segunda-feira, 30 de junho de 2025

CURTAS 95 - ANÁLISES (caso Juliana)

 

O CAPITAL POR TRÁS DA MORTE EM VULCÃO

                Por movimentar R$ bilhões anuais, o turismo é uma mina de ouro global que nos chancela conhecer novas etnias e costumes e lugares desconhecidos ou desprezados. Dentre os ramos turísticos, o que mais cresce é o de aventura ou natureza – em particular, a exploração dos desafiadores ambientes vulcânicos.
                Os vulcões são terrivelmente belos. Alguns são destinos famosos, como os italianos Vesúvio e Etna, que atraem por sua beleza icônica e história, e o japonês Fuji, tão instagramável. Literalmente, os Andes têm vulcões de primeira grandeza. E agora, um país tropical situado no sudeste asiático vem chamado a atenção por ser salpicado de vulcões ativos e inativos.
                Indonésia – com 15 mil ilhas, esse país é o mais vulcânico do mundo. A famosa ilha de Java é lotada. É onde o Tambora explodiu em 1815 e o Krakatoa em 1883. Das centenas de vulcões, 155 são bem ativos e outros tantos adormecidos – sossegados por anos ou séculos após grande explosão. Como o Rinjani.
                Rinjani- o estratovulcão¹ de mais de 3mil m de altura e se destaca na ilha-parque homônima pública. Possui flancos irregulares e cobertos de vegetação na base, e cinzas e bombas mais acima. Seu cume é uma caldeira grande e profunda, que abriga um pequeno cone com cratera e um lago. Relevo acidentado e trilhas tortuosas desafiam quem deseja ver tudo do topo.
                O acesso ao cume é dificultado por ar rarefeito, clima instável e trilhas escorregadias e sem estrutura. Esse foi o cenário de uma tragédia.
                Juliana Marins – natural de Niterói e formada em Publicidade, a jovem cheia de vida via no turismo de montanha parte de seu trabalho e seu hobby. Chegou à Indonésia após passar em Vietnã, Tailândia e Filipinas. No 2º dia de subida no Rinjani, ela avisou de exaustão, e o guia a aconselhou descansar, deixando-a para trás: foi um erro.
                Sua ausência só foi notada mais de 1 hora depois. À tardinha, o guia a notou “caída bem fundo”, incialmente a uns 200 metros do topo, com mais duas quedas até parar a 600 m. Socorristas foram acionados,  mas se viram impedidos pela neblina. Na encosta íngreme, Juliana agonizou por 4 dias, sofrendo com frio e sem água e comida.
                No fim, o montanhista nativo Agam desceu sozinho a encosta íngreme para tentar resgatar Juliana. Ao vê-la sem respirar, ele afirmou a morte – 4 dias pós-acidente. Seu corpo foi içado graças a voluntários de rapel e tirolesa, com ajuda de Agam. O fato tomou a nossa mídia com acusações de negligência local.
                Polêmicas – o corpo resgatado foi levado de helicóptero do governo indonésio para Bali, em cujo Hospital Legal foi realizada a autópsia oficial. Com ajuda do Itamaraty, o pai da vítima voou para lá, a fim de desfechar a burocracia do translado. A causa mortis descrita no boletim é trauma contundente grave por queda.
