quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Ligeirinhas 5 (retrospectivas e perspectivas, parte 2)

 

Um pastor contra a tríplice bancada

                    Como já abordado, no Congresso reina a tríplice bancada temática BBB, que reúne os grupos da bala (segurança pública), da bíblia (costumes) e do boi (agronegócio). Mesmo em relação aos seus respectivos focos específicos, elas se convergem em interesses comuns.
                    Se a maior bancada é a do boi, a mais barulhenta – e fascista como a da bala – é a da bíblia, que já interrompeu votações de propostas progressistas em costumes e tenta abolir a legalização dos casamentos homoafetivos e do aborto. E tem num pastor um inimigo: Henrique Vieira.
                    De uma família evangélica humilde de Niterói, Henrique Vieira inspirou sua formação teológica em nomes progressistas como Dom Hélder Câmara, São Francisco de Assis, Santa Tereza de Ávila, Dorothy Stang e Martin Luther King. É também poeta, ator, historiador, sociólogo e, enfim, político.
                    Esse conjunto de qualificações o fez entender com facilidade o intento do samba-enredo de uma escola de samba carioca que desfilou, nas suas alas, um Jesus Cristo intersexual crucificado, bem como participar do filme Marighella, do ator e cineasta progressista Wagner Moura.
                    Mas é na política mesmo que ele se destaca. De visão progressista e próximo do seu ex-professor de História Marcelo Freixo, ele entrou no Psol-RJ. Foi eleito vereador em 2012, 1º suplente em 2016 e deputado federal em 2022. E é nesse atual cargo que ele se destaca contra o pânico moral.
                    Chama a atenção especialmente por ser um pastor francamente oposto à bancada da bíblia ao defender o aborto nas disposições legais, os direitos sexuais reprodutivos femininos, criticar a liberação das armas desacreditando o pretexto pseudomoralista e o sistema penitenciário.
                    Coroa o fim do ano se lançando candidato à presidência da Câmara dos Deputados. Inclusive roda nas redes sociais um link de assinaturas de apoio popular ao seu mandato. Mas ele sabe que suas possibilidades são muito remotas. Mas a sua fé no progressismo é sua maior lição para o futuro.


Poucos, mas gigantes

                    Em um Congresso lotado de bizarrices da extrema-direita, alguns parlamentares da linha progressista têm compensado sua baixa expressividade numérica absoluta com posições corajosas e diretas contra temáticas bizarras ou mentiras com frequentes inversões de papeis.
                    Daiane Santos (PT-RS) representante negra, preside a comissão de direitos humanos e é relatora da PL que inclui servidores da saúde federal na pasta de C&T. Alice Portugal (PCdoB-BA) é a 2ª relatora da mesma proposta, que foi aprovada pela comissão de ciência e tecnologia a Câmara.
                    Agora, o gigantismo em ordem crescente ocorre no Psol: Guilherme Boulos, que limpou a barra de André Janones e Glauber Braga; Célia Xakirabá, indígena mineira que enfrenta ruralistas sobre o Marco Temporal; Érika Hilton contra a escala 6x1 de trabalho e pelos direitos das minorias sexuais.
                    E não para aí. A paulista Sâmia Bonfim, notória líder pelos direitos sexuais e reprodutivos femininos e enfrentamento aos bolsonaristas; e seu marido Glauber Braga (RJ), por travar uma guerra com duas frentes poderosas: o MBL do colega Kim Kataguiri e o todo poderoso colega Arthur Lira.
                    Glauber qualificou o MBL como uma organização criminosa nazifascista que colheu assinaturas para se tornar partido político. E expôs Arthur Lira quanto a fazendas não declaradas, emendas bilionárias para Alagoas e supostos crimes relativos ao kit robótica e violência doméstica.
                    Essa guerra foi facilitada por sua investigação como presidente da comissão de legislação participativa. Diante disso, Glauber corre sério risco de ser cassado, após indeferimento proposital de suas testemunhas em oitivas do conselho de ética. Mas segue em luta.
                    As ameaças não apertam a coragem de Glauber – que promete continuar na luta popular intensa contra os criminosos poderosos se for cassado. Como disse o jornalista Pedro Zambarda, da Folha Democrata, ele entrou grande e sairá gigante.


Presente de grego no Natal

                    Se o pacote Haddad teve de fato boa intenção de socializar os tributos para aumentar a arrecadação reduzindo desigualdades, a vitória do mesmo na votação da Câmara não garantiu vitória ao governo. Saiu um empate.
                    Tudo porque, escoltados pelos parlamentares, os super ricos que vivem na esbórnia de luxo e os militares se saíram ilesos. O fim da morte ficta (pensão a familiares de militar expulso dado como morto) deu vitória ao governo.
                    Mas foi uma vitória amarga. O BPC agora só será garantido para casos de comprovada incapacidade de trabalho e extrema pobreza, demais benefícios e salário mínimo menos valorizados, e o DPVAT enterrado. Pontos perdidos.
                    Foram, de fato, presentes de grego para o povo no Natal. Os mais pobres atingidos em beneficio dos super ricos do deus mercado. E o DPVAT foi usado pela extrema-direita. Nikolas Ferreira disse em rede social: “PT triste, Brasil feliz”.
                    Para quem não sabe, o DPVAT é um benefício temporário às vítimas sobreviventes ou os familiares da vítima fatal em caso de acidente, para tratamento ou traslado de corpo para a cidade de origem, respectivamente. Daí ser ruim a sua extinção.
                    Esse benefício de impacto quase zero no erário existia desde 1976 para sumir em 2024. Nada mais infeliz, após 41 mortos em grave acidente em MG.
                    A socialização dos tributos para reduzir a bizarra desigualdade social brasileira foi ralo abaixo, para manter causas injustificáveis e bizarras. E tudo em nome do mercado. Ao menos o governo se poupou de falas grotescas.


