sábado, 24 de maio de 2025

CURTAS 89 - ANÁLISES (fenômeno reborn, vergonha do senado)

 

MÃES DE REBORN: MODA OU MAL?

            Não há menor dúvida de que os plásticos vindos da indústria petroquímica e os silicones (sílica polimerizada com hidrogênio, carbono e oxigênio) são muito versáteis e práticos, usados para fabricar muitos tipos de utensílios. Versões atóxicas são tornados potes de alimento, talheres e brinquedos.
            O silicone ganhou espaço considerável na linha de brinquedos, em especial na fabricação de produtos macios. E na subcategoria de bonecos – que atrai tanto colecionadores quanto meninas nas brincadeiras de “casinha” – surgiram os bonecos ultrarrealistas. Principalmente, como crianças de colo.
            Renascidos lucrativos – também chamados de reborn (renascido, em inglês), os bebês são imitações perfeitas na cor e na textura de pele, cabelos e expressões faciais. Seus preços no mercado variam de R$ 500 a R$ 10 mil, a depender dos materiais utilizados e da demanda. Sua procedência é, sobretudo, artesanal.
            Chamadas de cegonhas devido à famosa lenda, mulheres artesãs são as maiores fabricantes. Algumas fazem enxovais completos e organizam “festas infantis” com buffet completo. No Rio de Janeiro, a prefeitura criou o dia da cegonha reborn em 8 de maio. Mas, e se eu disser que tais bonecos não são novidade?
            Os primeiros bebês realistas surgiram nos anos 1940 nos EUA para escolas ensinarem às jovens noivas a puericultura (cuidado com filhos de colo). Voltaram à tona por lá popularizados nos anos 1990, e aqui no Brasil a partir da pandemia de C19. Novos, só o hiper-realismo e o apropriado termo inglês.
            Assim como os já midiatizados homens japoneses que adquirem mulheres de silicone ou hologramas, o público-alvo dos reborn são, sobretudo, mulheres sem filhos. O que nos parece uma moda febril desperta, agora, uma verdadeira polêmica sobre até onde reside a funcionalidade – ou terapêutica – desses objetos.
            Funcional ou problemático? – na internet surgiram duas linhas de debates sobre as mães de silicone. Enquanto a patuleia chove críticas eivadas de preconceito, alguns especialistas se debruçam em perguntas se o fenômeno é problemático ou se tem algum potencial ao nível psicológico e afetivo.
            A comparação com o já citado caso dos japoneses com bonecas infláveis possibilita reflexões mais claras sobre a funcionalidade afetiva desses objetos. Há potencial terapêutico? Se sim, até que momento? Isso tende a despertar divergências entre especialistas da psique humana – especialmente psicólogos.
            Segundo as várias fontes jornalísticas que publicaram sobre os casamentos japoneses, alguns entrevistados relataram sobre suas vidas classificaram como positivas as suas vidas cotidianas e afetivas em suas experiências. A maioria diz que têm vida real normal. O mesmo sobre eles pode se aplicar aos bebês reborn?
            Para a psicóloga Larissa Fonseca, os bebês “podem funcionar como objeto transiciona em processo de luto ou no combate à depressão, podendo estimular o retorno a uma rotina, do cuidado, do carinho”. Em relação aos idosos com Alzheimer, ela reforça que os objetos podem “reduzir a ansiedade e facilitar as interações”.
            A professora de Psicologia da Faculdade Anhanguera de São Paulo Angelita Traldi concorda que o boneco pode ser “brincadeira saudável ou expressão terapêutica”. Mas ela adverte que tudo muda quando “a atividade interferir nas relações reais”, com experiência de transtorno mental ou confusão com alguém real.
            Especificamente sobre a doença de Alzheimer, Traldi explica que, por prescrição dos psicólogos, as clínicas adquirem os bonecos para “desenvolver a afeição, a socialização e sentimento de utilidade que resgatam a memória afetiva dos pacientes”, de forma orientada e nos limites adequados, de forma a evitar excessos que levem à dependência inconsciente deles.
            Em fria análise final, podemos, dessa forma, concluir que faz parte da natureza humana a relação com objetos de valor definido para cultivar ou despertar memórias afetivas, ou mesmo despertar reflexões, ou mesmo contribuem para alguns superarem momentos de luto ou depressão.
            Na relação com um boneco hiper-realista, o limite entre o saudável e o prejudicial é muito tênue. Alguns conseguem se estranhar a tempo e buscam cortar o mal. Outros, tarde demais. Portanto, antes de julgar uma mãe de bebê reborn, procure saber se ela está em a vida normal em dia. Do contrário, ajude: a pessoa pode estar passando por algum pesar.
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BETS: A CPI DA VERGONHA