                O trauma é descrito como: fraturas no tórax, coluna, ombros e perna; hemorragia; e lesões em órgãos torácicos. Mas o pai viu percebeu uma contradição: o boletim diz que ela morreu pocuo após a queda, enquanto vídeos de drone no dia seguinte à queda a mostram ainda sentada e se mexendo.
                O que levantou uma questão desagradável: Juliana morreu de paitraumatismo ou de não ter sido salva enquanto estava viva? Se ela demorou para morrer, por que o governo só enviou sua equipe durante a ação arriscada de voluntários mal equipados? Enquanto a resposta nunca se acerta, outra polêmica é apontada.
                No UOL, três pessoas (um geólogo, um militar e um alpinista) acusam amadorismo do parque e negligência do governo. Por que o guia a deixou só, mesmo não podendo? Por que o governo demorou a se manifestar? Se salva com vida, Juliana sobreviveria? O UOL entrevistou três profissionais diferentes.
                Os três – um geólogo, um militar e um alpinista – acusaram amadorismo do parque e negligência do governo indonésio. Cinzas de vulcão escorregam. O grupo deve parar junto em caso de alguém cansado (evita acidente e desorientação). O governo indonésio pareceu não se importar com o desfecho.
                Caso fosse resgatada viva, Juliana duraria pouco devido à gravidade do politrauma. A conduta do parque e do governo é clara quanto à prioridade em dar segurança aos paraísos reservados aos mais ricos em resorts de luxo – um mal que transcende o grau de desenvolvimento dos países turísticos.
                Juliana teria sobrevida breve, devido à gravidade das lesões. Quanto à conduta do parque e do governo, sabemos que investida em segurança é prioritária em paraísos reservados mais ricos em resorts de luxo – um mal que transcende o grau de desenvolvimento dos países. Pode ser na Europa, na América Latina ou na África.
                De qualquer forma, em fria análise, o governo indonésio copia o modus operandi dos demais governos capitalistas pelo mundo. E tudo que se refere ao capiral tem uma escolha direta e objetiva: vale mais o lucro do acúmulo de capital do que a vigência das vidas humanas – mesmo que por trás da pujância do capital esteja a vida.
Nota
¹vulcão que se forma em sucessivas camadas (estratos) de material ejetado a cada episódio eruptivo.
Para saber mais
- Meteoro Brasil: após 4 dias por resgate, brasileira é encontrada sem vida na Indonésia, em https://www.youtube.com/watch?v=XAso5gZOleE
- UOL- brasileira encontrada morta: especialista cita demora do resgate e amadorismo do parque, em https://www.youtube.com/watch?v=fDKAtY5IDJE
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Aviso aos navegantes

