PERDÃO A ABUSADORES: A NOVA FACE DO PROSELITISMO
Depois de vermos a Globo sutilmente censurar o belo discurso de Erika Hilton durante a transmissão do desfile da
escola de samba Paraíso do Tuiuti, um vídeo viralizou nas redes sociais,
aquecendo o debate público, até chegar nas fontes jornalísticas – das
independentes aos jornalões.
No vídeo, uma plateia de
jovens estava reunida na boate D-Edge, em Sampa. No palco, uma banda tocava uma
música lenta e leve, que embalava a geral. Em primeiro plano no palco, com o
reluzente cabelo azul vibrante e chapéu, se destacava Baby do Brasil, a ex-Baby
Consuelo.
Diferentemente daquela
jovem do movimento musical dos Novos Baianos dos anos 1980, que embalava a
juventude em doce rebeldia com sua barriga grávida à mostra, Baby do Brasil havia interrompido sua cantoria de louvor no momento do vídeo. Ela estava, na verdade, pregando um culto na
D-Edge.
Com os braços erguidos no
mesmo gesto de louvor e bailando ao ritmo lento da música que tocava como fundo, a plateia juvenil era
composta, ao menos em boa parte, de jovens mulheres. Então Baby pregou, em tom bastante enfático, seu ensino de perdão: “Foi abusada? Perdoa! Se o abusador é da
família, perdoa!”.
Foi esse corte de vídeo –
com a pregação – que viralizou e repercutiu até chegar em... Brasília. A
deputada federal Sâmia Bonfim (Psol-SP), conhecida por sua luta feminista, acionou o Ministério Público contra a
pastora, por incitação ao crime de estupro.
“´O que ela pregou é inaceitável e criminoso”, disse, em justificativa.
A ação assustou Baby, que
logo se disse “mal interpretada”, no pretexto de sempre. Segundo Baby, o perdão
“não é ao abusador, não é para inocentá-lo”, e sim para “eliminar a
dor do imposta pelo ato”. Ela alega
que esse tipo de perdão “está nas escrituras sagradas”, o que não é bem
verdade.
Como se não bastasse a má
interpretação dos textos sacros pelos líderes religiosos, a religiosidade (ou a
religião) costuma ser usada por regimes autoritários para alimentar o ódio de
gênero e as teologias de domínio (nova face do proselitismo), como a das igrejas neoevangélicas tipo a de
Baby do Brasil. E isso não é nada bom.
Esse contexto faz com que a
vítima do abuso sexual se autopuna, quase inviabilizando a resolução do crime.
E a pregação de Baby do Brasil não livra as vítimas dessa dor: pelo contrário,
a piora, levando à distúrbios mentais e até suicídio. E não é só isso que elas
acabam induzindo.
Podemos dizer que as
igrejas neoevangélicas – ao menos por meio de alguns representantes na política
–, ao usarem tal discurso, estão por trás, também, do incentivo ao aumento das violências
de gênero, incluindo aí os abusos sexuais e, claro, a pedofilia, que também
atinge meninos.
Porque, vale sentenciar, a pregação
de Baby do Brasil foi bastante clara e direta: “[...] se for da família,
perdoa”. Não, Baby, não dá. Abusos sexuais são imperdoáveis, porque as
próprias igrejas nunca estendem a mão para ajudar as vítimas. Daí a necessária
ação de Sâmia Bonfim: esta, ao seu modo, estende a mão.
Para saber mais
O Dia Internacional da
Mulher já foi abordado em publicações anteriores no blog. Como nas
abordagens sobre a banalização da violência contra meninas e mulheres, tanto
nos noticiários de um cotidiano sangrento, seja em discursos misóginos como o
de Nikolas Ferreira em 2023.
Neste ano, o manifesto
feminista 8M-2025 ocorreu em todo o país, puxado por lideranças reconhecidas e acompanhadas
por simpatizantes. O 8M-2025 se seguiu ao belo desfile da escola de samba
carioca Paraíso do Tuiuti com o tema trans e Erika Hilton como destaque.
Em paralelo, a rotina das
mulheres cis e trans do povo não mudou. Ao menos dois crimes vieram à tona na
mídia neste dia: a descoberta do corpo assassinado da adolescente paulista
Vitória, dada como desaparecida; e a oficial de justiça fisicamente agredida
por um PM em B Horizonte.
