Governo: o outro papel de
Nikolas
Como vimos nessa semana que se finda, Nikolas
Ferreira postou um vídeo de mais de 5 minutos distorcendo totalmente a medida
governamental de ampliar a fiscalização das transações financeiras informadas
pelos bancos ao Pix. Algo que sempre aconteceu.
Mas o objetivo deste artigo não é discutir o
teor da fala do deputado da ultradireita no vídeo, nem a polêmica disso. É,
sim, avaliar como a publicação – sabidamente enganosa e moralmente hipócrita e
execrável – atingiu tanto o governo quanto o seio da classe trabalhadora.
Efeito coletivo imediato
– tão logo os jornalões, forte referência para a patuleia, anunciaram a inclusão
do pix como movimento financeiro na lista da fiscalização a partir de R$ 5 mil,
o vídeo de 6 minutos de Nikolas invadiu e viralizou nas redes sociais acessadas
nos celulares.
A viralização ocorreu no disparo em massa – a
mesma estratégia que germinou e alimentou o antipetismo e elegeu Bolsonaro em
2018 e que quase impediu Lula em 2022. O vídeo chegou para a geral antes do
anúncio oficial feito pelo governo federal sobre a ampliação da medida.
Esse disparo atingiu fácil o Brasil profundo,
parcela mais interior da população, mais crédula e acrítica, que usa o pix como
meio gratuito. Houve forte temor de perda de dinheiro em suposta taxação na
ferramenta. Esse sentimento tomou de assalto milhares de usuários populares.
Uma inflação suspeita– segundo
fontes, o vídeo de Nikolas teria alcançado até 280 milhões de visualizações em
48 horas – número superior ao da população total levantada pelo IBGE em 2022. Logo
veio a suspeita de inflação algorítmica pelas big techs ou uso de perfis
de falecidos por familiares.
Enquanto os jornalões se centravam nos erros do
governo após a distorção do tema no vídeo, mídias alternativas se atentaram na
suspeita despertada por um número tão recorde. Não há dúvidas de que houve engajamento
recorde do vídeo, mas a quantidade acima citada é suspeita.
Reação lenta e recuo fiscal
– impactado pela credulidade coletiva gerada pela mentira, o governo desistiu da
fiscalização do pix. Sentindo-se vitorioso, Nikolas foi rapidinho à CNN Brasil
e respondeu a uma pergunta com outra: “se eu menti, por que então o governo
desistiu de taxar o pix?”.
Talvez sem querer, Nikolas materializou a mais
famosa propaganda ideológica de Hitler de que “uma mentira contada mil vezes
vira verdade”. Pois pareceu mesmo ter “virado verdade” quando o governo
decidiu revogar a extensão fiscal da Receita às movimentações do pix.
A agilidade especialista na antiética de Nikolas
contrastou com a lentidão aparente dos reflexos da esquipe de governo que,
ciente do baixo alcance de suas publicações, pareceu anestesiado pelo
sentimento de impotência. De todos, só duas mentes foram ágeis: as de Lula e
Haddad.
A volta por cima e Erika Hilton em cena –
mesmo reconhecendo o mau planejamento comunicativo apesar de ter nomeado um
comunicador, Lula mostrou que não tem sangue tão de barata. O presidente se
manifestou nas mídias sobre as consequências negativas da divulgação massiva de
mentiras.
Na CNN Brasil para uma entrevista, o ministro da
Fazenda Fernando Haddad não deixou barato. Reagiu com precisa assertividade às
jogadas da âncora. Acusou os jornalões de não alertarem o povo sobre o vídeo e
afirmou que “Bolsonaro está por trás” referindo-se ao marqueteiro de
Bolsonaro em 2018, responsável pela postagem.
Instituições ligadas à Justiça entraram na
dança. Assim como a AGU, a PGR de Gonet e a PF de Andrei foram acionadas.
Alguns nomes do Congresso se solidarizaram com o governo. Os deputados André
Janones (governista) e Erika Hilton, e o senador Rodrigo Pacheco são exemplos.
Com a mesma estética de Nikolas e visual
chamativo, Erika postou um vídeo educativo que ganhou quase 100 milhões de
vistas em 19/1. Janones protocolou uma CPI para incriminar o bolsonarista por
crime contra a economia popular. Pacheco criticou colegas que “só fazem
vídeo”.
