quarta-feira, 13 de novembro de 2024

CURTAS 83 - ANÁLISES (julgamento caso Marielle/Anderson)

 
Parte 1: homens, bolsonarismo e penas


    
        Ocorrida em março/2018, a execução da vereadora Marielle Franco (PSol-RJ) e do motorista Anderson Gomes poderia ter passado batida. Houve, porém, resposta de movimentos sociais à paralisia judicial experimentada em toda a era bolsonarista.
           Devido à longa paralisia, a Justiça só respondeu ao apelo popular na era Lula 3. O ex-MJ Flávio Dino federalizou o caso para retomar investigações. Os Bolsonaro se enervaram, o que desenterrou entre os antibolsonaristas a suspeita de eles estarem por trás do crime.
           Mas as informações divulgadas das delações premiadas dos envolvidos presos não envolvem os Bolsonaro, e sim os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, respectivamente conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do RJ, e deputado federal.
            Segundo as delações premiadas, eles estão entre os denunciados por Marielle por autorizar loteamentos ilegais em áreas de preservação no entorno de favelas da zona oeste dominadas por eles e pela milícia a eles relacionada.
            Mas isso não acalma a famiglia Bolsonaro: eles têm forte ligação com os envolvidos, tanto com os assassinos, da milícia Escritório do Crime, especializada em matadores de aluguel, quanto com os Brazão.
            O julgamento – enfim, após muitas reivindicações de movimentos sociais, partidos políticos e familiares de Marielle, o julgamento se iniciou em 30/10 contando com a presença, em primeiro plano, das famílias da vereadora e do motorista.
            Nesse dia, a mídia mostrou um Chiquinho Brazão abatido na prisão e declarando preferir “ter morrido no lugar de Marielle”. Em aparente frieza na videoconferência, Ronnie pediu perdão aos familiares, sem impedir a sentença determinada no dia seguinte.
            Condenações- ao ler a sentença em tom delicado, porém firme, a juíza Lúcia Glioche disse que “a sentença não serve para tranquilizar as vítimas que são os familiares. [...]. A pessoa que é assassinada deixa um vácuo que palavra nenhuma descreve”.
            Apesar da participação dos Brazão, até o momento os dois condenados foram os assassinos. Ronnie Lessa pegou 78 anos, 9 meses e 30 dias, e Élcio de Queiroz, a 59 anos, 8 meses e 10 dias de reclusão, por duplo homicídio qualificado.
            Além das prisões em regime fechado, Lessa e Queiroz ainda terão que indenizar os familiares das vítimas em cerca de R$ 706 mil. Em suma, essa é uma das penalidades mais duras aplicadas a homicidas qualificados.
            Mas o contentamento geral ainda não foi plenamente alcançado. Falta ainda julgar os irmãos Brazão, considerados, até prova em contrário, os mandantes do crime.
            Mudem os jurados – no segundo e último dia, o julgamento teve júri popular. Normalmente, o grupo tem 7 pessoas e a sua função é contribuir com observações pessoais sobre a gravidade e o contexto do crime e suas consequências sociais e às famílias das vítimas.
            Nessas observações, eles dão um tom menos frio, mas com razoabilidade.
            Os componentes são escolhidos por sorteio. Legalmente, o tribunal pode substituir até 3 pessoas, a pedido da acusação ou da defesa dos réus. Mais comum do que se imagina, o processo aconteceu nesse julgamento.
            Aí aconteceu a singularidade: a defesa dos réus exigiu a substituição das duas mulheres por homens. Formou-se um júri masculino de meia idade e pele clara. Quatro desses homens se revelaram alinhados com valores bolsonaristas.
            E veio uma inquirição aterradora. A acusação e a assistência de acusação inquiriram aos familiares com essa pergunta: “Qual a falta que Marielle faz para a família dela?”. Me perguntei se os inquiridores são assim tão insensíveis às suas próprias famílias.
            Os familiares e a Mônica tiveram que explicar, como que para provar, o quão essencial foi Marielle em suas vidas. Coube à viúva reunir as duas Marielles – a pessoa e a política – em uma só, já que a defesa dos réus a dividiu para justificar o crime.
            Pois é. Os familiares tiveram que explicar, de forma cabal, por que a vida de Marielle tinha tanto valor e por que o tamanho da falta. A defesa dos réus conseguiu a façanha de medir o valor da vítima.
            Furtivamente, esse foi o intento da defesa: repassar o julgamento dos réus sobre a vítima. A substituição das mulheres pelos homens reforçaria o ideário bolsonarista, cujos os defensores são majoritariamente homens.
            Mas, segundo Fábio Vieira, promotor do MP-RJ, por mais que a intenção seja incutir um tom emocional ao tema em julgamento que pudesse se contrapor à tese favorável à vítima, a tendência do júri popular é a de atuar levado pela força dos fatos, e não pela identidade dos envolvidos.
            Fria análise final – o peso da condenação foi coerente com a gravidade do crime.  Atendendo à cobrança da parcela mais consciente da sociedade, a justiça não teve outra escolha a não ser a penalização.
            O peso contextual do duplo homicídio qualificado pesou muito mais do que a defesa de valores bolsonaristas entre o masculinizado júri popular, tornando-se uma unanimidade entre eles. O que concorda com a afirmação do promotor do MP-RJ.
            O peso contextual do duplo homicídio qualificado cometido pelos réus foi decisivo para a unanimidade do júri popular, mesmo masculino e branco, em favor da sentença aplicada, o que concorda com a afirmação do promotor Vieira.
            Contudo, a efetivação da justiça sobre o caso ainda não se fechou. Agora cabe ao STF julgar os irmãos Brazão. Dados os seus cargos (um deputado e um conselheiro judiciário), ambos têm foro privilegiado.
            Agora, a patuleia solidária às famílias das vítimas agora olha para o STF. A presença de Carmem Lúcia e o legalismo de nomes como Alexandre de Moraes e Flávio Dino podem garantir, ou não, punições igualmente pesadas aos mandantes do crime.
            Em nenhuma hipótese os privilégios podem justificar a suavidade penal. A punição deve ser coerente com o peso de mando da barbárie, e também um recado aos bolsonaristas financiadores da intentona de 8/1 e preparativos prévios. O elitismo penal tem que ser combatido!

