MARINA HUMILHOU O SENADO
A Nova República é
considerada na historiografia atual como importante marco histórico. E, em
contextos mais específicos, a ultradireita do MBL e do bolsonarismo também
entra personificada em numerosos nomes, que mais se esmeram na arte das
propostas sem fundamento e em ofensas pessoais.
As instituições dos três
poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – possuem seus canais respectivos
de TV: Secom, TV Câmara/Senado e TV Justiça. A TV Senado transmitiu, em 27-5, a
audiência da Comissão de Infraestrutura, com depoimentos da ministra do
meio Ambiente e Mudanças Climáticas Marina Silva.
Um vergonhoso climão marcou
a audiência de mais de 3 horas, acompanhada por diversas mídias, as quais
criaram cortes focalizando o fato que vitimou a ministra com desligamento de
microfone e dedos em riste durante a sua fala muito interpelada. E, quem diria,
quem iniciou a verborreia agressiva foi um governista.
Show de horror – segundo cortes de vídeos de várias mídias, Omar
Aziz iniciou enaltecendo, em tom agressivo, que é “uma pessoa ética”.
Seguiu que a BR 319, aberta e abandonada nos anos 1970 para ligar Porto Velho a
Manaus segue parada, e que “morreram 15 mil por Covid por causa dela”,
culpando a política ambiental atual.
Mesmo interpelada pelo
presidente da Comissão, o bolsonarista Marcos Rogério, Marina respondeu que a
inconclusão da estrada é antiga e que, após tantos anos e a paralisia por
Bolsonaro, agora ela passa por análise técnica, uma vez que ela atravessa mais
de 100 áreas públicas preservadas (47 parques nacionais e 69 terras indígenas).
Omar ainda reforçou que ela
“nunca sentou para dialogar com empresários e com o agro”. Marina discordou,
interpelada. Em seguida, os vídeos mostram Marcos Rogério desligando várias
vezes o microfone de Marina sempre que ela falava e a interrompendo. Em, enfim,
ele desaforou: “ministra, se ponha no seu lugar”.
A fala desaforada causou
tumulto no plenário, em que se ouviu a crítica da senadora Eliziane Gama,
também governista, que o criticou. Marcos se voltou para interpela-la, enquanto
a ministra, ao seu lado, lhe apontava o dedo respondendo: “meu lugar é no
ministério do meio ambiente, e não sou mulher submissa!”.
Novo corte de edição
focalizou, dessa vez, o senador tucano amazonense Plínio Valério, que reforçou
Aziz ao dizer que “as pessoas querem passear na 319” e, depois “eu respeito a
mulher, mas não respeito a ministra”. Marina rebateu mesmo interpelada: “o
senhor está falando com as duas [...] e deve pedir desculpas. Se não pedir, eu
saio”.
E foi o que ela fez, após ouvir de Valério que não pediria desculpas pelas falas, inclusive a anterior, na CPI das ONGs, referindo-se a "enforcar Marina" após ouvi-la por mais de 6 horas.
Fria análise – as falas foram machistas? Segundo uma ou outra
fonte noticiosa, “não”. Mas o teor das frases de Marcos Rogério e Plínio
é claro. Mas cabe aqui uma visão cria. Os bolsonaristas são machistas e
sexistas por necessidade de autoafirmação. Já Omar Aziz não foi machista, e sim
agressivo, e antiético ao distorcer papeis sobre a BR-319.
E mais: ele teve conduta
infantil ao rebelar agressivamente que “a PL (2159/2021) vai passar, sim, e
o STF não vai impedir, e vamos mudar a Constituição!”. O STF vai impedir, sim,
se necessário, dado que o colega Fabiano Contarato apontou
inconstitucionalidade em muitos artigos da proposta. E vale citar mais sobre
Aziz.
Aziz tem influência no setor de agronegócio no Amazonas. Ajudou
a colpasar a CPI da C19 ao presidi-la, ao absolver Pazuello no MS com 400 mil mortes
em curso, das quais 15 mil em Manaus por falta do oxigênio, porque a logística
do ex-ministro “deu erro de cálculo”. O problema só foi resolvido por
intervenção de Nicolás Maduro
Não bastando não mais
admitir a má gestão do MS na época como causa daquelas mortes, Aziz ainda
elogiou Airton Soligo, vulgo Cascavel, que atuou como testa de ferro de Pazu no
MS e foi estuprador da própria neta. A alcunha já nos sugere o currículo do
sujeito. Portanto, ele tornou piada o indiciamento de Bolsonaro na CPI.
Valério – segundo a investigativa De Olho nos Ruralistas,
ele tem uma propriedade ilegal tipo chalé construída em área preservada
pública, constada no site Airbnb com diárias de quase R$ 1500. Ele presidiu a fracassada CPI das ONGs posicionando-se contra a saída de fazendeiros da homologada, mas
já degradada terra indígena Apitewera, por ordem judicial.
Sua família tem influência
na cidade natal de Eirunepé, às margens do Juruá. E sua influência se estende a
canais de TV, como a afiliada local do SBT. Um dos irmãos de Valério, que chegou
a fazer carreira política na cidade, hoje é um dos sócios na empresa, e está
envolvido no escândalo que faliu o Banco PanAmericano.
Sobre esse distinto senador destaco que, da minha parte, a recíproca seria verdadeira, e mais ainda: não só o parlamentar, mas também o homem não merece respeito. E se sua mulher o expulsaria de casa caso pedisse as desculpas a Marina, então ela vendeu a sua própria dignidade como mulher.