            Quando se fala de apostas com jogos de azar, não despertamos atenção: o apreço popular por essa categoria de jogos é secular. Herança da colonização portuguesa, o jogo do bicho se tornou ilegal no Brasil há mais de 100 anos, após uma mãe vender seu próprio filho para sustentar seu próprio vício no jogo.
            O tempo passou, o jogo do bicho continuou ilegal e virou fonte de renda a mais para as novas orcrims, no tráfico e nas milícias – além da proximidade das famílias mais proeminentes com a classe política e as escolas de samba no RJ. E acompanharia as mudanças no mundo trabalhista, com as fontes online.
            No mundo do trabalho digital nasceu o influenciador – que entra em todos os canais nas plataformas de redes sociais por meio de vídeos e blogs. Entre os muitos canais, os de games, e daí se pulou para as apostas, que em poucos piscares de olhos se tornaram centro de plataformas e aplicativos de celular.
            Imagino que a maioria dos influenciadores seja ética, se ligando à verdade dos fatos em canais de história, atualidades e ciência, e mesmo nos canais de games. Outros viram celebridades ao divulgar suas vidas pessoais. Mas há que pregam desinformação, ódio e incitam a vícios com perda de grana. Aí entram as bets.
            Bets são apostas de jogos de azar online, popularizadas como apps de celular mediados por influenciadores. A maioria dos jogos é legalizada no Brasil, mas pipocam os ilegais, como cassinos e bingos. Se a presença de jogos ilegais já é ruim, saibam que esta é só a ponta do novelo de irregularidades nesse submundo.
            Modus operandi vicioso – os depoentes explicam que os jogos são pagos. Motivado pelo influenciador, o cidadão insiste em obter novas supostas vitórias, até se viciar. Na CPI das Bets, um policial civil disse que “os apostadores precisam baixar um aplicativo, onde influenciadores recebem conta demo para simular ganhos”.
            Ele explica que a conta demo do influenciador é um perfil falso usado para iludir o jogador com ganhos irreais. Os novos links de apostas são enviados pela conta real (não acessada) do influenciador, que responde pelo lucro da empresa de bet com os pagamentos do jogador. O caráter de sucessão é o gerador do ciclo vicioso.
            Feito geralmente em pix, o pagamento dos jogos – nunca convertido em prêmio real – é usado para lavagem de dinheiro pela empresa de apostas.
            Contratos milionários – entre os depoentes convocados pela CPI das Bets constavam alguns influenciadores, para explicar sobre seus contratos e suas funções. Nos poucos cortes que vi até o momento, ao menos com dois deles, quem assistiu pode deparar com um verdadeiro show de vergonha – dos senadores.
            Cabelos longos, óculos e traje e jeito de adolescente mimada, Virgínia Fonseca era para ter sido advertida naquele dia, após debochar de Soraya Thronicke por esta ter pego vídeos antigos. Só que, seduzidos pela estrela de R$ 10 milhões de contrato, os senadores tiraram selfies com ela. Foram duramente criticados nas redes.
            Com Rico Melquíades, que entrou depois, a postura dos senadores foi séria o suficiente para ele se sentir desconfortável com a diferença de tratamento em relação à colega. Se essa mudança foi por vergonha da humilhação da tietagem ou pelo contrato possivelmente menor de Rico, não sei dizer. Mas foi visível.
            Membro da CPI, Cleitinho Azevedo (PL-MG) chegou ao cúmulo de pedir desculpas pela vergonhosa selfie com Virgínia após babar ovo para ela no plenário da casa. Ele se perdoou sozinho, pelo imperdoável. Piorou a sua própria imagem de oportunista sustentada por sucessão de vídeos em cima de fatos do momento.
            Ainda me pergunto até hoje como os meus conterrâneos de MG puderam eleger Cleitinho para um cargo de peso que representa o Estado (sim, os senadores representam os Estados, mas são eleitos popularmente). A mesma pergunta vale para Nikolas. São políticos sem propostas dignas de nota, só mentiras e oportunismo (felizmente Nikolas não é membro dessa CPI, Cleitinho bastou bem).
            Não vi mais a CPI das Bets, nem tenho acompanhado novidades desde então. Mas por outros canais soube que os senadores reassumiram a postura que nunca deveriam ter perdido diante de Virgínia. Mas vejo ser tarde demais: a CPI acaba bem em breve – humilhada pelo estrelismo de alguns poucos.
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domingo, 18 de maio de 2025