Para saber mais
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Bônus
Executores condenados. E os mandantes?


            Consternados pelo assassinato bárbaro executado por Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz (indiretamente) sobre Marielle e Anderson, os movimentos pelo Brasil ecoaram a primeira pergunta: “quem matou Marielle e Anderson?”.
            Tão logo as primeiras investigações à época confirmaram a suspeita de que os criminosos eram ex-PMs envolvidos na milícia Escritório do Crime, a segunda pergunta substituiu a primeira: “quem mandou matar Marielle e Anderson?”.
            Em meio a essa pergunta em coro, Lula foi preso, algumas cabeças rolaram por oferecerem abrir a boca sobre o crime e Bolsonaro foi eleito presidente. Em 2019 Ronnie Lessa foi preso, as investigações paralisadas, e muitas trocas de delegados da PF. O resto já se sabe.
            O julgamento do crime que ceifou duas vidas – da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes – marcou forte na imprensa. Como revelado no artigo anterior, as fontes independentes foram mais longe nos detalhes do processo.
            As famílias de ambas as vítimas estiveram unidas o tempo todo, indo da dor torturante de 6 anos para o alívio parcial da condenação de Élcio de Queiroz, o condutor do carro, e Ronnie Lessa, o carona que mandou a morte pelas balas do fuzil.
            Sim, só parcial.  Pois, apenas os executores do crime foram condenados. Falta ainda condenar quem o encomendou.
            Os mandantes – a descoberta dos irmãos Chiquinho e Domingos Brazão como mandantes do duplo homicídio foi fruto de uma investigação da PF que levantou uma intrincada teia de relações envolvendo a milícia Escritório do Crime e políticos.
            A milícia de matadores de aluguel Escritório do Crime foi chefiada por um parça de políticos como os Bolsonaro e Brazão: Adriano da Nóbrega. Ela guardava a especulação imobiliária ilícita em áreas dominadas da zona oeste – denunciada por Marielle.
            Ainda em 2019, a investigação apontou a teia de relações envolvendo Flávio e Jair Bolsonaro. As lacunas de então só foram preenchidas na retomada em 2023. A primeira delas foi o ex-delegado Rivaldo Barbosa, que foi preso pela PF.
            A PF descobriu que Rivaldo arquitetou o delito. Mas ainda faltavam outras lacunas, em que o arquiteto tinha alguém acima na teia. As delações premiadas de Élcio e Ronnie preencheram as lacunas faltantes: eram os irmãos Brazão.
            Votada no Congresso, a prisão de Chiquinho rebuliçou Eduardo Bolsonaro e seus aliados, que votaram contra. Mas foram vencidos pela força do mando judicial partido da PGR, avalizado pelo STF e feito pela PF.
            O especial incômodo a Eduardo Bolsonaro faz sentido: a execução de Adriano da Nóbrega na Bahia “coincidiu” com sua própria passagem em Salvador. Um reforço à suspeita popular na pergunta “quem mandou Brazão mandar matar Marielle?”.
            Passos para o final feliz – o primeiro passo foi dado no julgamento de Élcio e Ronnie, que terminaram condenados a reclusões longas e multa pesada. Pela sua idade, Ronnie desfrutará de liberdade por progressão muito tarde em sua vida.
            As penalidades não só indicam que a justiça foi feita pela atualização do código penal. Mas cabe dizer que Élcio e Ronnie foram os bois de piranha, assim como os terroristas golpistas do 8/1 que terminaram condenados de 14 a 17 anos de reclusão.
            Enquanto os irmãos Brazão serão julgados pelo STF, Rivaldo – chefe da PCERJ em 2018 – será julgado pela Justiça comum. Sua condenação poderá ser acrescida pela falsidade ideológica (falsa promessa de ajuda às famílias das vítimas).
            Como finalizado antes, aqui assim termina: se os executores foram condenados à altura de seus crimes, se espera o mesmo para os mandantes e o arquiteto do delito. É a espera do final feliz para as famílias vitimadas, para a justiça e o sofrido povo.
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