ACIDENTE NÃO É BURRICE!

                O trágico acidente que ceifou a vida da publicitária brasileira Juliana Marins, agora conhecida como “a moça do vulcão”, pegou os brasileiros mais de surpresa do que de comoção. Ok, entendemos que os montanhistas brasileiros famosos são atletas profissionais ou militares, que escalam montanhas alpinas.
                Em linhas gerais, nem todos os vulcões são montanhas e vice-versa. E não dá para dizer qual é o mais perigoso. Himalaia, Andes e Havaí compartilham perigos comuns, mesmo distintos.. Nos vulcões, gases tóxicos, erupções ou superfície pedregosa solta. Nos alpes, torrentes de terra/lama ou avalanches de neve.
                Moradores de países com cadeias alpinas (Alpes europeus e o Himalaia asiático) sofrem com deslizamentos de rochas/ terra e avalanches de neve por nevascas intensas, por eventos climáticos ou terremotos. Fatalidades são uma constante que acompanha danos materiais significativos.
                Perto dos vulcões ou nas suas vertentes, outros perigos espreitam: erupções (algumas vezes sem aviso sísmico prévio), emissão de gases tóxicos, lahars (lama de neve ou gelo derretido com material de lava ou bombas e cinzas) que destroem e matam. Mesmo assim muitos vivem ali, devido aos solos férteis.
                Mas aonde quero chegar aqui? Percebi que, no debate público nas redes, alguns comentaristas culpam Juliana por ter parado e caído no vulcão. Já foram antes noticiadas mortes de brasileiros nos Andes e no Himalaia, e não vi alarde. E, tirando os machistas explícitos, parece que a geral deixou de raciocinar.
                Quanto mais alto, mais rarefeito e frio e menos oxigenado é o ar – a 1920 m já podemos sentir, e 11° mais frio do que ao nível do mar.  A 3400m, altura do vulcão Rinjani, onde Juliana morreu, é 25° C mais frio e o oxigênio cai a 17%, o suficiente para exaurir e desorientar sujeitos mais sensíveis, mesmo experientes. E a sensação de calor por maior radiação solar é um perigo complementar.
                Em geral, turistar nesses locais exige conhecimento e preparo. E só se vai por gosto ou opção profissional. Portanto, isso não se discute. Como disse seu pai, Juliana “se foi fazendo o que mais gostava” – como outros brasileiros que tiveram o mesmo fim, em situações talvez mais perigosas.
                Mas o gosto próprio não justifica a culpabilização ou julgamento de “burra”, como vi em muitos comentários. Nenhum  turista de montanha quer morrer, salvo os suicidas, mas aí não é turismo. Os comentaristas julgadores ainda desprezam o contexto do acidente no Rinjani, que já matou outros turistas.
                Além de moralmente pesado e injusto, culpar Juliana por sua tragédia é incompatível com a realidade. Revela desconhecimento e, por, desprezo pelo contexto do acidente. Apo agradecer pela vaquinha de brasileiros, o heróico voluntário Agam disse para a mídia local que o vulcão Rinjani é sempre perigoso.
                