CURTAS 88 - ANÁLISES (Leão XIV, censura de Trump)

 
OS DESAFIOS DE LEÃO XIV

            Após o reconhecido sucesso do carismático papa Francisco em conter o avanço da evasão de fiéis, a galera da cúpula da ICAR deve ter debatido muito sobre o perfil adequado do sucessor para repetir a popularidade com discurso de acessibilidade, tolerância e inclusão.
            Quase 20 dias de ritos após a morte de Francisco, a fumaça branca na chaminé da basílica de São Pedro anunciou o eleito à patuleia. Após a apresentação latina na sacada, aparece o Papa Leão XIV. Em veste tradicional completa, ele teve expressão tranquila e acenou ao povo que o aplaudia.
            Das Américas – Robert Vincent Prevost é o nome de batismo do novo papa, outro vindo de fora da Europa. Assim como seu antecessor Francisco, ele nasceu nas Américas. Seu berço são os EUA – o que fez surgir um debate se houve influência de Trump para a eleição de um estadunidense.
            O teor do debate até faz sentido. Os motivos se ligam a Donald Trump. Em 2016, o guru trumpista Steve Bannon chegou a sugerir a morte de Francisco. Na véspera da morte deste, o vice de Trump DJ Vance o visitou no Vaticano. E recentemente viralizou um post de Trump como papa.
            Mas a teoria se revelou infundada. Como Francisco, Leão XIV criticou o governo autoritário de Trump, diante de um contexto aparente de democracia interna que os nossos jornalões neoliberais e os governos estadunidenses sempre mostraram.
            História do nome – o nome papal pode refletir o viés teológico e ideológico de cada papa. A escolha de Prevost para Leão XIV se refere à herança ideológica de Leão XIII (1878-1903), que defendia os direitos dos trabalhadores e sindicatos, mas também o direito à propriedade privada.
            Conta-se que, nos bastidores, que o Francisco queria ser sucedido por alguém que se assumisse como João XXIV, em referência a João XIII, “o bom” (1958-63), mundialmente popular por pregar a liberdade cultural e religiosa, e pelo Concílio Vaticano II que pregava a abertura da ICAR ao novo mundo, sendo uma inspiração para o jesuíta.
            Mas Prevost não o satisfez. Embora entendesse o viés social da Teologia da Libertação – da qual Bergoglio foi aluno – em sua vida pastoral em Trujillo e Chiclayo, no Peru (se naturalizou peruano), ele defendia os direitos dos pobres a terras e casas próprias, e segurança jurídica e boas condições no trabalho.
            Um papado desafiador – segundo a mídia internacional, Leão XIV se declara reformista. Mas, talvez não ao ponto de Francisco, João XXIII ou Paulo VI (outro progressista, sucedeu João). Alterar a doutrina católica para aceitar mais e melhor a pluralidade? Chance remotíssima de acontecer: nem Francisco chegou a tanto.
            Em sua capa, a revista Veja traz estampada a mensagem de que Leão XIV “seguirá o legado de Francisco”. Já Ilze Scamparini, famosa correspondente da Globo News dos telhados de Roma, diz que “ele não será um Francisco II”. Nem outro já citado. E o porquê está além de Leão XIII.
            Defender a propriedade privada é, digamos, natural em Prevost. Estadunidense, ele traz consigo o capitalismo imiscuído na cultura dos EUA. A carreira pastoral no Peru não lhe tirou esse ideal anticomunista. Difere, portanto, de Francisco, que via o direito à propriedade privada desde que houvesse nele a sua finalidade social.
            Minorias sexuais – dia desses, Leão XIV defendeu publicamente “a proteção, pela Igreja, da família formada por um homem e por uma mulher”. É práxis da doutrina cristã esse direcionamento. Mas vale lembrarmos que Francisco se permitiu compreender o diversificado mundo LGBTQIAPN+.
            Isso pode significar muito. Afinal, o novo papa sabe que a popularidade de Francisco foi bem além de suas práticas caritativas, pluralistas e de desprezo ao luxo: ele desafiou o stablishment ideológico dominante na cúpula vaticanista.
            Resta saber como Leão XIV vai conciliar seus ideais concordantes com os valores tradicionais mais profundos da ICAR com os do antecessor, cujo legado ele prometeu continuar. Esse será o seu maior desafio.
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CENSURA TRUMPISTA E 1ª EMENDA

