sábado, 1 de fevereiro de 2025

Ligeirinhas 9 (Javari, Zambelli, Trump x latinos)

Vale do Javari: belo e esquecido

            A escola indígena possibilitou melhor interação com não-indígenas, acesso a serviços públicos e visibilidade pública das tradições ancestrais. Mas, ainda há faltas, com demanda insatisfeita na Sesai (Secretaria de saúde indígena), mais presente na Amazônia pela concentração de povos.
            A Sesai ganhou notoriedade pela atenção à crise humanitária dos ianomâmis em 2023. Mas há recantos em que ela mal chega, mesmo na Amazônia. Um desses recantos é a Terra Indígena Vale do Javari, grande área preservada no extremo oeste do Amazonas, na fronteira com o Peru.
            O vale do Javari ficou notório na mídia pelo assassinato do indigenista Bruno Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips em 2022 em Atalaia do Norte por uma orcrim na região. Mas ele abriga tanto povos isolados quanto os conhecidos como Matis, Matsés, Marubo, Korubo, Kanamaris e outros.
            Mas no local há mais do que exuberância natural e diversidade originária. Além de assistência à saúde, a Sesai Kora Kanamari distribui água potável às comunidades. Mas foi acusada pelos Korubo por não resolver a alta letalidade infantil por diarreia e desidratação em sua aldeia.
            A direção do posto alega que presta a assistência necessária, mas contingenciada, e que comunicou Brasília dos fatos. Se o governo federal respondeu à requisição, então cabe mencionar outro grave problema em toda a região: a extensiva atuação de quadrilhas locais de organização criminosa.
            Criminosos ambientais, traficantes e assassinos de aluguel se esgueiram na floresta constituindo ameaça às comunidades locais e à biodiversidade. Contaminam o meio com mercúrio de garimpo e exercem caça e pesca ilegais. E sua presença ameaçadora dificulta o acesso dos indígenas aos postos de saúde nas suas próprias terras.
            O resultado final é o alto índice de adoecimentos diversos e alta letalidade infantil indígena. Doenças tropicais vetoriais (malária, dengue, etc.) e intoxicação mercuriana nas comunidades são registros cotidianos na Sesai. A livre ação criminosa local pode ser explicada, então, por mau policiamento.
            Se existe uma polícia federal ambiental, vale reforça-la em pessoal treinado para enfrentar as quadrilhas esgueirando na floresta todos os dias, e não só quando são assassinados nomes relevantes. É responsabilidade de Brasília acolher toda a população guardiã nacional. Até no esquecido Vale do Javari.

Para saber mais


Latinos e o nazifascismo ianque

            A assinatura dos novos atos executivos (decretos) pelo presidente recém-empossado Donald Trump consolidou um clima mais à ultradireita, despertado pelo gesto nazista de Elon Musk durante a posse e o mesmo de Steve Bannon em um auditório com militantes e uns deputados brasileiros.
            A viralização de vídeos de parlamentares que festejaram a esbórnia logo após a eleição de Trump em novembro último contrasta brutalmente com a violenta condição vivida pelos imigrantes brasileiros ilegais durante a vinda do problemático avião estadunidense até a primeira escala em Manaus.
            Não foram só as algemas com correntes nas mãos e nos tornozelos que ferrou o moral dos deportados. Eles não puderam ir ao banheiro, não tinham água nem um lanche simples, e ainda sofreram agressão física da guarda estadunidense que os acompanhava, em alegada segurança.
            Nesse paralelismo de realidades, as cenas dos parlamentares bolsonaristas torrando grana pública para vagabundagem são uma chicotada complementar nos deportados que sofreram a humilhação por um único crime: entrar ilegalmente em busca de melhores condições de vida.
            Desenhou-se um contexto execrável de opostas coincidências, que revolta os mais conscientes e remexem com o sentimento pró-equidade dos mais justos.
            A deportação repentina e forçada dos brasileiros em tal condição os fez aprender que o “american dream” não passa de uma ilusão vendida por décadas pelos EUA. E aprender que são todos um povo tão latino quanto os irmãos de cultura hispânica. Mas, e os parlamentares bolsonaristas?
            Bem, destes não precisa esperar nada de alvissareiro. Como todos os políticos de ultradireita, eles se dizem patriotas enquanto bajulam lideranças estrangeiras como Orbán e Trump. E humilham os deportados reproduzindo o mito de que a deportação se deu por “serem todos criminosos”.
            Em doce sabor da ironia, a maior parte dessa massa expulsa em situação humilhante contribuiu para a eleição de Jair Bolsonaro, que ainda em campanha na corrida eleitoral foi aos EUA conhecer Trump em primeiro mandato e prestar vergonhosa continência para a bandeira estadunidense.
            Os parlamentares bolsonaristas não são só cultuadores do nazifascismo. Não é só mera identidade ideológica. O motivo movente por trás é muito dinheiro, bancado por gente poderosa do agro e uma elite ligada a Trump e às big techs. O gasto de grana pública é só um breve detalhe.
            E o mais bizarro – e infelizmente realista – desse aprendizado é que todos nós, inclusive os parlamentares bolsonaristas, somos essencialmente latinos. Mas há latinos e latinos dentro do Brasil: em oposição antipódica aos conscientes sócio-históricos e aos antifascistas, os bolsonaristas são apenas vira-latas bem pagos.