A culpabilização também desconsidera que não existe lugar em que a fatalidade não aconteça. É na segurança dos recursos de um hospital que muitos falecem. Outros, em casa, cercados pelos entes queridos.  E outros, durante uma situação traumática, como um assalto. Culpar à revelia revela profunda falta de empatia.
                Devemos parar de julgar. Na vida e na morte não existem juízes. A fatalidade é parte da própria vida, e é o nosso único conhecimento confirmado de futuro – só não sabemos quando nem como. Juliana teve um acidente fatal, e nós poderemos ter, ou não, um fim parecido, outra forma de acidente. Portanto, acidente não é burrice. É simplesmente acidente e ponto.

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sábado, 21 de junho de 2025

CURTAS 94 - ANÁLISES (bolsonarismo em julgamento)

 

ZAMBELLI PERDEU DIGNIDADE. MAS NÃO SÓ ELA

                Desde 2018, a patuleia tem pesado a mão nas urnas votando em Jair Bolsonaro e muito de sua laia para o Congresso. Como eles então não foram maioria, o ex-presidente passou os 4 anos comprando votos com o bilionário orçamento secreto, de cuja anatomia de irregularidades hoje já sabemos.
                Entre os contemplados do séquito naquele fatídico pleito estão Marcel van Hatten, Marco Feliciano, Sargento Fahur (reeleitos hoje), Carla Zambelli e Joyce Hasselmann, entre outros. Entre as duas últimas, somente Carla foi reeleita favorecendo os eleitos da repescagem, como o bombado Paulo Bilinskyj e o palhaço Tiririca.
                Os bolsonaristas são valentões quando o rabo dos opostos está exposto (pessoalmente ou com recortes de vídeos com frases de efeito e mentiras, cujos feitos já bastam por si). Mas quando a batata deles assa feio, eles se esquivam, em gritante flagrante de covardia e mau caratismo.
                Eduardo e Carla – ele alegou licença pessoal do mandato e fugiu para os EUA, onde tenta apoio de Trump para sabotar o STF e o governo. Ela teve o mandato cassado pelo TRESP e depois foi condenada a 10 anos de cadeia pelo STF por contratar o hacker Walter Delgatti a pedido de Bolsonaro para invadir o sistema do CNJ e a segurança das urnas.
                Ele não foi indiciado em nenhuma das estratégias de golpismo. Ela, sim, por ter deixado evidências incontestáveis de sua ação desinteligentes.
                Em tentativa desesperada de evitar a jaula, Zambelli viu o exemplo de Eduardo Bolsonaro e fugiu para o exterior alegando licença. Caiu na lista vermelha da Interpol a pedido de Xandão. Agora, sua fuga atiça novamente o desejo de fuga dos Bolsonaro, dada a iminência de o ex-presidente ser condenado a décadas de prisão.
                Arrego de Motta – a punição em si já leva à cassação de mandato em tempo variável. O problema gora reside na sessão do Congresso. Após uma afirmação inicial de confirmar o fechamento do caso, o presidente da Câmara Hugo Motta abruptamente voltou atrás, alegando “analisar o caso com a Câmara”, após contato de Zambelli.
                E no mandato de Eduardo Bolsonaro, ninguém se mexe. Pelo contrário, uma comissão da Cãmara aprovou homenagem a ele por... sua atuação golpista nos EUA. É um deboche ao povo cujas merrecas pagam seus salários e penduricalhos para terem mais 25 nomes na Casa. Covarde por preferirem cassar Glauber por suas verdades. E escancara a aliança Centrão-ultradireita por mesquinharia contra o governo.
                A seletividade não é só ideológica. Zambelli é desprezada por ter sido condenada por ser mulher ou por ser “bagrinha” azarada que ajudou na derrota de Bolsonaro em 2022? Ela foi mais à frente do que o filho do ex-presidente agora “exilado” e pagou sozinha por isso, mesmo merecidamente. Sim, Eduardo escapou do indiciamento – até agora.
                E não esqueçamos do Senado, que se comporta como a Câmara ao atacar ministros do governo e seu Conselho de Ética nada fazer contra indecoros graves. Seu presidente Davi Alcolumbre também reagiu a Flávio Dino sobre emendas. Motta até ameaçou sabotar o governo. E como a Câmara, não revoga o hoje desnecessário Perse, espécie de seguro-pandemia para eventos criado por Bolsonaro.
                Em fria análise, os crimes de Zambelli provam que ela vendeu sua dignidade há anos. Mesmo desprezada, seguia e imitava o ex-presidente. Odiada após a derrota eleitoral em 2022, levou rasteira dele numa plenária do PL. Mas, ao assumir postura da ultradireita por birra, o Centrão dominante no Congresso também vende sua dignidade. Não só por emendas bilionárias. É também por se curvar a um descarado golpista.
Para saber mais
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UMA VISÃO SOBRE O CONGRESSO ATUAL