            Já sabemos da política migratória de Trump, evoluída de exportação de imigrantes para terras natais a traslados para as prisões de El Salvador na alegação de criminosos. Já sabemos também da proposta de ele querer “comprar Gaza” para transformá-la num "ponto de resorts de luxo", com Israel ajudando em novas ofensivas.
            Já sabemos também que ele ordenou o rebatismo do golfo do México por editores e jornalistas, e de servidores demitidos ou com salários suspensos por suas críticas ao governo. Matou a política de diversidade. Aparelhou as big techs a seu favor, mesmo a custo de alguma perda. Meteu tarifaço no mundo. Agora alveja a imprensa e as universidades.
            Censura – diferente do “rebatismo” do golfo que banha toda a costa leste mexicana, o novo decreto de Trump de supressão de certos temas em publicações jornalísticas e científicas é de arrepiante censura. Embora seja anterior ao tarifaço global, somente agora me debruço em analisar esse caso que é mais interessante do que parece.
            Na imprensa, na educação básica e nas universidades, alguns “temas sensíveis” são vetados, como as derrotas nas guerras da Coreia e do Vietnã, e a odiada teoria da evolução biológica no famoso Cinturão Bíblico no sul do país. Agora aumentou o leque da censura sobre: piora climática, desenvolvimento de vacinas e diversidades.
            A universidade de Harvard reagiu à censura científica de Trump. Mas, como outras universidades privadas, a instituição recebe concessão pública que fomenta as pesquisas e a inclusão de estudantes de baixa renda. Daí, teve que se recuar, pois o governante ameaçou suspender a verba de incentivo.
            Consequências – o efeito da censura imposta recaiu principalmente sobre as universidades. Apesar de inicialmente discordar, Harvard acatou a ordem para manter a entrada de estudantes de baixa renda. Abriu mão da política diversionista de Biden. E a consequência mais nefasta: a fuga de cérebros.
            Característica tradicional em países nos quais não há incentivo financeiro e político para alavancar as pesquisas científicas, a fuga de cérebros pode ter agora novo ponto de partida: os EUA – justamente o país que tem colecionado prêmios Nobel em ciências nas últimas décadas. E isso não é ruim para a imagem educacional de base do país, que já não é lá essas coisas.
            1ª Emenda – Trump alega usar os princípios da decantada 1ª Emenda Constitucional dos EUA para justificar sua ordem. Quiçá, ele esteja certo – e sabe disso. Essa lei prega a liberdade absoluta de expressão: você não pagará pelos limites ultrapassados. E isso facilitou o stablishment político do momento – agora, trumpista.
            É para evitar situações assim – ou, como na nossa ditadura, até elogiar milico era proibido – que a nossa Carta Magna relativiza a liberdade de expressão, o que define um limite que, se ultrapassado, pode implicar em sublimação completa da outra parte do debate, quase sempre descambada em ódio. Isso tem acontecido, com algumas condenações já conhecidas.
            Pode ser que, na intenção, a 1ª Emenda dos EUA não seja tão ruim ou péssima quanto parece. Ela permite se expressar sobre tudo, até se dizer socialista num chão onde capitalismo é cultura. O problema – como sempre – está na interpretação prática dessa lei, induzida pelo stablishment político do momento. E o momento agora é trumpista.
            Falemos do exemplo de ser socialista. Você pode ser socialista nos EUA, mas há limites estreitos, ainda mais estreitados por Donald Trump. O histórico Bernie Sanders¹ é socialista. Mas, um presidente socialista é inconcebível. Não é a 1ª Emenda que impede, e sim o stablishment sociopolítico que lhe redefine os limites.
            E Trump assim o fez. Para satisfazer seu ego negacionista, preferiu determinar o que pode e não pode ser publicado na imprensa e na ciência. O que não pode ele vê como socialismo. Pesquisar diversidade sexual, piora climática por dano ambiental e desenvolvimento de vacinas e outras profilaxias é tudo “coisa da esquerda” a ser combatida. Pobres EUA.
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sábado, 10 de maio de 2025