Marcos Rogério – sobre ele não há muito o que se falar. Formado em jornalismo e Direito, com voz grave e
forte, o rondoniano de Ji-Paraná foi radialista antes da carreira política, em
que foi vereador e deputado estadual e federal. Sua eleição ao senado em 2018,
na esteira da ultradireita bolsonarista explica, em parte, a sua conduta com a
ministra.
A outra parte a explicar o
teor sexista e machista de suas falas – que distorcem o papel da bancada
feminina do senado quanto ao climão – é ele fazer parte dos Legendários, um
grupo fundamentalista cristão que prega a autossuperação dos limites desafiando
a natureza em exercícios de força, para alcançar uma virilidade alfa irreal.
O que mais importa nesse
acontecido é que os maiores desequilibrados mesmo são os homens – e os
bolsonaristas se desesperam com a chance de a PF bater em suas portas numa
manhã qualquer, pois as investigações da intentona golpista não terminaram nos
grupos de comando e nos “bagrinhos” condenados por 5 crimes relacionados.
Desconhecemos indícios de desvios
administrativos de Marcos, só o seu narcisismo de macheza impossível traduzido
em misoginia. E a crítica se estende a governistas como Jaques Wagner, que
soltou um risinho ridículo (não mostrado) e nem entrou no coro dos manifestos
tardios da bancada feminina e dos demais em defesa de Marina.
Embora não saibamos de
nenhum indício, tento imaginar se, como legendário, por vezes o senador não
entre em conflito íntimo relativo a esse processo da intentona. E não fiquemos só
nos agressores: o governista Jaques Wagner fez um risinho, e os demais
senadores foram tardios em suas manifestações em defesa da ministra.
Além de baixo e decrépito,
o show de ataques à ministra revela uma turma totalmente desequilibrada em nome
do capital que deprecia o ambiente conservado, mas dele depende para seguir. E
revela os agressores como incapazes: eles não são um décimo de Marina. A
grandeza de Marina humilhou a pequenez dos senadores.
Para saber mais
- https://www.bbc.com/portuguese/articles/ceqg02g3z8po. (o que motivou ofensas a Marina Silva)
- https://www.youtube.com/watch?v=j7gxZ6ST5z4 (Folha Democrata – sobre a realidade da
hostilidade de Aziz a Marina Silva)
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Se existe uma classe social
merecedora de privilégios específicos desde os primórdios civilizatórios, essa
é a classe militar. Suas funções sempre foram, basicamente, defesa e segurança
das nações. Nações vieram e se foram séculos depois, mas sobreviveram em seus
tempos históricos graças aos militares.
Daí entendermos por que
nomes destacados da nossa história receberam condecorações militares por
bravura ou outras correlatas. Como Borba Gato, famoso por ter escravizado centenas
de indígenas raptados em busca de minerais preciosos; Domingos Jorge Velho, que
desmantelou Palmares matando Zumbi e retomando escravos refugiados; Duque de
Caxias, o dito patrono das Forças Armadas.
Entendemos o papel das
nossas Forças Armadas me seu papel constitucional de garantir a defesa e
segurança do território nacional contra inimigos externos, mas sem o poder
moderador tão desejado e tentado, traduzido em regimes autoritários na história
da República brasileira – e de forma ilícita no governo civil de Bolsonaro
(2019-22), culminado na intentona do 8/1.
A volta de Lula 3
significou o retorno à liberdade funcional das instituições investigativas.
Assim, a PF levantou o inquérito da intentona golpista que culminou com
barbárie em 8/1/23, com centenas de “bagrinhos” verde-amarelos condenados. E levanta, agora,
nova fase da operação Contragolpe que fez o STF tornar réus os núcleos
golpistas repletos de importantes militares.
É uma revelação assaz
importante, que chama a atenção desde que o general Braga Neto foi tornado
inelegível em 2023, logo depois do ex-milico e ex-presidente Jair Bolsonaro. E
está preso há um bom tempo, com pedidos de soltura já negados. Após os 6 militares
tornados réus no julgamento do primeiro grupo comandante, agora são dezenas
deles de 3 núcleos.
Significado histórico – apesar de suas prerrogativas nacionais previstas em
lei, os militares traçam um mundo de perfil fechado, de ensimesmados.
Tradicionalmente, o Supremo Tribunal Militar (STM) pune atitudes de natureza
disciplinar, nos quais os alvos majoritários costumam ser soldados rasos ou de patentes
oficiais mais baixas, como cabos e sargentos.
É claro que crimes de outra
natureza, como os políticos, podem ser cabíveis de punição. Desde a
redemocratização, passou a valer um código segundo o qual os militares na ativa
não podem se manifestar na política. Para tanto, devem ser postos na reserva ou
abandonar a carreira militar. Mas a tradição militarista tem passado panos quentes,
pois não são democratas.
Portanto, a participação
inequívoca de milicos de alta patente no comando da intentona golpista,
conforme as investigações da operação Contragolpe da PF, se revela uma guinada
interessante na história da República brasileira. É a primeira vez na nossa
história que a população pode ver militares sendo tornados réus por crimes de
natureza política.
E o ponto mais alto desse
momento interessante é que essa guinada institucional acontece justamente num
governo cujo presidente da República é um histórico inimigo da ditadura
militar. Tal inimizade não faria mais sentido, se não fosse a cultura tipicamente
fascista e antidemocrática na formação militar, e o caráter conciliador de Lula
3, um governo de frente ampla. Bem...azar o deles!
E – em paralelo – nosso
também, pois ninguém pensa que o militarismo é o que precisa ser combatido para
que tanto a patuleia quanto as Forças Armadas possam aprender que é possível viver
em harmonia entre as diferenças numa nação democrática.
Para saber mais
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