segunda-feira, 30 de junho de 2025

CURTAS 95 - ANÁLISES (caso Juliana)

 

O CAPITAL POR TRÁS DA MORTE EM VULCÃO

                Por movimentar R$ bilhões anuais, o turismo é uma mina de ouro global que nos chancela conhecer novas etnias e costumes e lugares desconhecidos ou desprezados. Dentre os ramos turísticos, o que mais cresce é o de aventura ou natureza – em particular, a exploração dos desafiadores ambientes vulcânicos.
                Os vulcões são terrivelmente belos. Alguns são destinos famosos, como os italianos Vesúvio e Etna, que atraem por sua beleza icônica e história, e o japonês Fuji, tão instagramável. Literalmente, os Andes têm vulcões de primeira grandeza. E agora, um país tropical situado no sudeste asiático vem chamado a atenção por ser salpicado de vulcões ativos e inativos.
                Indonésia – com 15 mil ilhas, esse país é o mais vulcânico do mundo. A famosa ilha de Java é lotada. É onde o Tambora explodiu em 1815 e o Krakatoa em 1883. Das centenas de vulcões, 155 são bem ativos e outros tantos adormecidos – sossegados por anos ou séculos após grande explosão. Como o Rinjani.
                Rinjani- o estratovulcão¹ de mais de 3mil m de altura e se destaca na ilha-parque homônima pública. Possui flancos irregulares e cobertos de vegetação na base, e cinzas e bombas mais acima. Seu cume é uma caldeira grande e profunda, que abriga um pequeno cone com cratera e um lago. Relevo acidentado e trilhas tortuosas desafiam quem deseja ver tudo do topo.
                O acesso ao cume é dificultado por ar rarefeito, clima instável e trilhas escorregadias e sem estrutura. Esse foi o cenário de uma tragédia.
                Juliana Marins – natural de Niterói e formada em Publicidade, a jovem cheia de vida via no turismo de montanha parte de seu trabalho e seu hobby. Chegou à Indonésia após passar em Vietnã, Tailândia e Filipinas. No 2º dia de subida no Rinjani, ela avisou de exaustão, e o guia a aconselhou descansar, deixando-a para trás: foi um erro.
                Sua ausência só foi notada mais de 1 hora depois. À tardinha, o guia a notou “caída bem fundo”, incialmente a uns 200 metros do topo, com mais duas quedas até parar a 600 m. Socorristas foram acionados,  mas se viram impedidos pela neblina. Na encosta íngreme, Juliana agonizou por 4 dias, sofrendo com frio e sem água e comida.
                No fim, o montanhista nativo Agam desceu sozinho a encosta íngreme para tentar resgatar Juliana. Ao vê-la sem respirar, ele afirmou a morte – 4 dias pós-acidente. Seu corpo foi içado graças a voluntários de rapel e tirolesa, com ajuda de Agam. O fato tomou a nossa mídia com acusações de negligência local.
                Polêmicas – o corpo resgatado foi levado de helicóptero do governo indonésio para Bali, em cujo Hospital Legal foi realizada a autópsia oficial. Com ajuda do Itamaraty, o pai da vítima voou para lá, a fim de desfechar a burocracia do translado. A causa mortis descrita no boletim é trauma contundente grave por queda.
                O trauma é descrito como: fraturas no tórax, coluna, ombros e perna; hemorragia; e lesões em órgãos torácicos. Mas o pai viu percebeu uma contradição: o boletim diz que ela morreu pocuo após a queda, enquanto vídeos de drone no dia seguinte à queda a mostram ainda sentada e se mexendo.
                O que levantou uma questão desagradável: Juliana morreu de paitraumatismo ou de não ter sido salva enquanto estava viva? Se ela demorou para morrer, por que o governo só enviou sua equipe durante a ação arriscada de voluntários mal equipados? Enquanto a resposta nunca se acerta, outra polêmica é apontada.
                No UOL, três pessoas (um geólogo, um militar e um alpinista) acusam amadorismo do parque e negligência do governo. Por que o guia a deixou só, mesmo não podendo? Por que o governo demorou a se manifestar? Se salva com vida, Juliana sobreviveria? O UOL entrevistou três profissionais diferentes.
                Os três – um geólogo, um militar e um alpinista – acusaram amadorismo do parque e negligência do governo indonésio. Cinzas de vulcão escorregam. O grupo deve parar junto em caso de alguém cansado (evita acidente e desorientação). O governo indonésio pareceu não se importar com o desfecho.
                Caso fosse resgatada viva, Juliana duraria pouco devido à gravidade do politrauma. A conduta do parque e do governo é clara quanto à prioridade em dar segurança aos paraísos reservados aos mais ricos em resorts de luxo – um mal que transcende o grau de desenvolvimento dos países turísticos.
                Juliana teria sobrevida breve, devido à gravidade das lesões. Quanto à conduta do parque e do governo, sabemos que investida em segurança é prioritária em paraísos reservados mais ricos em resorts de luxo – um mal que transcende o grau de desenvolvimento dos países. Pode ser na Europa, na América Latina ou na África.
                De qualquer forma, em fria análise, o governo indonésio copia o modus operandi dos demais governos capitalistas pelo mundo. E tudo que se refere ao capiral tem uma escolha direta e objetiva: vale mais o lucro do acúmulo de capital do que a vigência das vidas humanas – mesmo que por trás da pujância do capital esteja a vida.
Nota
¹vulcão que se forma em sucessivas camadas (estratos) de material ejetado a cada episódio eruptivo.
Para saber mais
- Meteoro Brasil: após 4 dias por resgate, brasileira é encontrada sem vida na Indonésia, em https://www.youtube.com/watch?v=XAso5gZOleE
- UOL- brasileira encontrada morta: especialista cita demora do resgate e amadorismo do parque, em https://www.youtube.com/watch?v=fDKAtY5IDJE
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Aviso aos navegantes

