sexta-feira, 20 de junho de 2025

CURTAS 93 - ANÁLISES (Brasil-gospel na escola, Marina)

 

DOMÍNIO GOSPEL NA ESCOLA LAICA

                Desde o século XX, o Brasil é conhecido como o “país mais católico do mundo”. Com 57% da população entrevistada se declarando católica, segundo o censo IBGE-2022, o título ainda vale em números gerais, apesar do forte crescimento da fé pentecostal (gospel nos EUA) a partir dos anos 1990, e declínio do catolicismo que preocupa o Vaticano.
                Diferentes das igrejas católicas em posições destacadas nas cidades e no campo, igrejas gospels se multiplicam em comunidades periféricas ocupando imóveis vazios e garagens domésticas, às vezes próximas entre si. Nas periferias, algumas delas assumem funções obrigatórias do poder público.
                Centrado na “revelação direta” do pregador ao fiel, o fenômeno nos revela o poder da corrente neopentecostal, em dois ramos: o da prosperidade (forte crença na ascensão social plena), e o do domínio (apropriação de novos ambientes e culturas sociais). E é aí que pode residir o perigo.
                Teologia do domínio – se define na “revelação divina” da “necessidade” de incorporar novos espaços sociais com criatividade. A expressão é nova, mas a intenção é antiga: tornar o Brasil o “país mais evangélico do mundo” e, claro, aumentar a arrecadação. A apropriação chega a locais inimagináveis para os cristãos antigos. Seguem alguns exemplos.
                Espaços políticos– no Brasil, país laico por lei, pessoas de todas as fés têm, por lei, a igual direito a assumir cargo público eletivo ou estável (embora haja registros de intolerância nas instituições). Não é de hoje o conhecido exemplo dos parlamentares bíblicos fazendo culto antes das atividades.
                Hoje não vemos cultos diários no Congresso, mas há parlamentar com bíblia lá. Como o “doido” pastor Sargento Isidório, deputado da Bahia.
                Espaços tradicionais– em Salvador é possível verificar, por exemplo, cânticos de louvor em rodas de capoeira, carnaval idem (alô, Claudia Leite!), vendedoras do “acarajé de Jesus” com traje típico, etc. Em alguns quilombos e aldeias indígenas podem ser vistos cultos cristãos assumindo ritos tradicionais.
                Baladas gospels – cristãos mais antigos e puristas sempre viam festas comuns, shows, bares e danceterias como “antros de pecado”. Desde os anos 2010, pastores têm permissão para entrar em bailes funk para fazer suas pregações e mesmo cultos. Daí vieram vários gêneros musicais gospels.
                Hoje há casas noturnas com open bar, espaço de shows, danceteria e drinques sem álcool, que atraem a juventude gospel que pode convidar os amigos de outras fés. A intenção é essa: arrebanhar mais público jovem – não só para proselitismo gospel. Arrecadar mais dízimos tem é meta também.
                A penetração gospel em bailes funk não resolveu o tráfico. Pelo contrário: conhecidos desde 2012, os traficantes evangélicos surgiram de acordos entre chefes de facções e pastores caça-níqueis para expulsar fiéis de matriz afro das áreas dominadas e forçar a conversão de outros moradores.
                De Escola sem Partido a intervalo bíblico –a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB)-1996 prevê o ensino religioso opcional em toda a rede de educação laica. Devido à liberdade de ensino, políticos gospels criaram uma visão radical: professores estariam “doutrinando contra a fé cristã”.
                Há ideologização: por doutrina anticristã leia-se “ensino comunista do PT”, derivado do pânico moral antipetista desde 2010, no lema “bíblia sim, constituição não”: é o Escola Sem Partido (ESP). O ESP chegou a virar lei em alguns municípios, mas foi abolido pelas Justiças por atacar a CF-1988.
                Simbólico no antipetismo, o ESP é, na verdade, um dos primeiros estratagemas de proselitismo religioso escolar na lógica do domínio. Mas os políticos gospels, em geral pastores, estão indo mais além: eles propõem a lei de intervalo bíblico obrigatório nas escolas públicas – que oculta uma preocupação.
                É que o censo IBGE-2022 registrou queda no crescimento evangélico e do declínio católico, e crescimento substancial das fés afro-brasileiras (de 0,3% em 2010 a 1%), e dos sem religião (ateus/agnósticos, de 2 para 8%). Minorias orientais somam 1%, fraquejando a projeção do Brasil de maioria gospel em 2038.
                Em fria análise final, se novas pesquisas do IBGE seguirem essa tendência, o que poderemos vislumbrar em 10 a 15 anos é um empate técnico com a população católica e maior espaço para minorias não-cristãs e sem-religião. Ou seja, em números gerais, uma diminuição do domínio cristão na população.
                Talvez essa mudança tenha decorrido da decepção de alguns com os intentos dos líderes gospels, conscientização de outros do valor das culturas originárias, ou dúvidas sobre a crença. De qualquer forma, se seguir essa tendência, o maior perdedor aí não é o cristianismo em si, que em número continuará majoritário, mas do seu uso para projeto de poder político-ideológico e financeiro – o que será ótimo.
Para saber mais
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O OUTRO INIMIGO DE MARINA

