Após
o reconhecido sucesso do carismático papa Francisco em conter o avanço da
evasão de fiéis, a galera da cúpula da ICAR deve ter debatido muito sobre o
perfil adequado do sucessor para repetir a popularidade com discurso de
acessibilidade, tolerância e inclusão.
Quase
20 dias de ritos após a morte de Francisco, a fumaça branca na chaminé da
basílica de São Pedro anunciou o eleito à patuleia. Após a apresentação latina
na sacada, aparece o Papa Leão XIV. Em veste tradicional completa, ele teve
expressão tranquila e acenou ao povo que o aplaudia.
Das
Américas
– Robert Vincent Prevost é o nome de batismo do novo papa, outro vindo de fora
da Europa. Assim como seu antecessor Francisco, ele nasceu nas Américas. Seu
berço são os EUA – o que fez surgir um debate se houve influência de Trump para
a eleição de um estadunidense.
O
teor do debate até faz sentido. Os motivos se ligam a Donald Trump. Em 2016, o
guru trumpista Steve Bannon chegou a sugerir a morte de Francisco. Na véspera
da morte deste, o vice de Trump DJ Vance o visitou no Vaticano. E recentemente
viralizou um post de Trump como papa.
Mas
a teoria se revelou infundada. Como Francisco, Leão XIV criticou o governo
autoritário de Trump, diante de um contexto aparente de democracia interna que
os nossos jornalões neoliberais e os governos estadunidenses sempre mostraram.
História
do nome
– o nome papal pode refletir o viés teológico e ideológico de cada papa. A
escolha de Prevost para Leão XIV se refere à herança ideológica de Leão XIII
(1878-1903), que defendia os direitos dos trabalhadores e sindicatos, mas
também o direito à propriedade privada.
Conta-se
que, nos bastidores, que o Francisco queria ser sucedido por alguém que se
assumisse como João XXIV, em referência a João XIII, “o bom” (1958-63), mundialmente
popular por pregar a liberdade cultural e religiosa, e pelo Concílio Vaticano
II que pregava a abertura da ICAR ao novo mundo, sendo uma inspiração para o jesuíta.
Mas
Prevost não o satisfez. Embora entendesse o viés social da Teologia da
Libertação – da qual Bergoglio foi aluno – em sua vida pastoral em Trujillo e
Chiclayo, no Peru (se naturalizou peruano), ele defendia os direitos dos pobres
a terras e casas próprias, e segurança jurídica e boas condições no trabalho.
Um
papado desafiador
– segundo a mídia internacional, Leão XIV se declara reformista. Mas, talvez
não ao ponto de Francisco, João XXIII ou Paulo VI (outro progressista, sucedeu João). Alterar a doutrina católica para aceitar mais e melhor a pluralidade? Chance
remotíssima de acontecer: nem Francisco chegou a tanto.
Em
sua capa, a revista Veja traz estampada a mensagem de que Leão XIV “seguirá
o legado de Francisco”. Já Ilze Scamparini, famosa correspondente da Globo
News dos telhados de Roma, diz que “ele não será um Francisco II”.
Nem outro já citado. E o porquê está além de Leão XIII.
Defender
a propriedade privada é, digamos, natural em Prevost. Estadunidense, ele traz
consigo o capitalismo imiscuído na cultura dos EUA. A carreira pastoral no Peru
não lhe tirou esse ideal anticomunista. Difere, portanto, de Francisco, que via o direito à propriedade privada desde que houvesse nele a sua finalidade social.
Minorias
sexuais
– dia desses, Leão XIV defendeu publicamente “a proteção, pela Igreja, da
família formada por um homem e por uma mulher”. É práxis da doutrina cristã
esse direcionamento. Mas vale lembrarmos que Francisco se permitiu compreender o
diversificado mundo LGBTQIAPN+.
Isso
pode significar muito. Afinal, o novo papa sabe que a popularidade de Francisco
foi bem além de suas práticas caritativas, pluralistas e de desprezo ao luxo:
ele desafiou o stablishment ideológico dominante na cúpula vaticanista.
Resta
saber como Leão XIV vai conciliar seus ideais concordantes com os valores tradicionais mais profundos da ICAR com os do antecessor, cujo legado ele prometeu continuar. Esse
será o seu maior desafio.
Para saber mais
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Já
sabemos da política migratória de Trump, evoluída de exportação de imigrantes
para terras natais a traslados para as prisões de El Salvador na alegação de
criminosos. Já sabemos também da proposta de ele querer “comprar Gaza” para
transformá-la num "ponto de resorts de luxo", com Israel ajudando em novas
ofensivas.
