Um pastor contra a tríplice
bancada
Como já abordado, no Congresso reina a tríplice
bancada temática BBB, que reúne os grupos da bala (segurança pública),
da bíblia (costumes) e do boi (agronegócio). Mesmo em relação aos
seus respectivos focos específicos, elas se convergem em interesses comuns.
Se a maior bancada é a do boi, a mais barulhenta – e
fascista como a da bala – é a da bíblia, que já interrompeu votações de
propostas progressistas em costumes e tenta abolir a legalização dos casamentos
homoafetivos e do aborto. E tem num pastor um inimigo: Henrique Vieira.
De uma família evangélica humilde de Niterói, Henrique
Vieira inspirou sua formação teológica em nomes progressistas como Dom Hélder
Câmara, São Francisco de Assis, Santa Tereza de Ávila, Dorothy Stang e Martin
Luther King. É também poeta, ator, historiador, sociólogo e, enfim, político.
Esse conjunto de qualificações o fez entender com
facilidade o intento do samba-enredo de uma escola de samba carioca que
desfilou, nas suas alas, um Jesus Cristo intersexual crucificado, bem como
participar do filme Marighella, do ator e cineasta progressista Wagner
Moura.
Mas é na política mesmo que ele se destaca. De visão
progressista e próximo do seu ex-professor de História Marcelo Freixo, ele
entrou no Psol-RJ. Foi eleito vereador em 2012, 1º suplente em 2016 e deputado
federal em 2022. E é nesse atual cargo que ele se destaca contra o pânico
moral.
Chama a atenção especialmente por ser um pastor
francamente oposto à bancada da bíblia ao defender o aborto nas disposições
legais, os direitos sexuais reprodutivos femininos, criticar a liberação das
armas desacreditando o pretexto pseudomoralista e o sistema penitenciário.
Coroa o fim do ano se lançando candidato à presidência
da Câmara dos Deputados. Inclusive roda nas redes sociais um link de
assinaturas de apoio popular ao seu mandato. Mas ele sabe que suas
possibilidades são muito remotas. Mas a sua fé no progressismo é sua maior
lição para o futuro.
Poucos, mas gigantes
Em um Congresso lotado de bizarrices da
extrema-direita, alguns parlamentares da linha progressista têm compensado sua
baixa expressividade numérica absoluta com posições corajosas e diretas contra
temáticas bizarras ou mentiras com frequentes inversões de papeis.
Daiane Santos (PT-RS) representante negra, preside a
comissão de direitos humanos e é relatora da PL que inclui servidores da saúde
federal na pasta de C&T. Alice Portugal (PCdoB-BA) é a 2ª relatora da mesma
proposta, que foi aprovada pela comissão de ciência e tecnologia a Câmara.
Agora, o gigantismo em ordem crescente ocorre no Psol:
Guilherme Boulos, que limpou a barra de André Janones e Glauber Braga; Célia
Xakirabá, indígena mineira que enfrenta ruralistas sobre o Marco Temporal; Érika
Hilton contra a escala 6x1 de trabalho e pelos direitos das minorias sexuais.
E não para aí. A paulista Sâmia Bonfim, notória líder
pelos direitos sexuais e reprodutivos femininos e enfrentamento aos
bolsonaristas; e seu marido Glauber Braga (RJ), por travar uma guerra com duas
frentes poderosas: o MBL do colega Kim Kataguiri e o todo poderoso colega
Arthur Lira.
Glauber qualificou o MBL como uma organização
criminosa nazifascista que colheu assinaturas para se tornar partido político.
E expôs Arthur Lira quanto a fazendas não declaradas, emendas bilionárias para
Alagoas e supostos crimes relativos ao kit robótica e violência doméstica.
Essa guerra foi facilitada por sua investigação como
presidente da comissão de legislação participativa. Diante disso, Glauber corre
sério risco de ser cassado, após indeferimento proposital de suas testemunhas
em oitivas do conselho de ética. Mas segue em luta.
As ameaças não apertam a coragem de Glauber – que
promete continuar na luta popular intensa contra os criminosos poderosos se for
cassado. Como disse o jornalista Pedro Zambarda, da Folha Democrata, ele
entrou grande e sairá gigante.
Presente de grego no Natal
Se o pacote Haddad teve de fato boa intenção de
socializar os tributos para aumentar a arrecadação reduzindo desigualdades, a
vitória do mesmo na votação da Câmara não garantiu vitória ao governo. Saiu um empate.
Tudo porque, escoltados pelos parlamentares, os super
ricos que vivem na esbórnia de luxo e os militares se saíram ilesos. O fim da
morte ficta (pensão a familiares de militar expulso dado como morto) deu
vitória ao governo.
Mas foi uma vitória amarga. O BPC agora só será
garantido para casos de comprovada incapacidade de trabalho e extrema pobreza, demais
benefícios e salário mínimo menos valorizados, e o DPVAT enterrado. Pontos perdidos.
Foram, de fato, presentes de grego para o povo no
Natal. Os mais pobres atingidos em beneficio dos super ricos do deus mercado. E
o DPVAT foi usado pela extrema-direita. Nikolas Ferreira disse em rede social: “PT
triste, Brasil feliz”.
Para quem não sabe, o DPVAT é um benefício temporário
às vítimas sobreviventes ou os familiares da vítima fatal em caso de acidente, para
tratamento ou traslado de corpo para a cidade de origem, respectivamente. Daí ser
ruim a sua extinção.