Corrupção: crime a serviço do capital

                    No pós-ditadura, a corrupção não só foi exposta como crime. Também foi ideologizada pelos jornalões. O golpe antipetista de 2016 é prova disso, pois a mania piorou, com a maioria criminosa – na direita - impune. E há um líder forte hoje.
                    Arthur Lira emerge com poder pessoal, político e financeiro. Para se fortalecer, ele elevou as emendas legais a valores inéditos: as super emendas.  O que o levou a fazê-lo tem sido questionado fora do mundo dos jornalões.
                    Super emenda é um nome mais adequado para o orçamento secreto. Pois dos valores já sabemos; secretos mesmo são os meios de obtenção, o que levou Flávio Dino (STF) a suspender R$ 4,2 bi antes do Natal.
                    Os jornalões adoram merchandising moralista anticorrupção, mas não criam questões éticas necessárias: por que obter valores tão altos? Por que se valer de meios secretos, se estes geram suspeita? Lira é mesmo o único interessado?
                    Além do investimento público para o mercado privado, o governo libera emendas impositivas de valores definidos em lei pelo Congresso. Os R$ 4,2 bi foram tornados suspeitos, o que sugere uma força maior de interesse por trás.
                    A esquerda cutuca aí. Glauber Braga tem apontado Lira à frente da obscuridade das super emendas. Embora acerte em acusa-lo de enricar ilicitamente, peca em não apontar outros. O Centrão participa dessa farra desde sempre.
                    Glauber Braga acusa Lira de enriquecimento ilícito mediante as super emendas, mas sabe que ele não está só. O centrão está junto. E todos agem em nome do mercado. Daí distorcerem os textos do governo antes de aprova-los.
                    Maioria no Congresso, o Centrão é bancado pelo mercado para aprovar textos que favorecem grandes capitalistas. Assim avança a entrega dos serviços públicos para os entes privados, enfraquecendo o poder do Estado.
                    Em pleno recesso, Lira encontrou Lula e depois se reuniu com líderes na Câmara para tratar da suspensão das emendas. Não sabemos se ele falou a mesma coisa para as duas partes. Mas a corrupção segue certa em prol do mercado.


Futuro próximo: servidores desafiam governo

                    Em 2024, o governo federal teve com os servidores públicos de diferentes carreiras negociações diversas. Carreiras mais burocráticas do Executivo tiveram aumento, mas a saúde, educação, previdência e trabalho ficaram de fora.
                    Nesse fim de ano, os servidores dessas carreiras vivem uma incerteza quanto ao prometido reajuste de 9%. A medida provisória (mp) enviada ao Congresso aguarda votação, enquanto a suspensão das emendas pelo STF não se resolve.
                    Essa incerteza faz sentido. Em parte de 2023, os servidores negociaram mais do que nunca pelo reajuste de 2024 que não se concretizou, devido à negativa do Congresso em votar uma PL. Daí a mp desenvolvida para 2025.
                    Como se não bastasse, servidores efetivos da saúde federal do RJ ainda amargam derrota na queda de braço com Brasília no fatiamento da rede hospitalar. Agora vivem a incerteza quanto ao seu destino, sob o descaso do governo.
                    Os servidores dos institutos nacionais (INCA, INC, INTO) do Rio lutam pela carreira C&T, o que pode ser benéfico para os cedidos pela rede hospitalar que certamente serão absorvidos pelos institutos. E vale aqui um recado para Lula 3.
                    O fatiamento da rede federal do RJ pelo governo poderá estreitar sua chance de reeleição em 2026. Eleito com ajuda dos servidores em peso por sobrevivência, ele pode ser engolido pelos próprios, como resposta a um gesto que soou traição. E isso importa muito.


PEC do 4x3 em 2025: possibilidades

                    O movimento Vida Além do Trabalho (VAT) saiu do Rio de Janeiro para virar uma PEC de autoria da deputada federal Erika Hilton (Psol-SP) para extinguir a escala 6x1 de trabalho, sem impactar no valor salarial dos trabalhadores.
                    Após obter as 171 assinaturas necessárias dos parlamentares por meio do Requerimento 82/2024, a PEC foi debatida pela CCJ da Câmara, recebendo uma chuva de críticas da tropa de choque bolsonarista e de parte do governista PSB.
                    Pode-se dizer que o movimento VAT – transformada por seu criador em controversa marca registrada – foi fundamental enquanto forma de importante mobilização popular de esquerda. Mas as discussões em torno da PEC ainda continuam.
                    A admissão da deputada à mídia de que “não houve ainda um estudo amplo” sobre os impactos da PEC para o mercado de trabalho foi explorada pela extrema-direita para depreciá-la publicamente. Mas não o conseguiu a contento.
                    Erika disse que o texto segue padrões europeus, prevendo flexibilidade da jornada de trabalho mediante negociação coletiva, impactando minimamente o mercado. Diante disso, o mercado até que vê a ideia com bons olhos.
                    Não só porque países europeus usam a escala 4x3 flexível. Isso pode indicar horas diárias a mais negociadas. E mais: o lazer também é um negócio que aquece, portanto, o mercado. O mercado, sim, será o grande beneficiado do VAT.
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