               Brasília, Câmara dos Deputados, 5/10/1988. Então presidente da casa, o saudoso Ulysses Guimarães liderou o momento histórico da promulgação da Carta Magna de 1988. Erguendo o grosso livro de capa dura, ele disse: “apresentamos a Constituição da Nova República, a carta cidadã [...]. Os que traírem a Constituição da República são traidores da pátria!”.
                 Nesse discurso histórico, Ulysses acrescentou a passibilidade da Constituição a reformas, conforme a necessidade do contexto, mas sem perder sua essência. Vieram muitas emendas à constituição (ECs), que alteraram vários artigos inteiros ou em parte e substituíram sutilmente o teor cidadão por uma tendência mais empresarial, portanto, neoliberal.
                Mas o foco aqui não são as ECs, e sim o tratamento dispensado a colegas adversários, aos ministros de governo e aos do STF. Os discursos de Ulysses eram filosóficos, numa linguagem refinada. Mesmo o então constituinte Lula respeitava os colegas e se cuidava na linguagem popular natural de seu discurso. Mas acreditem, indecoro não é novidade no Congresso.
                Breve historinha – antes do golpe de 1964, uma deputada se virou ao colega Carlos Lacerda: “vossa excelência é um purgante”. Ele revidou: “e vossa excelência é a consequência”. Também antes do golpe, o senador Arnon Collor foi ameaçado pelo adversário Péricles e reagiu com um tiro que atingiu acidentalmente outro colega. Desde então se proíbe o porte de armas nas dependências dos 3 poderes, exceto a equipe de segurança.
                Tais disparos indecorosos eram raros, mas sempre resolvidos com advertências dos presidentes das Casas sem alarde importante. Palavras de baixo calão eram evitadas ou, se ditas, se tornavam motivo de processo pelos Conselhos de Ética. Isso, por décadas.
                Hoje – a história se repete mais profunda, com o franco desprezo às normas regimentais no Congresso. O bolsonarismo invocou precedentes absurdos. O deputado federal bolsonarista Delegado Caveira levou um fuzil e uma pistola ao seu gabinete, ostentando-os em foto com um assessor. O colega petista Rogério Correia acionou a PF para realizar busca e apreensão dessas armas, justificando-se na coibição legal.
                Os bolsonaristas imperam nessa onda. Nikolas Ferreira carrega preconceitos sexuais (tem coisa aí). André Fernandes, Gilvan da Federal, Eduardo Bolsonaro e Paulo Bilynskyj colecionam mentiras reiteradas e ameaças. Na CPI do MST, o gaúcho Coronel Zucco respondeu a uma fala de Sâmia Bonfim com um achincalhe: “está com fome? Quer comer hambúrguer?”, em clara gordofobia.
                De têmpera violenta e filho de falecido acusado de pedofilia, o paraense Éder Mauro desaforou adversários e esbofeteou um cidadão. Na comissão de segurança pública presidida por Bilynskyj, Gilvan desejou a morte do presidente Lula ao sugerir o desarme da equipe de segurança. No Senado, Plínio Valério e Marcos Rogério afrontaram Marina Silva por ser mulher de personalidade.
                Mas os Conselhos de Ética da Câmara e do Senado afirma serem tais indecoros “formas de liberdade de expressão”, em notável seletividade ideológica: o da Câmara reprovou as testemunhas e a defesa de Glauber Braga para apressar a cassação de mandato. Pior: não é por indecoro, é por dizer verdades.
                É normal? – em determinado momentos, reações emotivas mais efusivas comumente desencadeiam expressões incivilizadas resolvíveis com advertência e pedidos de desculpas dos advertidos. Mas o que vemos agora é a sucessão de destemperos desrespeitosos intencionais, nos revelando franca anormalidade nas condutas dos congressistas.
                Alguns justificam as condutas dos eleitos atuais são “reflexos do povo”. Se existiu, a famosa cordialidade brasileira já se foi há muito tempo. Mas a justificativa não cabe: se coubesse, o decoro parlamentar (tratamento civilizado aos colegas e em discursos) seria uma fantasia. O decoro se inicia não nas esferas políticas, mas na educação familiar.
                Mesmo tendo reflexos culturais da população, os parlamentares eleitos sabem que são agentes públicos e como tais devem se portar com exemplar civilidade em interagir com quem quer que seja. Não é por acaso que a Câmara tem o nome de Ulysses Guimarães, cujo nível é rememorado como exemplo de urbanidade, não importa a sua posição política.
                O Congresso é a casa da fala, daí ser o Parlamento (do latim parlare = falar). O que não justifica, em nenhuma hipótese, trocar liberdade de expressão por explosão de barbárie de baixo calão. Então, o nível que vemos atualmente nos passa a impressão de ali não há pessoas modernas, mas um bando de bestas pré-históricas. Realmente, a maior parte das duas turmas foi mal escolhida.

