O CAPITAL
POR TRÁS DA MORTE EM VULCÃO
Por
movimentar R$ bilhões anuais, o turismo é uma mina de ouro global que nos
chancela conhecer novas etnias e costumes e lugares desconhecidos ou
desprezados. Dentre os ramos turísticos, o que mais cresce é o de aventura ou
natureza – em particular, a exploração dos desafiadores ambientes
vulcânicos.
Os vulcões
são terrivelmente belos. Alguns são destinos famosos, como os italianos Vesúvio
e Etna, que atraem por sua beleza icônica e história, e o japonês Fuji, tão instagramável. Literalmente, os Andes têm vulcões de primeira
grandeza. E agora, um país tropical situado no sudeste asiático vem chamado a
atenção por ser salpicado de vulcões ativos e inativos.
Indonésia – com 15 mil ilhas, esse país é o mais vulcânico do mundo. A
famosa ilha de Java é lotada. É onde o Tambora explodiu em 1815 e o Krakatoa em
1883. Das centenas de vulcões, 155 são bem ativos e outros tantos adormecidos
– sossegados por anos ou séculos após grande explosão. Como o Rinjani.
Rinjani- o estratovulcão¹ de mais de 3mil m de altura e se destaca na
ilha-parque homônima pública. Possui flancos irregulares e cobertos de vegetação na base, e cinzas e
bombas mais acima. Seu cume é uma caldeira grande e profunda, que abriga um
pequeno cone com cratera e um lago. Relevo acidentado e trilhas tortuosas desafiam quem
deseja ver tudo do topo.
O acesso
ao cume é dificultado por ar rarefeito, clima instável e trilhas escorregadias
e sem estrutura. Esse foi o cenário de uma tragédia.
Juliana
Marins – natural de Niterói e formada em Publicidade, a
jovem cheia de vida via no turismo de montanha parte de seu trabalho e seu hobby. Chegou
à Indonésia após passar em Vietnã, Tailândia e Filipinas. No 2º dia de subida no
Rinjani, ela avisou de exaustão, e o guia a aconselhou descansar, deixando-a para
trás: foi um erro.
Sua
ausência só foi notada mais de 1 hora depois. À tardinha, o guia a notou “caída
bem fundo”, incialmente a uns 200 metros do topo, com mais duas quedas até
parar a 600 m. Socorristas foram acionados,
mas se viram impedidos pela neblina. Na encosta íngreme, Juliana agonizou
por 4 dias, sofrendo com frio e sem água e comida.
No fim, o
montanhista nativo Agam desceu sozinho a encosta íngreme para tentar resgatar
Juliana. Ao vê-la sem respirar, ele afirmou a morte – 4 dias pós-acidente. Seu
corpo foi içado graças a voluntários de rapel e tirolesa, com ajuda de Agam. O
fato tomou a nossa mídia com acusações de negligência local.
Polêmicas – o corpo resgatado foi levado de helicóptero do governo
indonésio para Bali, em cujo Hospital Legal foi realizada a autópsia oficial. Com
ajuda do Itamaraty, o pai da vítima voou para lá, a fim de desfechar a
burocracia do translado. A causa mortis descrita no boletim é trauma
contundente grave por queda.
O trauma é
descrito como: fraturas no tórax, coluna, ombros e perna; hemorragia; e lesões em
órgãos torácicos. Mas o pai viu percebeu uma contradição: o boletim diz que ela
morreu pocuo após a queda, enquanto vídeos de drone no dia seguinte à queda a
mostram ainda sentada e se mexendo.
O que
levantou uma questão desagradável: Juliana morreu de paitraumatismo ou de não
ter sido salva enquanto estava viva? Se ela demorou para morrer, por que o
governo só enviou sua equipe durante a ação arriscada de voluntários mal
equipados? Enquanto a resposta nunca se acerta, outra polêmica é apontada.
No UOL,
três pessoas (um geólogo, um militar e um alpinista) acusam amadorismo
do parque e negligência do governo. Por que o guia a deixou só, mesmo não
podendo? Por que o governo demorou a se manifestar? Se salva com vida, Juliana
sobreviveria? O UOL entrevistou três profissionais diferentes.
Os três –
um geólogo, um militar e um alpinista – acusaram amadorismo do parque e
negligência do governo indonésio. Cinzas de vulcão escorregam. O grupo deve
parar junto em caso de alguém cansado (evita acidente e desorientação). O
governo indonésio pareceu não se importar com o desfecho.
Caso fosse
resgatada viva, Juliana duraria pouco devido à gravidade do politrauma. A
conduta do parque e do governo é clara quanto à prioridade em dar segurança aos
paraísos reservados aos mais ricos em resorts de luxo – um mal que transcende o
grau de desenvolvimento dos países turísticos.
Juliana teria
sobrevida breve, devido à gravidade das lesões. Quanto à conduta do parque e do
governo, sabemos que investida em segurança é prioritária em paraísos reservados
mais ricos em resorts de luxo – um mal que transcende o grau de
desenvolvimento dos países. Pode ser na Europa, na América Latina ou na África.