ANÁLISE: A mais nova herança maldita em Lula 3

 

          No pós-eleição-2022, a equipe de transição levantou dados do governo anterior. O levantamento revelou um enorme estrago. Lula os mostrou ao Congresso e ao STF, que avalizaram com a realização de um pré-governo antes da posse, com PEC da transição promulgada e tudo.
                Mas, o bolsonarismo revelou-se vivo: plano de golpe culminado com a intentona de 8/1, bolsonaristas presidindo comissões estratégicas, Lira desafiando STF e governo, cassação iminente de Glauber Braga, fakenews de Nikolas, Gayer e outros... e uma surpresa.
                Agora veio a mais recente novidade: a descoberta do rombo de R$ 1,3 bilhão nas contas do INSS pela operação Sem Desconto da PF – que surpreendeu o governo Federal ao ponto de melindrar o ministro Carlos Lupi e o presidente do INSS, Alessandro Stefanutto.

                Glauber – o deputado do Psol-RJ não incomoda só os interesses das maiores lideranças da casa e mesmo em governos. Ele também é trincheira ocasional de Lula 3, como no apoio à isenção de IRRF em rendas até R$ 5 mil e na defesa a Erika Hilton, não só como colega partidária, também quanto às discriminações e na sua PEC trabalhista.
                Mesmo ocupado em lutar pelo seu cargo, agora na iminência de seu fim no plenário da Câmara, Glauber conhece a história do rombo do INSS, até por estar em seu quarto mandato na Casa. Foi escanteado pelos jornalões quando veio à tona a operação da PF sobre o rombo.

                História de um rombo acobertado –em 2019 foi promulgada a reforma previdenciária de Paulo Guedes. Após isso, houve um acordo de cooperação técnica (ACT) entre INSS, outros entes públicos e empresas, para dialogar sobre os impactos da nova emenda em vigor sobre os recursos.
                A legitimidade dos ACTs nunca foi discutida: neles se debate sobre execução de projeto, atividade ou serviço de interesse comum dos partícipes que não envolva transferência de grana, conforme o Decreto 3.048/1999, depois decreto 10.410/2020 – que bloqueia descontos não autorizados. Mas, como na maioria das nossas leis, sempre há ressalvas e brechas.
                O ministro da área era Ônix Lorenzoni, e o presidente do INSS, Renato Vieira (2019-20), quando os descontos indevidos iniciaram em 2019, antes do novo decreto. Na operação da PF, a grana obtida foi rateada entre várias pessoas e 31 entidades foram citadas.
                Entre os indivíduos envolvidos no esquema se destaca o de Antônio Carlos Camilo Antunes. Mais conhecido como Careca do INSS, ele é apontado na investigação da operação da PF como o maior responsável pela fraude e pelo rateamento do montante entre os demais envolvidos.
                De acordo com o levantamento, Antônio Carlos, um servidor de carreira do INSS em setor ligado à concessão de benefícios, foi o imbuído operacional do esquema. Em seus perfis nas redes sociais, ele se assumia bolsonarista-raiz e chegou a ter proximidade com o ex-presidente.
                Ofícios ignorados – a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag) divulgou nota apontando que “após a publicação do decreto, o INSS não criou ferramentas adequadas para que os benefícios fossem desbloqueados pelos aposentados e pensionistas”.
                A Contag acrescenta ainda que essa falta resultou em “alto volume de autorizações não processadas”, e que enviou 2 ofícios ao INSS em 2022 “para coibir a prática abusiva contra aposentados e pensionistas rurais e contra os descontos indevidos". Posteriormente enviou mais 4 ofícios entre março e outubro de 2023. A resposta demoraria a vir.
                CGU- o silêncio e a inação do INSS ocasionaram a elevação do montante indevidamente bloqueado. Para apurar melhor o problema, a Controladoria-Geral da União (CGU) entrevistou 1.273 beneficiários no país, entre 17/4 e 4/7/2024, descobrindo um resultado aterrador.
                Entre os beneficiários – aposentados e pensionistas, associados e “livres” – cerca de 98% relataram terem seus benefícios descontados sem terem dado autorização. Ou seja, os ACTs não criaram ferramenta de desbloqueio. A PF acredita que o valor do rombo chegou a R$ 2,4 bi em 2024.
                