NOTA FINAL: estendo minha consideração como indecoros os seguidos deboches à população com relação ao proveito da grana pública para fins exclusivamente particulares. Foi uma insanidade de caráter reprovar vetos ao BPC exagerado a microcéfalos por Zika e BPC para autistas de alto rendimento, engavetar o projeto que isenta de IRRF rendas até R$ 5 mil, e manter o desnecessário Perse (bolsa-eventos criado na pandemia). Mas o mau caratismo revela apenas um objetivo: impossibilitar o Lula 4 nas eleições de 2026.
Por esse motivo considero parciais as pesquisas de avaliação popular somente sobre o governo, cuja comunicação de seus feitos não tem o mesmo alcance dos virais despautérios da oposição nas redes sociais. As pesquisas devem seguir o contexto da relação entre governo e Congresso, incluindo informações das ações deste último.
 
Sal Ross
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BOLSONARO E XANDÃO: GRANDE DIA?

                Transmitido ao público, o julgamento dos réus pela intentona golpista terminou em parte da quadrilha comandante condenada. Alguns milicos seguem presos após a negação de seus pedidos de domiciliar pelo STF. E um militar terminou expulso da Marinha após as provas gritantes de sua participação antidemocrática.
                E então chegou o momento tão esperado pela patuleia: na semana de 9 a 15/6, o ex-presidente Jair Bolsonaro senta no banco dos réus, junto com seu advogado. Ele não foi só clarificado como réu na ação penal por intentona golpista. Também é considerado pela opinião pública e jurídica como o cerne do golpe – por mais que alguns silenciem.
                Podemos imaginar o máximo de audiência alcançada pelos telejornais e canais da TV Justiça nas redes sociais. Afinal, ele foi o presidente cujo modelo governamental se aproximou muito da ditadura militar, com direito a mentiras reiteradas, censura sobre os escândalos de corrupção e paralisia de investigações criminais importantes.
                Se alguém esperava alguma humildade dele em assumir sua culpa diante do antes grande arqui-inimigo no STF, se enganou. Ele teve a pachorra de mentir ou distorcer em vários momentos, mesmo diante de todas as evidências da trama golpista em mãos dos ministros. E em momentos disse: “se eu fiz, por favor, me desculpe”, algumas vezes.
                A cara de pau chegou ao descaramento de ele brincar, com mau gosto, de convidar Xandão para ser vice-presidente quando ele retomar seus direitos políticos. O ministro respondeu “declino”, num gesto de cabeça, também entrando na brincadeira, sem delonga e retomando a seriedade própria do momento no segundo seguinte.
                Para alguns, o fato de Bolsonaro ter sido inquirido por Xandão foi uma vitória, pois o ex-presidente se julgava juridicamente intocável. Mas, depois, alguns noticiosos informaram uma fraqueza dele: soubemos que ele pediu socorro ao seu antecessor Michel Temer para saber como se portar durante a inquirição.
                Mas, foi mesmo um grande dia? Depende. O fato de Bolsonaro ter feito um media training com Temer revela sua fraqueza de civilidade. O mesmo se pode dizer em relação à inquirição direta com Xandão, a quem tanto desafiou enquanto esteve no poder. Mas toda reserva é válida: resta saber como será a conduta do colegiado na construção do veredito.
                A maioria da patuleia é contrária à anistia dos réus em julgamento, inclusive o ex-presidente. Os que têm consciência política esperam que não se repita o acontecido em 1979, em que torturadores e assassinos fardados foram tão perdoados quanto as vítimas do regime de terror de 1964-85. Esperamos encarecidamente que, desta vez, a institucionalidade funcione em favor da democracia, mas com o rigor necessário da justiça.
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sexta-feira, 20 de junho de 2025

CURTAS 93 - ANÁLISES (Brasil-gospel na escola, Marina)

 