De
qualquer forma, em fria análise, o governo indonésio copia o modus
operandi dos demais governos capitalistas pelo mundo. E tudo que se refere
ao capiral tem uma escolha direta e objetiva: vale mais o lucro do acúmulo de
capital do que a vigência das vidas humanas – mesmo que por trás da pujância do
capital esteja a vida.
Nota:
¹vulcão que se forma em sucessivas camadas (estratos) de material ejetado a cada episódio eruptivo.
Para saber mais
- Meteoro
Brasil: após 4 dias por resgate, brasileira é encontrada sem vida na
Indonésia, em https://www.youtube.com/watch?v=XAso5gZOleE
- UOL-
brasileira encontrada morta: especialista cita demora do resgate e
amadorismo do parque, em https://www.youtube.com/watch?v=fDKAtY5IDJE
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Aviso aos
navegantes
ACIDENTE
NÃO É BURRICE!
O trágico
acidente que ceifou a vida da publicitária brasileira Juliana Marins, agora
conhecida como “a moça do vulcão”, pegou os brasileiros mais de surpresa
do que de comoção. Ok, entendemos que os montanhistas brasileiros famosos são
atletas profissionais ou militares, que escalam montanhas alpinas.
Em linhas
gerais, nem todos os vulcões são montanhas e vice-versa. E não dá para dizer
qual é o mais perigoso. Himalaia, Andes e Havaí compartilham perigos comuns,
mesmo distintos.. Nos vulcões, gases tóxicos, erupções ou superfície pedregosa
solta. Nos alpes, torrentes de terra/lama ou avalanches de neve.
Moradores
de países com cadeias alpinas (Alpes europeus e o Himalaia asiático) sofrem com
deslizamentos de rochas/ terra e avalanches de neve por nevascas intensas, por
eventos climáticos ou terremotos. Fatalidades são uma constante que acompanha
danos materiais significativos.
Perto dos
vulcões ou nas suas vertentes, outros perigos espreitam: erupções (algumas vezes
sem aviso sísmico prévio), emissão de gases tóxicos, lahars (lama de neve
ou gelo derretido com material de lava ou bombas e cinzas) que destroem e
matam. Mesmo assim muitos vivem ali, devido aos solos férteis.
Mas aonde
quero chegar aqui? Percebi que, no debate público nas redes, alguns
comentaristas culpam Juliana por ter parado e caído no vulcão. Já foram antes noticiadas
mortes de brasileiros nos Andes e no Himalaia, e não vi alarde. E, tirando os
machistas explícitos, parece que a geral deixou de raciocinar.
Quanto
mais alto, mais rarefeito e frio e menos oxigenado é o ar – a 1920 m já podemos
sentir, e 11° mais frio do que ao nível do mar. A 3400m, altura
do vulcão Rinjani, onde Juliana morreu, é 25° C mais frio e o oxigênio cai a
17%, o suficiente para exaurir e desorientar sujeitos mais sensíveis, mesmo
experientes. E a sensação de calor por maior radiação solar é um perigo
complementar.
Em geral,
turistar nesses locais exige conhecimento e preparo. E só se vai por gosto ou
opção profissional. Portanto, isso não se discute. Como disse seu pai, Juliana
“se foi fazendo o que mais gostava” – como outros brasileiros que
tiveram o mesmo fim, em situações talvez mais perigosas.
Mas o
gosto próprio não justifica a culpabilização ou julgamento de “burra”, como vi
em muitos comentários. Nenhum turista de
montanha quer morrer, salvo os suicidas, mas aí não é turismo. Os comentaristas
julgadores ainda desprezam o contexto do acidente no Rinjani, que já matou outros
turistas.
Além de
moralmente pesado e injusto, culpar Juliana por sua tragédia é incompatível com
a realidade. Revela desconhecimento e, por, desprezo pelo contexto do acidente.
Apo agradecer pela vaquinha de brasileiros, o heróico voluntário Agam disse
para a mídia local que o vulcão Rinjani é sempre perigoso.
A culpabilização também desconsidera que não existe lugar em que a fatalidade não aconteça. É na segurança dos recursos de um hospital que muitos falecem. Outros, em casa, cercados pelos entes queridos. E outros, durante uma situação traumática, como um assalto. Culpar à revelia revela profunda falta de empatia.
A culpabilização também desconsidera que não existe lugar em que a fatalidade não aconteça. É na segurança dos recursos de um hospital que muitos falecem. Outros, em casa, cercados pelos entes queridos. E outros, durante uma situação traumática, como um assalto. Culpar à revelia revela profunda falta de empatia.
Devemos parar
de julgar. Na vida e na morte não existem juízes. A fatalidade é parte da
própria vida, e é o nosso único conhecimento confirmado de futuro – só não sabemos
quando nem como. Juliana teve um acidente fatal, e nós poderemos ter, ou não, um fim parecido, outra forma de acidente.
Portanto, acidente não é burrice. É simplesmente acidente e ponto.
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