domingo, 18 de maio de 2025

CURTAS 88 - ANÁLISES (Leão XIV, censura de Trump)

 
OS DESAFIOS DE LEÃO XIV

            Após o reconhecido sucesso do carismático papa Francisco em conter o avanço da evasão de fiéis, a galera da cúpula da ICAR deve ter debatido muito sobre o perfil adequado do sucessor para repetir a popularidade com discurso de acessibilidade, tolerância e inclusão.
            Quase 20 dias de ritos após a morte de Francisco, a fumaça branca na chaminé da basílica de São Pedro anunciou o eleito à patuleia. Após a apresentação latina na sacada, aparece o Papa Leão XIV. Em veste tradicional completa, ele teve expressão tranquila e acenou ao povo que o aplaudia.
            Das Américas – Robert Vincent Prevost é o nome de batismo do novo papa, outro vindo de fora da Europa. Assim como seu antecessor Francisco, ele nasceu nas Américas. Seu berço são os EUA – o que fez surgir um debate se houve influência de Trump para a eleição de um estadunidense.
            O teor do debate até faz sentido. Os motivos se ligam a Donald Trump. Em 2016, o guru trumpista Steve Bannon chegou a sugerir a morte de Francisco. Na véspera da morte deste, o vice de Trump DJ Vance o visitou no Vaticano. E recentemente viralizou um post de Trump como papa.
            Mas a teoria se revelou infundada. Como Francisco, Leão XIV criticou o governo autoritário de Trump, diante de um contexto aparente de democracia interna que os nossos jornalões neoliberais e os governos estadunidenses sempre mostraram.
            História do nome – o nome papal pode refletir o viés teológico e ideológico de cada papa. A escolha de Prevost para Leão XIV se refere à herança ideológica de Leão XIII (1878-1903), que defendia os direitos dos trabalhadores e sindicatos, mas também o direito à propriedade privada.
            Conta-se que, nos bastidores, que o Francisco queria ser sucedido por alguém que se assumisse como João XXIV, em referência a João XIII, “o bom” (1958-63), mundialmente popular por pregar a liberdade cultural e religiosa, e pelo Concílio Vaticano II que pregava a abertura da ICAR ao novo mundo, sendo uma inspiração para o jesuíta.
            Mas Prevost não o satisfez. Embora entendesse o viés social da Teologia da Libertação – da qual Bergoglio foi aluno – em sua vida pastoral em Trujillo e Chiclayo, no Peru (se naturalizou peruano), ele defendia os direitos dos pobres a terras e casas próprias, e segurança jurídica e boas condições no trabalho.
            Um papado desafiador – segundo a mídia internacional, Leão XIV se declara reformista. Mas, talvez não ao ponto de Francisco, João XXIII ou Paulo VI (outro progressista, sucedeu João). Alterar a doutrina católica para aceitar mais e melhor a pluralidade? Chance remotíssima de acontecer: nem Francisco chegou a tanto.
            Em sua capa, a revista Veja traz estampada a mensagem de que Leão XIV “seguirá o legado de Francisco”. Já Ilze Scamparini, famosa correspondente da Globo News dos telhados de Roma, diz que “ele não será um Francisco II”. Nem outro já citado. E o porquê está além de Leão XIII.
            Defender a propriedade privada é, digamos, natural em Prevost. Estadunidense, ele traz consigo o capitalismo imiscuído na cultura dos EUA. A carreira pastoral no Peru não lhe tirou esse ideal anticomunista. Difere, portanto, de Francisco, que via o direito à propriedade privada desde que houvesse nele a sua finalidade social.
            Minorias sexuais – dia desses, Leão XIV defendeu publicamente “a proteção, pela Igreja, da família formada por um homem e por uma mulher”. É práxis da doutrina cristã esse direcionamento. Mas vale lembrarmos que Francisco se permitiu compreender o diversificado mundo LGBTQIAPN+.
            Isso pode significar muito. Afinal, o novo papa sabe que a popularidade de Francisco foi bem além de suas práticas caritativas, pluralistas e de desprezo ao luxo: ele desafiou o stablishment ideológico dominante na cúpula vaticanista.
            Resta saber como Leão XIV vai conciliar seus ideais concordantes com os valores tradicionais mais profundos da ICAR com os do antecessor, cujo legado ele prometeu continuar. Esse será o seu maior desafio.
Para saber mais
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CENSURA TRUMPISTA E 1ª EMENDA