Já
sabemos também que ele ordenou o rebatismo do golfo do México por editores e
jornalistas, e de servidores demitidos ou com salários suspensos por suas
críticas ao governo. Matou a política de diversidade. Aparelhou as big techs
a seu favor, mesmo a custo de alguma perda. Meteu tarifaço no mundo. Agora alveja a imprensa e as
universidades.
Censura – diferente do
“rebatismo” do golfo que banha toda a costa leste mexicana, o novo decreto de
Trump de supressão de certos temas em publicações jornalísticas e científicas é
de arrepiante censura. Embora seja anterior ao tarifaço global, somente agora
me debruço em analisar esse caso que é mais interessante do que parece.
Na
imprensa, na educação básica e nas universidades, alguns “temas sensíveis” são vetados,
como as derrotas nas guerras da Coreia e do Vietnã, e a odiada teoria da evolução biológica
no famoso Cinturão Bíblico no sul do país. Agora aumentou o leque da censura sobre:
piora climática, desenvolvimento de vacinas e diversidades.
A
universidade de Harvard reagiu à censura científica de Trump. Mas, como outras
universidades privadas, a instituição recebe concessão pública que fomenta as pesquisas
e a inclusão de estudantes de baixa renda. Daí, teve que se recuar, pois o
governante ameaçou suspender a verba de incentivo.
Consequências – o efeito da
censura imposta recaiu principalmente sobre as universidades. Apesar de
inicialmente discordar, Harvard acatou a ordem para manter a entrada de
estudantes de baixa renda. Abriu mão da política diversionista de Biden. E a consequência
mais nefasta: a fuga de cérebros.
Característica tradicional em países nos quais não há incentivo financeiro e político para alavancar as pesquisas científicas, a fuga de cérebros pode ter agora novo ponto de partida: os EUA – justamente o país que tem colecionado prêmios Nobel em ciências nas últimas décadas. E isso não é ruim para a imagem educacional de base do país, que já não é lá essas coisas.
Característica tradicional em países nos quais não há incentivo financeiro e político para alavancar as pesquisas científicas, a fuga de cérebros pode ter agora novo ponto de partida: os EUA – justamente o país que tem colecionado prêmios Nobel em ciências nas últimas décadas. E isso não é ruim para a imagem educacional de base do país, que já não é lá essas coisas.
1ª
Emenda
– Trump alega usar os princípios da decantada 1ª Emenda Constitucional
dos EUA para justificar sua ordem. Quiçá, ele esteja certo – e sabe disso. Essa
lei prega a liberdade absoluta de expressão: você não pagará pelos
limites ultrapassados. E isso facilitou o stablishment político do
momento – agora, trumpista.
É
para evitar situações assim – ou, como na nossa ditadura, até elogiar milico
era proibido – que a nossa Carta Magna relativiza a liberdade de expressão,
o que define um limite que, se ultrapassado, pode implicar em sublimação completa
da outra parte do debate, quase sempre descambada em ódio. Isso tem acontecido, com algumas condenações já conhecidas.
Pode
ser que, na intenção, a 1ª Emenda dos EUA não seja tão ruim ou péssima quanto
parece. Ela permite se expressar sobre tudo, até se dizer socialista num chão
onde capitalismo é cultura. O problema – como sempre – está na interpretação
prática dessa lei, induzida pelo stablishment político do momento. E o momento
agora é trumpista.
Falemos
do exemplo de ser socialista. Você pode ser socialista nos EUA, mas há limites
estreitos, ainda mais estreitados por Donald Trump. O histórico Bernie Sanders¹
é socialista. Mas, um presidente socialista é inconcebível. Não é a 1ª Emenda
que impede, e sim o stablishment sociopolítico que lhe redefine os
limites.
E
Trump assim o fez. Para satisfazer seu ego negacionista, preferiu determinar o
que pode e não pode ser publicado na imprensa e na ciência. O que não pode ele
vê como socialismo. Pesquisar diversidade sexual, piora climática por dano ambiental e desenvolvimento de vacinas e outras profilaxias é tudo “coisa da
esquerda” a ser combatida. Pobres EUA.
Para saber mais
- https://www.thecardiologyadvisor.com/news/trump-censorship-federal-websites-academic-journals/.
(grupos médicos e científicos se pronunciam contra a censura de Trump)
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