Chama a atenção o fato de protocolar uma CPI
para julgar a possibilidade de cassar um parlamentar. Mas Janones tem sua
razão. Afinal, Nikolas já cometeu indecoros mais do que o suficiente para ter
sido cassado. E, junto ao manifesto de Lula 3 sobre o tema, tudo gerou efeito.
Reação de Nikolas
– a manifestação de Lula 3 sobre o tema coincidiu, nas redes, com a divulgação
de matérias jornalísticas sobre o acionar das instituições judiciárias e as
auxiliares à Justiça para investigar os envolvidos na publicação, disseminação
e inflação do engajamento do vídeo de Nikolas.
Segundo algumas fontes, Nikolas pareceu
desesperado com a reação legalista do governo, das instituições e dos colegas. O
engajamento do vídeo da deputada também impactou, como um antídoto ao veneno:
no mesmo dia, a postagem dela ultrapassou 80 milhões de vistas, hoje são mais
de 100 milhões.
O engajamento alcançado por Erika revela o
grande acerto da deputada. Como Nikolas, ela pode ter lido o teleprompt,
mas isso não importa. O valor está no poder dialético de sua mensagem, que
refletiu seu raciocínio veloz. Pelo combo de engajamento, estética e efeito da
mensagem, ela recebe ameaça de morte e já acionou a PF para rastrear.
A ameaça de morte desperta em alguns suspeita imediata
sobre Nikolas. Mas a prova de seu protagonismo só virá em laudo da investigação
em andamento. O fato é que, tendo ela recebido ameaça de morte, se consolida
ainda mais a evidência de que a ultradireita é uma ideologia criminosa que deve
ser combatida
Para tanto, o governo federal tem que modificar
sua estratégia. Nikolas é um exemplo da eficiência comunicativa da ultradireita.
Nesse sentido, vale muito contratar pessoas capazes de viralizar em massa vídeos
em linguagem popular. Já falei do bom André Janones. Agora é Erika Hilton. Imagine
essa dobradinha!
Para saber mais
- https://www.youtube.com/watch?v=4fwGAHW4gm4.
(TV Forum, um dos cortes da entrevista com André Janones)
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Ideologia na rede e no pix:
desafio educativo
Em 2023, o então ministro da justiça Flávio Dino
se reuniu com representantes das grandes plataformas. A reunião na época se deu
sob uma tensão crescente de famílias e comunidades escolares em relação a uma
febre de ataques perpetrados por estudantes em escolas em vários Estados.
A resposta parece ter surtido efeito após a
reunião: aquela febre de ataques foi parando aos poucos. Mas não cessou
totalmente. Hoje eles são quase isolados. Isso se deve à dura ação do STF
(Alexandre de Moraes) de mandar suspender os perfis disseminadores de ódio nas
redes.
Agora, após a justiça impedir o influenciador
Monark de ter redes sociais por defender um partido nazista, os CEOs Elon Musk
(X), Mark Zuckerberg (Meta) e o advogado e jornalista Glenn Greenwald se
manifestaram contra a tal “censura do judiciário”, gritada pelos
bolsonaristas
Sabemos que só há uma frenagem contra “mentiras
que colam”. A tal “taxação de Pix até R$5 mil” surgiu para atacar o
governo, mas gera medo desnecessário aos incautos. As 100 milhões de
visualizações (quantidade mais realista) no vídeo criminoso de Nikolas Ferreira revelam a extensão desse
temor.
Vale lembrar que quem realmente quis taxar o pix
foi o ministro bolsonarista Paulo Guedes, impondo alíquota entre 0,2 e 0,5%
sobre o valor movimentado, sem especificação de limite mínimo. E foi o mesmo
Guedes o responsável pela taxa de valor fixo sobre a TED (transferência
eletrônica direta) em R$ 10,45.
Assim como a TED, o pix é instantâneo e prático,
com a principal vantagem de ser livre de taxação e mais simples. Ele foi usado
na transação sem transparência das emendas no Congresso, bloqueadas pelo STF.
Isso propiciou a nova medida que amplia a fiscalização pela Receita ao pix, de
R$ 5 mil para cima.
A publicação enganosa de Nikolas tem que ser
considerada estratégia de golpe, tal como a intentona de 8/1 e a forja
de incêndios pelo país em 2024, pela intenção de inviabilizar o governo frente
ao povo e aos jornalões. Muito parecida com a conjuntura que decorreu no golpe
de 2016.
