O
especial incômodo a Eduardo Bolsonaro faz sentido: a execução de Adriano da
Nóbrega na Bahia “coincidiu” com sua própria passagem em Salvador. Um reforço à
suspeita popular na pergunta “quem mandou Brazão mandar matar Marielle?”.
Passos
para o final feliz –
o primeiro passo foi dado no julgamento de Élcio e Ronnie, que terminaram condenados
a reclusões longas e multa pesada. Pela sua idade, Ronnie desfrutará de
liberdade por progressão muito tarde em sua vida.
As
penalidades não só indicam que a justiça foi feita pela atualização do código
penal. Mas cabe dizer que Élcio e Ronnie foram os bois de piranha, assim como
os terroristas golpistas do 8/1 que terminaram condenados de 14 a 17 anos de
reclusão.
Enquanto
os irmãos Brazão serão julgados pelo STF, Rivaldo – chefe da PCERJ em 2018 –
será julgado pela Justiça comum. Sua condenação poderá ser acrescida pela
falsidade ideológica (falsa promessa de ajuda às famílias das vítimas).
Como
finalizado antes, aqui assim termina: se os executores foram condenados à
altura de seus crimes, se espera o mesmo para os mandantes e o arquiteto do
delito. É a espera do final feliz para as famílias vitimadas, para a justiça e o
sofrido povo.
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