                Racha no governo – dada a forte repercussão das notícias do rombo, Lula 3 se viu mais pressionado ainda. Demitiu Stefanutto da ponta do INSS e respingou no histórico aliado Carlos Lupi, ministro da Previdência. Pressionado por seus próximos, Lula foi aconselhado a demiti-lo.
                A decisão do presidente melindrou a cúpula do PDT, herança brizolista presidida por Lupi. Os partidários decidiram sair da base do governo. Por convite do desgastado Ciro Gomes, a bancada pedetista tentou guinada para o bolsonarismo, o que enxuricou fortemente a sua militância, especialmente entre os segmentos mais jovens.
                
                Aa resposta do governo – o governo já agilizou nas nomeações. O presidente do INSS é Gilberto Waller Jr, um procurador federal, que pode intervir mais rápido às adversidades. E o ministro da Previdência é o pedetista Wolney Castilho – uma resposta ao PDT após a demissão de Lupi.
                O governo já anunciou, também, o ressarcimento às vítimas das fraudes, mas sem querer mais prejuízo aos contribuintes em geral. Nisso, a Advocacia-Geral da República (AGU), com Jorge Messias à frente, planeja bloquear os bens acumulados do Careca do INSS visando convertê-los em verba para a execução do ressarcimento.
                Ainda, o governo federal revogou os ACTs, dada a sua ineficiência em questões tão nevrálgicas. Mas, ao menos até segunda ordem que resolva suas limitações. Pode acontecer que eles retornem, por meio de novo dispositivo legal bem elaborado e aprovado pelo Congresso.

                Fria análise – a bombástica notícia do rombo no INSS expôs outra fraqueza do atual governo: a demora em contra-atacar as irregularidades na administração pública. O que oportunizou a criatividade criminosa do extremista Nikolas Ferreira, que já lançou novo vídeo de ataque a Lula.
                No mesmo formato do vídeo do pix, esse do INSS busca jogar sobre Lula a responsabilidade pelo rombo. Seu efeito foi nefasto. Vergonhosamente, os jornalões caíram, ao menos um pouco, na armadilha do deputado fascista, e caíram malhando com foco na demora de Lula responder ao problema.
                A crítica dos jornalões pode ser válida para que o governo agilize nas providências. Mas não ao ponto de destrui-lo, por vergonhosamente acreditar na omissão sobre derruba de regra de exigência de autorização para descontos, na mentira do desvio de R$ 90 bilhões “pelo governo Lula”, se a própria PF estima os já citados R$ 2,4 bilhões.
                A nomeação do procurador federal pode significar maior rapidez na resposta a potenciais novas irregularidades ou, melhor ainda, em evita-las. Já outro pedetista ministro é estratégia de Lula de manter o PDT na sua base governamental. É uma questão política crucial: 2026 não demora a chegar.
                O mais importante nesse jogo todo é proteger a população beneficiária do INSS dos crimes de alto escalão que respinga.

Para saber mais
- https://www.youtube.com/watch?v=LHCCTVf7S00 (Desmascarandocoisa de gangster-vídeo de Nikolas sobre fraudes no INSS é cretino e mentiroso)
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Nota de atualização: assessor do presidente da Câmara Hugo Motta entrou na lista dos envolvidos no escândalo de corrupção do INSS. Ele é ligado à Conafer (Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais), que teve ACT com o INSS e recebeu valores dos descontos indevidos de aposentados rurais.







CURTAS 98 - ANÁLISES (Brasil- Congresso)

  A GUERRA POVO X CONGRESSO                     A derrota inicial do decreto do IOF do governo federal pelo STF foi silenciosamente comemo...