DOMÍNIO GOSPEL NA ESCOLA LAICA

                Desde o século XX, o Brasil é conhecido como o “país mais católico do mundo”. Com 57% da população entrevistada se declarando católica, segundo o censo IBGE-2022, o título ainda vale em números gerais, apesar do forte crescimento da fé pentecostal (gospel nos EUA) a partir dos anos 1990, e declínio do catolicismo que preocupa o Vaticano.
                Diferentes das igrejas católicas em posições destacadas nas cidades e no campo, igrejas gospels se multiplicam em comunidades periféricas ocupando imóveis vazios e garagens domésticas, às vezes próximas entre si. Nas periferias, algumas delas assumem funções obrigatórias do poder público.
                Centrado na “revelação direta” do pregador ao fiel, o fenômeno nos revela o poder da corrente neopentecostal, em dois ramos: o da prosperidade (forte crença na ascensão social plena), e o do domínio (apropriação de novos ambientes e culturas sociais). E é aí que pode residir o perigo.
                Teologia do domínio – se define na “revelação divina” da “necessidade” de incorporar novos espaços sociais com criatividade. A expressão é nova, mas a intenção é antiga: tornar o Brasil o “país mais evangélico do mundo” e, claro, aumentar a arrecadação. A apropriação chega a locais inimagináveis para os cristãos antigos. Seguem alguns exemplos.
                Espaços políticos– no Brasil, país laico por lei, pessoas de todas as fés têm, por lei, a igual direito a assumir cargo público eletivo ou estável (embora haja registros de intolerância nas instituições). Não é de hoje o conhecido exemplo dos parlamentares bíblicos fazendo culto antes das atividades.
                Hoje não vemos cultos diários no Congresso, mas há parlamentar com bíblia lá. Como o “doido” pastor Sargento Isidório, deputado da Bahia.
                Espaços tradicionais– em Salvador é possível verificar, por exemplo, cânticos de louvor em rodas de capoeira, carnaval idem (alô, Claudia Leite!), vendedoras do “acarajé de Jesus” com traje típico, etc. Em alguns quilombos e aldeias indígenas podem ser vistos cultos cristãos assumindo ritos tradicionais.
                Baladas gospels – cristãos mais antigos e puristas sempre viam festas comuns, shows, bares e danceterias como “antros de pecado”. Desde os anos 2010, pastores têm permissão para entrar em bailes funk para fazer suas pregações e mesmo cultos. Daí vieram vários gêneros musicais gospels.
                Hoje há casas noturnas com open bar, espaço de shows, danceteria e drinques sem álcool, que atraem a juventude gospel que pode convidar os amigos de outras fés. A intenção é essa: arrebanhar mais público jovem – não só para proselitismo gospel. Arrecadar mais dízimos tem é meta também.
                A penetração gospel em bailes funk não resolveu o tráfico. Pelo contrário: conhecidos desde 2012, os traficantes evangélicos surgiram de acordos entre chefes de facções e pastores caça-níqueis para expulsar fiéis de matriz afro das áreas dominadas e forçar a conversão de outros moradores.
                De Escola sem Partido a intervalo bíblico –a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB)-1996 prevê o ensino religioso opcional em toda a rede de educação laica. Devido à liberdade de ensino, políticos gospels criaram uma visão radical: professores estariam “doutrinando contra a fé cristã”.
                Há ideologização: por doutrina anticristã leia-se “ensino comunista do PT”, derivado do pânico moral antipetista desde 2010, no lema “bíblia sim, constituição não”: é o Escola Sem Partido (ESP). O ESP chegou a virar lei em alguns municípios, mas foi abolido pelas Justiças por atacar a CF-1988.
                Simbólico no antipetismo, o ESP é, na verdade, um dos primeiros estratagemas de proselitismo religioso escolar na lógica do domínio. Mas os políticos gospels, em geral pastores, estão indo mais além: eles propõem a lei de intervalo bíblico obrigatório nas escolas públicas – que oculta uma preocupação.
                É que o censo IBGE-2022 registrou queda no crescimento evangélico e do declínio católico, e crescimento substancial das fés afro-brasileiras (de 0,3% em 2010 a 1%), e dos sem religião (ateus/agnósticos, de 2 para 8%). Minorias orientais somam 1%, fraquejando a projeção do Brasil de maioria gospel em 2038.
                Em fria análise final, se novas pesquisas do IBGE seguirem essa tendência, o que poderemos vislumbrar em 10 a 15 anos é um empate técnico com a população católica e maior espaço para minorias não-cristãs e sem-religião. Ou seja, em números gerais, uma diminuição do domínio cristão na população.
                Talvez essa mudança tenha decorrido da decepção de alguns com os intentos dos líderes gospels, conscientização de outros do valor das culturas originárias, ou dúvidas sobre a crença. De qualquer forma, se seguir essa tendência, o maior perdedor aí não é o cristianismo em si, que em número continuará majoritário, mas do seu uso para projeto de poder político-ideológico e financeiro – o que será ótimo.
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O OUTRO INIMIGO DE MARINA

