domingo, 29 de dezembro de 2024

Ligeirinhas 6 (de Alagoas à inflação)

 

Alagoas: pequeno, rico e precário

                 Em meados de 2023, durante uma reunião do Consórcio Sul-Sudeste (Cossud), o governador mineiro Romeu Zema discursou em desprezo aos nordestinos, dizendo que eles “vivem de auxílio emergencial”, enquanto “o Sudeste e o Sul trabalham”. Pegou bem mal.
                    Controversa nas redes, a fala de Zema foi muito criticada por políticos nordestinos e mineiros. O deputado petista mineiro Rogério Correia disse que Zema tem “profunda ignorância” do conceito de nação e da proximidade geográfica, histórica e cultural entre o norte mineiro e o Nordeste.
                    Vamos ajudar Zema: o Nordeste foi a região que mais cresceu economicamente quando o PT esteve mesmo no poder (hoje não está). E, individualmente, um Estado se revela o mais rico proporcionalmente ao seu tamanho: Alagoas, terra natal do deputado Arthur Lira.
                    Bem, pelo menos era para ser. Presidente da Câmara dos Deputados, o parlamentar mais poderoso do Brasil nesse momento, Arthur Lira é o responsável pelo direcionamento das emendas para Alagoas. As prefeituras influenciadas por ele são as que mais verbas recebem.
                    Mas a lupa social nos revela um Alagoas com extrema desigualdade na oferta de serviços públicos, saúde e educação precarizados e sem profissionais no interior, a despeito dos volumosos recursos recebidos das emendas. O populismo coronelista dos Pereira Lira vale ouro.
                    Não é por acaso que a mídia investigativa Agência Pública sofreu censuras judiciais por parte de Lira. Mas Lira não inaugurou esse coronelismo. Os Mello, clã do ex-presidente Fernando Collor, é um exemplo clássico, tendo Arnon Mello como protagonista pretérito.
                    Arthur Lira sairá em breve da presidência da Câmara. Seu indicado Hugo Motta é o seu mais provável sucessor, dada a relevância pelos jornalões, que bajulam o alagoano. Este perde o trono pelo tempo legal esgotado, mas segue o seu poder no rico, mas precário Alagoas.


Dino, hoje e amanhã

                  O maranhense Flávio Dino se formou em Direito, foi juiz federal e entrou na política – onde se revelou um nome muito popular em seu Estado. E o seu retorno ao Judiciário como ministro do STF não o licenciou da popularidade conquistada. Ainda mais agora.
                    Ele continua mantendo suspensas as emendas de comissão de R$ 4,2 bilhões, que supostamente envolveu um homem conhecido como “rei do lixo”, que teria atuado como laranja nessas emendas. Tudo porque, com relação à transação, tudo está muito obscuro.
                    O Congresso (leia-se centrão e extremistas) se desespera pela liberação da quantia retida. Só que o ministro endureceu na sua exigência de resposta urgente às suas perguntas contidas em ofício enviado à Câmara, devido à falta de transparência e rastreabilidade na transação.
                    Esse fato revela o brilho próprio da personalidade ética de Dino como ministro do STF. Mas cabe a reflexão: Dino nunca escondeu a sua inclinação política, mesmo sendo esta última um mundo à parte, no qual rola todo tipo de conduta ilícita para se obter vantagens.
                    Ele próprio já respondeu, numa entrevista, sobre sua possibilidade de retorno futuro à política. Embora não tenha afirmado literalmente, ele deixou lugar para a expectativa de, sim, poder retornar – ainda mais na incerteza de Lula concorrer à reeleição ou sair de cena.
                    Lula já está cravado na História política moderna. Mas, aos 78 anos e vitimado por um acidente doméstico recente que o levou a duas cirurgias cranianas, já pensa nas suas incertezas pessoais, e sabe que falta uma figura carismática e de boa comunicação popular como ele.
                    E Dino tem as qualidades adequadas: popular, carismático, assertivo e, quando precisa, rigoroso em tom cínico. Aos 56 anos, ele ainda tem fôlego suficiente para mais anos de empreitada no mundo da política. E, se for para ser presidente da República, o Brasil agradecerá em festa.


Perigos à sociedade, à democracia e à República

                  Por mais segmentada em particularidades econômicas e culturais, a sociedade nacional (ou nação) lida com um problema: o crime. Sua tipificação no Direito concorda com os valores éticos e morais de cada sociedade nacional, configurando sistemas penais distintos.
                    Entre as categorias criminais estão os crimes políticos, cometidos em função da posição de agente político. Mandatos com foro privilegiado são julgados pelo STF. No Brasil, a penalização é historicamente seletiva no viés ideológico, com predileção sobre a esquerda.
                    Tal seletividade se opera por interesse de força maior, do mercado privado. Mas, nesse governo, a pressão do debate público fez com que as instituições investigativas e os tribunais se voltassem contra nomes da extrema-direita, se obrigando a irem pela ética.
                    A mudança na ética institucional privilegia o governo atual, após o pretérito lawfare que levou ao golpe de 2016 e à prisão de Lula. E os fatos nos dão ciência do quão arriscado foi manter livre o caminho para a eleição de gente que agora sabemos ser tão perigosa.
                    Perigosa à sociedade por ter impedido a consciência pública de seus atos. Perigosa à República, pela política destrutiva ao patrimônio público com privatizações irresponsáveis e aos serviços públicos. Perigosa à democracia, por tentar se manter no poder para criar o caos anarcocapitalista.
                    E cabe salientar que o perigo dessa gente é tamanho que, mesmo com prisões, a sede golpista que inunda a mentalidade e as vontades ainda está bastante viva. Os que deram resistência à democracia – povo e instituições – devem ter toda a atenção possível.