Esse benefício de impacto quase zero no erário existia
desde 1976 para sumir em 2024. Nada mais infeliz, após 41 mortos em grave acidente
em MG.
A socialização dos tributos para reduzir a bizarra desigualdade
social brasileira foi ralo abaixo, para manter causas injustificáveis e
bizarras. E tudo em nome do mercado. Ao menos o governo se poupou de falas
grotescas.
Corrupção: crime a serviço
do capital
No pós-ditadura, a corrupção não só foi exposta
como crime. Também foi ideologizada pelos jornalões. O golpe antipetista de
2016 é prova disso, pois a mania piorou, com a maioria criminosa – na direita -
impune. E há um líder forte hoje.
Arthur Lira emerge com poder pessoal, político e
financeiro. Para se fortalecer, ele elevou as emendas legais a valores inéditos:
as super emendas. O que o levou a
fazê-lo tem sido questionado fora do mundo dos jornalões.
Super emenda é um nome mais adequado para o orçamento
secreto. Pois dos valores já sabemos; secretos mesmo são os meios de
obtenção, o que levou Flávio Dino (STF) a suspender R$ 4,2 bi antes do Natal.
Os jornalões adoram merchandising moralista
anticorrupção, mas não criam questões éticas necessárias: por que obter valores
tão altos? Por que se valer de meios secretos, se estes geram suspeita? Lira é
mesmo o único interessado?
Além do investimento público para o mercado privado, o
governo libera emendas impositivas de valores definidos em lei pelo Congresso.
Os R$ 4,2 bi foram tornados suspeitos, o que sugere uma força maior de
interesse por trás.
A esquerda cutuca aí. Glauber Braga tem apontado Lira
à frente da obscuridade das super emendas. Embora acerte em acusa-lo de enricar
ilicitamente, peca em não apontar outros. O Centrão participa dessa farra desde
sempre.
Glauber Braga acusa Lira de enriquecimento ilícito mediante
as super emendas, mas sabe que ele não está só. O centrão está junto. E todos
agem em nome do mercado. Daí distorcerem os textos do governo antes de aprova-los.
Maioria no Congresso, o Centrão é bancado pelo mercado
para aprovar textos que favorecem grandes capitalistas. Assim avança a entrega
dos serviços públicos para os entes privados, enfraquecendo o poder do Estado.
Em pleno recesso, Lira encontrou Lula e depois se reuniu
com líderes na Câmara para tratar da suspensão das emendas. Não sabemos se ele
falou a mesma coisa para as duas partes. Mas a corrupção segue certa em prol do
mercado.
Futuro próximo: servidores desafiam governo
Em 2024, o governo federal teve com os servidores públicos
de diferentes carreiras negociações diversas. Carreiras mais burocráticas do
Executivo tiveram aumento, mas a saúde, educação, previdência e trabalho
ficaram de fora.
Nesse fim de ano, os servidores dessas carreiras vivem
uma incerteza quanto ao prometido reajuste de 9%. A medida provisória (mp)
enviada ao Congresso aguarda votação, enquanto a suspensão das emendas pelo STF
não se resolve.
Essa incerteza faz sentido. Em parte de 2023, os
servidores negociaram mais do que nunca pelo reajuste de 2024 que não se
concretizou, devido à negativa do Congresso em votar uma PL. Daí a mp
desenvolvida para 2025.
Como se não bastasse, servidores efetivos da saúde federal
do RJ ainda amargam derrota na queda de braço com Brasília no fatiamento da
rede hospitalar. Agora vivem a incerteza quanto ao seu destino, sob o descaso do
governo.
Os servidores dos institutos nacionais (INCA, INC,
INTO) do Rio lutam pela carreira C&T, o que pode ser benéfico para os cedidos
pela rede hospitalar que certamente serão absorvidos pelos institutos. E vale
aqui um recado para Lula 3.
O fatiamento da rede federal do RJ pelo governo poderá
estreitar sua chance de reeleição em 2026. Eleito com ajuda dos servidores em
peso por sobrevivência, ele pode ser engolido pelos próprios, como resposta a
um gesto que soou traição. E isso importa muito.
PEC do 4x3 em 2025: possibilidades
O movimento Vida Além do Trabalho (VAT) saiu do Rio de
Janeiro para virar uma PEC de autoria da deputada federal Erika Hilton
(Psol-SP) para extinguir a escala 6x1 de trabalho, sem impactar no valor salarial
dos trabalhadores.
Após obter as 171 assinaturas necessárias dos parlamentares
por meio do Requerimento 82/2024, a PEC foi debatida pela CCJ da Câmara, recebendo
uma chuva de críticas da tropa de choque bolsonarista e de parte do governista
PSB.
Pode-se dizer que o movimento VAT – transformada por
seu criador em controversa marca registrada – foi fundamental enquanto forma de
importante mobilização popular de esquerda. Mas as discussões em torno da PEC
ainda continuam.
A admissão da deputada à mídia de que “não houve
ainda um estudo amplo” sobre os impactos da PEC para o mercado de trabalho foi
explorada pela extrema-direita para depreciá-la publicamente. Mas não o
conseguiu a contento.
Erika disse que o texto segue padrões europeus, prevendo
flexibilidade da jornada de trabalho mediante negociação coletiva, impactando
minimamente o mercado. Diante disso, o mercado até que vê a ideia com bons
olhos.
Não só porque países europeus usam a escala 4x3 flexível.
Isso pode indicar horas diárias a mais negociadas. E mais: o lazer também é um
negócio que aquece, portanto, o mercado. O mercado, sim, será o grande beneficiado
do VAT.
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