Esses são apenas dois entre
tantos exemplos transformados em números no rol das estatísticas mensais nos Anuários
de Violência contra a Mulher. Portanto, outros casos de violência contra a
mulher – com ou sem feminicídio no final – ocorreram por todo o Brasil.
Enquanto as ruas estavam
cheias de mulheres em marcha, uma luz violenta se projetava na Praça dos Três
Poderes em Brasília para ressaltar o 8/3. No Congresso, os discursos ofensivos
da ultradireita não chamaram atenção. Mas ainda assim, isso importa.
A geral alheia aos
movimentos se pergunta: “o que deu nos homens?” a cada surto de
violências noticiadas. Assimilado pela ideologia violenta do bolsonarismo e
pelas igrejas neopentecostais, o pseudomoralismo ideológico do MBL explica
isso. E discursos endossam a explicação.
No Congresso, os discursos
viraram debates. No Senado, em comissão de meio ambiente ocorrente em 8/3,
Fabiano Contarato chamou a atenção pela explosão de feminicídios. A colega
Leila do Vôlei disse que as mortes femininas aumentaram 112% entre 2023-24.
Por conta do período, já sob
o governo Lula 3, do aumento referido pela senadora, os políticos bolsonaristas
– que foram eleitos para criar propostas voltadas para as necessidades da nação,
mas nada fazem – se aproveitaram da deixa para, reiteradamente, culpar o
governo federal pelo aumento das violências de gênero.
Discursos políticos à
parte, a pergunta popular não reflete apenas o terror com a escalada de
violências, letais ou não. Reflete o desafio dos agressores às normas vigentes
e, em parte, cooptação ideológica pela extrema direita e fechar de olhos das instituições
cristãs. Os manifestos e discursos
revelam que em 8/3 não se comemora: se luta.
Para saber mais
Com o vice Alckmin, os
presidentes do Congresso Hugo Motta e Davi Alcolumbre e parte da sua equipe, o
presidente Lula deu posse de ministra de Relações Institucionais para a
ex-presidente do PT Gleisi Hoffmann. “Nomeio uma mulher bonita para
articular melhor com o congresso, disse ele aos presentes.
Trata-se do velho hábito
dos discursos improvisados em linguagem popular. O que sujeita o presidente a
constrangimentos e a críticas do grande público, a partir das notícias dos
jornalões repercutidas nas redes. Seu discurso foi considerado machista e
sexista. Gleisi reagiu.
“Não teve e não tem
outro líder como o presidente Lula, que mais empoderou as mulheres. Não é
qualquer líder que ousa lançar a primeira mulher presidenta do país, a primeira
presidenta do PT, o que mais nomeou mulheres ministras [...]”, respondeu
Gleisi, em defesa ao presidente.
O discurso de Lula foi
aproveitado pelos bolsonaristas para atacar o governo. O deputado Gustavo Gayer
foi mais longe ao publicar post chamando Lula de “cafetão oferecendo Gleisi”
para formar um trisal envolvendo Lindbergh Farias e o presidente do Senado Davi
Alcolumbre.
Ferrou: Alcolumbre quer
Conselho de Ética para viabilizar cassação. Grupos de esquerda rememoram ofensas
de Bolsonaro contra mulheres, a violência como “instinto natural”
segundo Zema, e os cortes profundos de recursos de combate à violência contra
mulheres por governos estaduais bolsonaristas.
A crítica dos jornalões à
fala de Lula é certa: há um preconceito regional e classista. Mas é sobretudo ideológica. Eles envergonham em nunca se
contraporem às ofensas de Jair Bolsonaro a colegas mulheres e às jornalistas na
presidência; e se silenciar ao corte de 98% de verbas do combate à violência pelo seu queridinho Tarcísio (SP).
Ao se silenciarem sobre o
protagonismo dos nomes da direita na violência de gênero, os jornalões têm que
assumir responsabilidade. Ao criticarem só os de esquerda, eles manipulam a
opinião pública contra esta e alimentam o ódio popular de gênero. Subestimar a
importância das ofensas de um lado por seleção ideológica é também esfaquear a
democracia.
Para saber mais
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