                Como já sobejamente conhecido entre nós, a questão ambiental/planetária é, na realidade, um dos temas mais espinhosos para os governos de plantão. E não é só no Brasil. Vale para o mundo todo – especialmente se os EUA, aos quais tantos se curvam, são presididos por facínoras extremistas como Trump.
                Por isso se torna tão fácil entender, quando voltamos os olhos para Brasília, por que a pasta referente a esse tema ora é tratada com desprezo, chacota ou agressividade, conforme o governo de plantão ou, mais especificamente, quem a gere. E quem está à frente nesse momento, como sabemos, é Marina Silva.
                Já temos conhecimento de como Marina abraça a causa planetária. É um abraço sincero, marco de sua formação política vinda da esquerda – apesar de algumas concepções mais próximas da direita. Por ela ser globalmente reconhecida, qualquer fato noticiado que a envolva repercute na mídia lá fora, como a recente hostilidade no senado.
                Marina ocupa o ministério pela segunda vez. Na passagem anterior, que durou 5 anos, ela era uma senadora petista quando foi nomeada pelo recém-empossado Lula e ficou até 2008, deixando um trabalho de excelência na mitigação do desmatamento dos biomas e na demarcação de novas áreas de preservação permanente pelo país.
                Se naquele período a saída do ministério se deu por um racha interno dentro do PT, ao qual era filiada, Marina desta vez retorna à pasta com uma nova missão: mais do que defender as velhas metas ambientais, alertar sobre as implicações da mudança climática radical pela qual o planeta está passando.
                Pressão – só que a sua missão atual está bem mais difícil do que antes. Marina se depara com o contexto político influenciado pelo maior enrijecimento na direita, havendo domínio de governadores e parlamentares bolsonaristas e os da direita tradicional. E na frente ampla de Lula 3, novas contradições afetam a própria governabilidade dentro dessa seara.
                Basicamente, ela se depara com um conflito entre os estudos técnicos rigorosos do IBAMA antes de dar licença para empreendimentos; e desejos econômicos centrados em, ao menos, três ramos: o persistente desejo da Petrobras em explorar petróleo no talude da bacia da Foz do Amazonas; a concessão de APPs públicas por prefeitos e governadores, e o possível data center numa cidade cearense com histórico de secas severas.
                Ela sairá de novo? – tantas questões nevrálgicas nos levam a pensar que a ministra talvez venha a jogar a toalha e saia da pasta. Mas ela nega seu isolamento dentro da equipe de governo – o que pode ter valor mais midiático do que prático. Mesmo contraditório em relação à meta ambiental, Lula a defende no comando do ministério, talvez por reconhecer de verdade o seu trabalho.
                E vale acrescentar, também, que ela se agarra ao cargo não apenas para avançar em suas metas sustentáveis. Ela vê na pasta o seu território de luta pela causa que lhe proporcionou sua formação e história política. E se percebe que, mais do que o antigo apreço e respeito, Lula a reconhece como referência inigualável na política ambiental e climática.
                Nunca debatida pelas grandes fontes midiáticas, a concessão das APPs públicas para a gestão privada abre mais portas para desvantagens do que o contrário. Essas áreas são patrimônios públicos para terem controle público previsto em lei. A privatização de sua gestão abre portas para modificações visando facilitar o acesso público, o que redunda em impacto sobre o meio físico, mesmo invisível.
                Em fria análise final, temos que reconhecer que não temos, ou não conhecemos, outro nome com a devida qualificação, relevância e disposição à altura de Marina Silva nessa pasta tão delicada quanto necessária, em momento histórico idem. Pois não precisa agredir para ser inimigo do meio ambiente. No governo, o maior inimigo é o conflito entre a ambição econômica sobre o talude amazônico e a urgência de manter o equilíbrio planetário restante.
                Uma contradição que pode colocar os biomas nativos e seus povos tradicionais em ponto de não retorno para sobrevida, se não defendermos pessoas de quaisquer gêneros com o quilate à altura do de Marina Silva. A violência de gênero é apenas detalhe secundário diante das pressões muito maiores que o planeta já nos oferece.
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CURTAS 98 - ANÁLISES (Brasil- Congresso)

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