ACIDENTE NÃO É BURRICE!

                O trágico acidente que ceifou a vida da publicitária brasileira Juliana Marins, agora conhecida como “a moça do vulcão”, pegou os brasileiros mais de surpresa do que de comoção. Ok, entendemos que os montanhistas brasileiros famosos são atletas profissionais ou militares, que escalam montanhas alpinas.
                Em linhas gerais, nem todos os vulcões são montanhas e vice-versa. E não dá para dizer qual é o mais perigoso. Himalaia, Andes e Havaí compartilham perigos comuns, mesmo distintos.. Nos vulcões, gases tóxicos, erupções ou superfície pedregosa solta. Nos alpes, torrentes de terra/lama ou avalanches de neve.
                Moradores de países com cadeias alpinas (Alpes europeus e o Himalaia asiático) sofrem com deslizamentos de rochas/ terra e avalanches de neve por nevascas intensas, por eventos climáticos ou terremotos. Fatalidades são uma constante que acompanha danos materiais significativos.
                Perto dos vulcões ou nas suas vertentes, outros perigos espreitam: erupções (algumas vezes sem aviso sísmico prévio), emissão de gases tóxicos, lahars (lama de neve ou gelo derretido com material de lava ou bombas e cinzas) que destroem e matam. Mesmo assim muitos vivem ali, devido aos solos férteis.
                Mas aonde quero chegar aqui? Percebi que, no debate público nas redes, alguns comentaristas culpam Juliana por ter parado e caído no vulcão. Já foram antes noticiadas mortes de brasileiros nos Andes e no Himalaia, e não vi alarde. E, tirando os machistas explícitos, parece que a geral deixou de raciocinar.
                Quanto mais alto, mais rarefeito e frio e menos oxigenado é o ar – a 1920 m já podemos sentir, e 11° mais frio do que ao nível do mar.  A 3400m, altura do vulcão Rinjani, onde Juliana morreu, é 25° C mais frio e o oxigênio cai a 17%, o suficiente para exaurir e desorientar sujeitos mais sensíveis, mesmo experientes. E a sensação de calor por maior radiação solar é um perigo complementar.
                Em geral, turistar nesses locais exige conhecimento e preparo. E só se vai por gosto ou opção profissional. Portanto, isso não se discute. Como disse seu pai, Juliana “se foi fazendo o que mais gostava” – como outros brasileiros que tiveram o mesmo fim, em situações talvez mais perigosas.
                Mas o gosto próprio não justifica a culpabilização ou julgamento de “burra”, como vi em muitos comentários. Nenhum  turista de montanha quer morrer, salvo os suicidas, mas aí não é turismo. Os comentaristas julgadores ainda desprezam o contexto do acidente no Rinjani, que já matou outros turistas.
                Além de moralmente pesado e injusto, culpar Juliana por sua tragédia é incompatível com a realidade. Revela desconhecimento e, por, desprezo pelo contexto do acidente. Apo agradecer pela vaquinha de brasileiros, o heróico voluntário Agam disse para a mídia local que o vulcão Rinjani é sempre perigoso.
                
A culpabilização também desconsidera que não existe lugar em que a fatalidade não aconteça. É na segurança dos recursos de um hospital que muitos falecem. Outros, em casa, cercados pelos entes queridos.  E outros, durante uma situação traumática, como um assalto. Culpar à revelia revela profunda falta de empatia.
                Devemos parar de julgar. Na vida e na morte não existem juízes. A fatalidade é parte da própria vida, e é o nosso único conhecimento confirmado de futuro – só não sabemos quando nem como. Juliana teve um acidente fatal, e nós poderemos ter, ou não, um fim parecido, outra forma de acidente. Portanto, acidente não é burrice. É simplesmente acidente e ponto.

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