                Como já sobejamente conhecido entre nós, a questão ambiental/planetária é, na realidade, um dos temas mais espinhosos para os governos de plantão. E não é só no Brasil. Vale para o mundo todo – especialmente se os EUA, aos quais tantos se curvam, são presididos por facínoras extremistas como Trump.
                Por isso se torna tão fácil entender, quando voltamos os olhos para Brasília, por que a pasta referente a esse tema ora é tratada com desprezo, chacota ou agressividade, conforme o governo de plantão ou, mais especificamente, quem a gere. E quem está à frente nesse momento, como sabemos, é Marina Silva.
                Já temos conhecimento de como Marina abraça a causa planetária. É um abraço sincero, marco de sua formação política vinda da esquerda – apesar de algumas concepções mais próximas da direita. Por ela ser globalmente reconhecida, qualquer fato noticiado que a envolva repercute na mídia lá fora, como a recente hostilidade no senado.
                Marina ocupa o ministério pela segunda vez. Na passagem anterior, que durou 5 anos, ela era uma senadora petista quando foi nomeada pelo recém-empossado Lula e ficou até 2008, deixando um trabalho de excelência na mitigação do desmatamento dos biomas e na demarcação de novas áreas de preservação permanente pelo país.
                Se naquele período a saída do ministério se deu por um racha interno dentro do PT, ao qual era filiada, Marina desta vez retorna à pasta com uma nova missão: mais do que defender as velhas metas ambientais, alertar sobre as implicações da mudança climática radical pela qual o planeta está passando.
                Pressão – só que a sua missão atual está bem mais difícil do que antes. Marina se depara com o contexto político influenciado pelo maior enrijecimento na direita, havendo domínio de governadores e parlamentares bolsonaristas e os da direita tradicional. E na frente ampla de Lula 3, novas contradições afetam a própria governabilidade dentro dessa seara.
                Basicamente, ela se depara com um conflito entre os estudos técnicos rigorosos do IBAMA antes de dar licença para empreendimentos; e desejos econômicos centrados em, ao menos, três ramos: o persistente desejo da Petrobras em explorar petróleo no talude da bacia da Foz do Amazonas; a concessão de APPs públicas por prefeitos e governadores, e o possível data center numa cidade cearense com histórico de secas severas.
                Ela sairá de novo? – tantas questões nevrálgicas nos levam a pensar que a ministra talvez venha a jogar a toalha e saia da pasta. Mas ela nega seu isolamento dentro da equipe de governo – o que pode ter valor mais midiático do que prático. Mesmo contraditório em relação à meta ambiental, Lula a defende no comando do ministério, talvez por reconhecer de verdade o seu trabalho.
                E vale acrescentar, também, que ela se agarra ao cargo não apenas para avançar em suas metas sustentáveis. Ela vê na pasta o seu território de luta pela causa que lhe proporcionou sua formação e história política. E se percebe que, mais do que o antigo apreço e respeito, Lula a reconhece como referência inigualável na política ambiental e climática.
                Nunca debatida pelas grandes fontes midiáticas, a concessão das APPs públicas para a gestão privada abre mais portas para desvantagens do que o contrário. Essas áreas são patrimônios públicos para terem controle público previsto em lei. A privatização de sua gestão abre portas para modificações visando facilitar o acesso público, o que redunda em impacto sobre o meio físico, mesmo invisível.
                Em fria análise final, temos que reconhecer que não temos, ou não conhecemos, outro nome com a devida qualificação, relevância e disposição à altura de Marina Silva nessa pasta tão delicada quanto necessária, em momento histórico idem. Pois não precisa agredir para ser inimigo do meio ambiente. No governo, o maior inimigo é o conflito entre a ambição econômica sobre o talude amazônico e a urgência de manter o equilíbrio planetário restante.
                Uma contradição que pode colocar os biomas nativos e seus povos tradicionais em ponto de não retorno para sobrevida, se não defendermos pessoas de quaisquer gêneros com o quilate à altura do de Marina Silva. A violência de gênero é apenas detalhe secundário diante das pressões muito maiores que o planeta já nos oferece.
Para saber mais
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