            Já sabemos da política migratória de Trump, evoluída de exportação de imigrantes para terras natais a traslados para as prisões de El Salvador na alegação de criminosos. Já sabemos também da proposta de ele querer “comprar Gaza” para transformá-la num "ponto de resorts de luxo", com Israel ajudando em novas ofensivas.
            Já sabemos também que ele ordenou o rebatismo do golfo do México por editores e jornalistas, e de servidores demitidos ou com salários suspensos por suas críticas ao governo. Matou a política de diversidade. Aparelhou as big techs a seu favor, mesmo a custo de alguma perda. Meteu tarifaço no mundo. Agora alveja a imprensa e as universidades.
            Censura – diferente do “rebatismo” do golfo que banha toda a costa leste mexicana, o novo decreto de Trump de supressão de certos temas em publicações jornalísticas e científicas é de arrepiante censura. Embora seja anterior ao tarifaço global, somente agora me debruço em analisar esse caso que é mais interessante do que parece.
            Na imprensa, na educação básica e nas universidades, alguns “temas sensíveis” são vetados, como as derrotas nas guerras da Coreia e do Vietnã, e a odiada teoria da evolução biológica no famoso Cinturão Bíblico no sul do país. Agora aumentou o leque da censura sobre: piora climática, desenvolvimento de vacinas e diversidades.
            A universidade de Harvard reagiu à censura científica de Trump. Mas, como outras universidades privadas, a instituição recebe concessão pública que fomenta as pesquisas e a inclusão de estudantes de baixa renda. Daí, teve que se recuar, pois o governante ameaçou suspender a verba de incentivo.
            Consequências – o efeito da censura imposta recaiu principalmente sobre as universidades. Apesar de inicialmente discordar, Harvard acatou a ordem para manter a entrada de estudantes de baixa renda. Abriu mão da política diversionista de Biden. E a consequência mais nefasta: a fuga de cérebros.
            Característica tradicional em países nos quais não há incentivo financeiro e político para alavancar as pesquisas científicas, a fuga de cérebros pode ter agora novo ponto de partida: os EUA – justamente o país que tem colecionado prêmios Nobel em ciências nas últimas décadas. E isso não é ruim para a imagem educacional de base do país, que já não é lá essas coisas.
            1ª Emenda – Trump alega usar os princípios da decantada 1ª Emenda Constitucional dos EUA para justificar sua ordem. Quiçá, ele esteja certo – e sabe disso. Essa lei prega a liberdade absoluta de expressão: você não pagará pelos limites ultrapassados. E isso facilitou o stablishment político do momento – agora, trumpista.
            É para evitar situações assim – ou, como na nossa ditadura, até elogiar milico era proibido – que a nossa Carta Magna relativiza a liberdade de expressão, o que define um limite que, se ultrapassado, pode implicar em sublimação completa da outra parte do debate, quase sempre descambada em ódio. Isso tem acontecido, com algumas condenações já conhecidas.
            Pode ser que, na intenção, a 1ª Emenda dos EUA não seja tão ruim ou péssima quanto parece. Ela permite se expressar sobre tudo, até se dizer socialista num chão onde capitalismo é cultura. O problema – como sempre – está na interpretação prática dessa lei, induzida pelo stablishment político do momento. E o momento agora é trumpista.
            Falemos do exemplo de ser socialista. Você pode ser socialista nos EUA, mas há limites estreitos, ainda mais estreitados por Donald Trump. O histórico Bernie Sanders¹ é socialista. Mas, um presidente socialista é inconcebível. Não é a 1ª Emenda que impede, e sim o stablishment sociopolítico que lhe redefine os limites.
            E Trump assim o fez. Para satisfazer seu ego negacionista, preferiu determinar o que pode e não pode ser publicado na imprensa e na ciência. O que não pode ele vê como socialismo. Pesquisar diversidade sexual, piora climática por dano ambiental e desenvolvimento de vacinas e outras profilaxias é tudo “coisa da esquerda” a ser combatida. Pobres EUA.
Para saber mais
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