Para saber mais
- https://www.youtube.com/shorts/bpi8aNRM3i0 (plantinha Meteoro Brasil)


O possível desespero da ultradireita

            Enquanto o governo Lula tentava se esquivar da rede de fake news que provocaram uma queda da sua popularidade, lideranças da ultradireita foram surpreendidas pela notícia do dia: a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) teve o seu mandato cassado.
            Vencedora por 5x2 em votação colegiada no TRESP, a decisão é o veredicto do julgamento retomado de processo judicial por abuso de poder político e uso indevido de meio de comunicação com mentiras, com “direito” até a ofensas à honra do presidente da República, na promulgação da PEC tributária.
            O julgamento da ação judicial foi protocolado em dezembro por Sâmia Bonfim (Psol-SP), colega adversária e um dos alvos diletos dos ataques de toda a ultradireita. Na época, o processo foi interrompido por Maria Cláudia Bedotti, que pediu vista. O veredicto não transitou em julgado: cabe recurso.
            Carla correrá atrás enquanto atua. Ela sabe que sua cassação pode atingir os retardatários Paulo Bilynskyj e Tiririca, eleitos no quociente eleitoral do PL. A saída de três deputados pode aumentar a bancada de um dos partidos agora mais temidos pela ultradireita: o Psol, que agrega gente como Glauber e Sâmia.
            A explicação dessa possibilidade tripla está na relação entre o tamanho da bancada, e a soma recorde de votos somados para o PL (Nikolas teve 1,5 milhão, Zambelli com 946.244 e Dudu Bolsonaro, 740700), o que possibilitou a entrada de Bilynskyj e Tiririca, que tiveram 10 vezes menos votos do que os dois.
            A surpresa com a notícia não foi à toa. Reeleita em 2022, Carla é um grande nome da ultradireita bolsonarista. Ela e sua caterva escaparam, com beneplácito de Arthur Lira, de ser processada no Conselho de Ética da Câmara, que prefere alvejar os pró-Lula ou os da esquerda, para ajudar o poderoso Arthur Lira.
            A caterva reacionária tem servido bem ao supremo líder do Centrão como apoio contra Glauber Braga (Psol-RJ), que expôs a face nazifascista do MBL e as contas obscuras de Lira; em ataques ao governo com vários pedidos de impeachment; e vetos às propostas incômodas ao mercado.
            Em fria análise, Sâmia se direcionou judicialmente ao TRESP por consciência dos fatos supracitados, e por entender a importância de Zambelli para a ultradireita, que conta com figuras mais novas como Eduardo e Flávio Bolsonaro, Nikolas, Tarcísio e Pablo Marçal.
            E Sâmia tem uma ajudinha da PGR (acionada pelo STF), que acionou a PF a ir na cola dos parlamentares bolsonaristas, como Zambelli, Nikolas, Marcel van Hatten (Novo-RS) e outros, por suspeita de incentivo à intentona de 8/1, devido aos indícios nas declarações de anistia aos milhares de partícipes.
            Para finalizar, analistas políticos e juristas em geral concordam que o colegiado do STF tenderá a seguir a decisão do TRESP ao julgar o recurso de Carla. A materialidade das provas contra ela é ampla e ameaça seus colegas. É o desespero da ultradireita ante o possível crescimento da ala de centro-esquerda.




















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