Bets responsáveis, só que não

                 Durante o governo anterior, a condução mortífera na pandemia de C19 e as consequências sociais do anarcocapitalismo implantado foram os protagonistas que silenciaram publicamente um problema: as apostas eletrônicas.
                    Conhecidas como bets, as apostas se tornaram uma verdadeira praga a partir de 2022. No governo atual, elas viraram preocupação, por seus vários anúncios e fácil acesso sem regulamentação. Daí, elas despertam outra preocupação.
                    Além da falta de regulação, as apostas bets exercem forte poder psicoativo no jogador. Como são programadas para driblar a habilidade do jogador, elas o induzem a continuar indefinidamente, tornando-se dependente delas.
                    É uma dependência psicológica que pode ser severa. Relatos apontam perda de pertences pessoais e de empregos, descuido com a saúde e até perda de moradia. Ou seja, as bets não diferem das apostas tradicionais em nada, quanto ao seu modus operandi para se capitalizar.
                    A falsa garantia de responsabilidade das empresas de bets é uma armadilha para os apostadores, como é o caso da Vai de Bet, que tem celebridades entre os seus donos. Gustavo Lima e Deolane Bezerra foram alvo da polícia por envolvimento com bets.
                    A busca do governo em regular as apostas online visa mitigar esse poder viciante. Beneficiários de Bolsa-Família e correlatos foram proibidos de apostar em bets. Mas o vício vai dominar pessoas até então estáveis no trabalho e na família. Responsabilidade? Não mesmo. Sem vício não há lucro.


Lei Maria da Penha, ontem e hoje

                  Lula 1 criminalizou a violência doméstica ao sancionar a lei 11.340/2006, ou Lei Maria da Penha, numa homenagem à cearense Maria da Penha Fernandes, sobrevivente às tentativas de feminicídio cometidas pelo ex-marido Marco Antônio Heredia Viveiros nos anos 1980.
                    A sanção foi tardia – mais de 30 anos após a violência sofrida pela biofarmacêutica e assistida pelos três filhos então menores. Após o fim do casamento, mesmo tornada cadeirante, Maria da Penha virou ativista contra a violência de gênero e o feminicídio.
                    Mas, antes tarde do que nunca. Pois, mesmo que não tenha combatido o crime e o bolsonarismo tenha ajudado a revitalizar o machismo ferido de muitos, o índice de encorajamento para denunciar casos de violência doméstica no Disque 180 aumentou bastante.
                    A Lei Maria da Penha não combate o crime de violência de gênero – isso, só a educação relativa resolve. Mas oportuniza as políticas de apoio às vítimas, como disque 180, delegacias da mulher, abrigos temporários para as mais vulneráveis e punição dos criminosos.
                    Mas ainda há desafios. A cultura da violência de gênero ainda vivente se estende nas delegacias dedicadas às vítimas, e desde o fim dos anos 2010, a bolsonarização dessa violência tem embrutecido os números desse crime mantendo impunidade em muitos casos.
                    Ainda assim, se com a lei Maria da Penha em vigor ainda estamos longe de ser um país amigável às mulheres, pior sem ela!


Os vilões da inflação dos alimentos

                 Apesar do importante crescimento da economia de forma geral, com maior controle inflacionário em comparação com o governo anterior, a equipe econômica de Lula 3 deparou com a disparada dos preços dos alimentos neste 2024.
                    O governo frequentemente culpa as taxas abusivas de juros, em geral justificadas mais na crise cambial, arma do ataque especulativo do mercado contra os investimentos públicos. Só que, na prática, a lista de fatores é mais ampla e complexa do que parece.
                    Portanto, cabe apontar que há outro fator para a inflação dos preços de alimentos: o empurrão de impostos, com as isenções seguidas para a elite do agronegócio, que gera menos divisa do que a agricultura familiar, que alimenta 70% da nação e paga impostos.
                    Cabe assinalar o altíssimo consumo de água pelo agronegócio, pela indústria de celulose e bebidas e pelos data centers das big techs, comprometendo a disponibilidade natural de água na natureza e para pequenos agricultores.
                    E houve ajuda do clima. O clima quente e seco em 2024 amplificou a extensão dos incêndios florestais, em maioria criminosos. Só o clima não explica o tamanho fogaréu que se espalhou pelo Brasil. Por trás de tanto fogo, vale mencionar uma “coincidência”.
                    Quando Bolsonaro foi visitar aliados em campanha eleitoral no interior paulista, os primeiros focos “coincidiram” com sua presença; até então inexistiam. A moda de repente pegou, indo até no então chuvoso Sul do Brasil; a úmida Amazônia caiu em chamas.
                    Essa soma de fatores comprometeu o ritmo de produção alimentar no Brasil, um dos raros celeiros do mundo com três safras por ano. O Brasil seria uma potência para tudo, não fossem os vilões que nele habitam e são donos do poder.
                    Por saber que isso pesa muito na sua popularidade, Lula 2 que se cuide.
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