Daí a sua urgente tipificação penal com tal, com
pena endurecida. Mas, para a sua efetividade, toda seletividade deve ser
evitada para punir os autores. E, para combater os excessos no futuro, duas
instituições delicadas e poderosas entram como partícipes: a escola e a família.
Se a família já educa moralmente, a escola educa
pela informação extensível às famílias em reuniões extraclasse, em
linguagem acessível e tom assertivo para desmentir as falácias. Mas... mesmo
que demande um longo prazo para os primeiros resultados, essa educação é imprescindível
e urgente. O que, claro, tem um desafio imenso.
A escola ainda não tem tradição de educação
política – mesmo sendo a própria educação um ato político. E, com o beneplácito
de organizações com muito dinheiro, pessoas e grupos extremistas invadem
escolas e seduzem docentes e administradores, o que implica em preparo dos
futuros docentes na sua formação.
Todavia, diante do impacto dos fatos recentes e
a crescente munição online profissional dos extremistas, não há mais como adiar
a implantação da educação política. A plataforma Brasil Paralelo já age
em escolas periféricas visando desinformar os alunos. Não há outro meio mais
eficiente para mitigar a desinformação.
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Ultradireita contra a educação popular
Enquanto
jornalistas se acotovelavam para pegar o melhor ângulo da cerimônia de posse de
Trump, a mesma turminha parlamentar bolsonarista foi lá babar ovo do cara, torrando
nosso suado dinheiro. Participaram de uma festa, mas foram ignorados pelo
presidente.
Agora, enquanto ainda estamos discutindo o gesto
nazista de Musk – que mais revelou a face autoritária estadunidense do que
outra coisa – surgiu uma estranha novidade: a verba de R$ 6,5 bilhões do Programa
Pé-de-Meia estudantil foi bloqueada pelo TCU do ministro Augusto Nardes.
Programa pé-de-meia
– é uma iniciativa do governo federal para auferir ajuda de custo de R% 200 por
10 meses a estudantes da faixa etária de 14-17 anos de famílias de baixa renda, de escolas públicas e cadastrados no CadÚnico. Para serem contemplados, eles devem ter frequência escolar mínima de 80%.
O objetivo do programa é combater a evasão
escolar desencadeada por motivos como desistência própria ou trabalho para
ajudar a família. Problema crônico ainda muito comum no Brasil e outros países
emergentes, a evasão se torna irreversível quando o motivo é a necessidade de
trabalho.
Desse modo, o programa age como um tampão
parcial no atual status de desigualdade socioeducativa, aprofundado entre
2017-22 por cortes de verbas nos setores sociais. A primeira parcela seria paga
agora em janeiro, e o citado bloqueio pode impactar fortemente as expectativas
dos contemplados.
Motivação oficial –
segundo o TCU, o Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo (Fgeduc)
não pode bancar o programa. Pela lei aprovada, a verba deve vir do próprio
Orçamento, sem repasse de terceiros. Na Lei Orçamentária deveria ser referida
uma fonte específica da verba.
Faz sentido, pois se trata de dinheiro do
Tesouro público. Mas, dado que a votação da LOA só correrá após o recesso, o
governo pareceu querer dar um jeitinho para não prejudicar os estudantes. E
também, para cumprir o acordo com servidores públicos federais, com retroativo
devido ao atraso.
Outra motivação
– mas cabe ressaltar outro motivo para o bloqueio: Augusto Nardes. Ele foi
ministro da AGU no governo anterior, e deixou rastros de sua favorabilidade ao
plano de golpe de Estado arquitetado pelo elemento então presidente e seus
apaniguados militares.
Data vênia, por que Lula não nomeou alguém na
AGU? Porque, assim como no Banco Central e na PGR, o cargo máximo tem duração
mínima definida. O presidente da República indica o nome, mas este, aprovado no
Senado, só toma posse após o prazo mínimo cumprido pelo antecessor.
Dado tudo isso, nos cabe esperar para ver o
resolver do imbróglio. Se o Congresso aprovar a LOA, será que Nardes autorizará
liberação da verba? Como a ultradireita põe a ideologia anarcocapitalista à
frente, nos resta ficar de olho em Nardes. Que ele não crie motivo para mais
fake news golpista.
Para saber mais
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