O MILAGRE LULA
Reza a lenda (ou História) que
o príncipe Sidartha Gautama reinaria a Índia. Mas então, ele “deu a louca”: deixou
para trás família e tudo, e vagou pela solidão da natureza para meditar sobre a
vida. Teve seguidores pelo caminho, encontrou o nirvana. Se tornou Budha,
o “iluminado”.
Se na sua concentração
mental, Gautama alcançou o nirvana, a luz espiritual, superando o
sofrimento decorrente dos desejos terrenos, no Brasil de séculos depois, um
personagem terreno surge em meio à nossa caótica política para nela revelar
todo um brilho particular: Luiz Inácio da Silva, o Lula.
Retorno aqui a falar de
Lula, não para dissecar sua biografia – ela já foi publicada. O foco aqui é uma
reflexão sobre Lula como fenômeno político, mesmo nesses tempos de ódio da
ultradireita. Parece batido saber como um tosco atinge a presidência. Mas há
algo diferente que devemos reconhecer em Lula.
Saído do agreste
pernambucano para SP com a mãe e irmãos, mal escolarizado, ele fez curso 0800
de torneiro mecânico. Entrou em montadora, onde se revelou um hipnótico líder operário
nos movimentos grevistas entre 1978-80, até ser preso no DOPS a mando do
patronato.
A prisão calou sua voz, mas
não a sua ideia. Sua vocação política inevitável lhe deu a ideia de fundar o
PT. Solto, assim o fez, assinando com intelectuais. E por esse partido tentou
se candidatar ao governo de SP em 1982. Perdeu para ser eleito deputado federal
4 anos depois.
Deputado constituinte em 1988, Lula ousou
mais: por que não tentar a presidência da República? Sem o saber, se tornou o
pesadelo dos jornalões que fizeram o possível para promover Fernando Collor à
custa de mentiras[1] sobre o ex-operário. Collor venceu, suado, só no
segundo turno.
Lula insistiu, derrotado
mais 2 vezes para o “príncipe” FHC. Com astúcia, passou a jogar junto de seus
inimigos. Conquistou a confiança de capitalistas para alcançar o cume político
em 2002 – para, enfim, virar o presidente socialdemocrata que amansou o
neoliberalismo.
Lula insistiu, derrotado
mais 2 vezes para FHC, o "príncipe" para as mídias devido à origem rica. Com astúcia, passou a jogar junto de seus
inimigos. Conquistou a confiança de capitalistas para alcançar o cume político
em 2002 – para, enfim, virar o presidente socialdemocrata que amansou o
neoliberalismo.
Colocou o povo no orçamento
com políticas pró sociais de combate à fome e à miséria, lhe rendendo certas acusações
de gastos excessivos e de corrupção. Mas foi reeleito para terminar como o
presidente mais popular da República, com 87% de aprove popular. Dilma Rousseff seguiu
a era petista.
A era de pânico moral e
ódio da ultradireita findou a era petista depondo Dilma em 2016 e prendendo
Lula em 2018 por "fatos indeterminados". Veio um governo de ultradireita que arrancou o povo pobre dando
lugar ao anarcocapitalismo. “Lula acabou” – até ser solto em 2019, criando um verdadeiro terremoto político.
Efeito Lula- Lula reapareceu súbito em 2020, defendendo a ciência
numa palestra no auge da pandemia e da anticiência. Enquanto o presidente Jair
aglomerava geral espalhando mais Coronas Brasil afora, vieram pesquisas
simuladas de intenção eleitoral no período 2021-22.
Nos gráficos das simuladas,
o presidente Jair encostava em Ciro Gomes e outros lá embaixo nos gráficos.
Tentou reverter aglomerando mais gente em comícios, enquanto Lula continuava a
defender vacinas e ciência em caravanas. O efeito fulminante veio nas eleições
de 2022.
O milagre – Bolsonaro tinha dois triunfos para contrariar as
pesquisas e se reeleger: a boa comunicação nas redes sociais e as igrejas
evangélicas caça-níqueis. Mas, no fim, Lula venceu, com pequena diferença causada,
sobretudo, por tentativas[2] de fraude eleitoral que, enfim, fracassaram.
Desde sua posse, Lula
enfrenta reveses e pressões, e baixas cifras de aprovação de seu governo. Ainda assim, várias propostas suas foram
aprovadas. Comunicação oficial frágil, mentiras da ultradireita e ameaças da ultradireita não abalam
os números das pesquisas de intenção de votos, que apontam possível reeleição
de Lula em 2026.
A idade está aí. Mas Lula
resiste impassível. Seu velho espírito comunicador segue hipnótico como nos
tempos do ABC. Um quase octogenário com “tesão de um jovem de 18” que
segue, superando desafios de saúde e incólume às lesões externas. Sim, Lula é,
em metáfora, mais do que uma ideia. É um milagre – atingiu o nirvana
político. Mas ele ainda discorda.
Notas:
[1] a- uma mulher foi paga para dizer no programa que Lula teria exigido que ela abortasse; e b- suposta mala de dinheiro levada ao programa por Collor como prova de roubo pelo adversário.
[2] Para saber mais sobre
outros fatos eleitorais de 2022, leiam os 2 artigos “Atipicidades das eleições
2022” – primeiro e segundo turnos, neste blog. Para encontrá-los, pesquisem na página do blog "atipicidades das eleições 2022".
----
Na América Latina, um fenômeno
se arrastou entre as décadas de 1960 e 1980: foram os regimes totalitários de
natureza militar. Todos vieram sob a poderosa influência do macarthismo
estadunidense, que incentivou a popularização da fé nazifascista, cujo papel no
fomento das ditaduras foi fundamental.
Foram anos difíceis para
quem lutava pela nascente socialdemocracia europeia ou o regime “comunista”
semelhante ao castrismo cubano. Muitos grupos guerrilheiros surgiram na América
do Sul, alguns deles treinados em Cuba. Mas, para este artigo, o foco é um nome
do grupo Tupamaro, do Uruguai.
A ditadura militar
(1973-85) no Uruguai foi como as dos vizinhos: violenta, o que fomentou o grupo
guerrilheiro dos Tupamaros – nome que homenageia um povo indígena local
que enfrentou bravamente a violência da colonização espanhola. Dos líderes, o
mais conhecido foi Jose Mujica, o Pepe, foco deste artigo.
Como outros grupos
sul-americanos, os Tupamaros eram guerrilha armada. Mas conta que seu
líder Pepe Mujica, filho de agricultores de flores, não era afeito à guerra.
Ele conheceu Lucía Topolansky, que saiu do conforto da família tradicional para
se tornar eterna companheira de luta, de vida e de amor.
Nessa guerra política, os Tupamaros
foram identificados e presos pela ditadura. Mujica ficou os 12 anos presos numa
cela de subsolo, sem ver a luz solar, incomunicável, com fome e sede. De Lucía,
apenas uma carta de amor – o que valeu o filme Uma noite de 12 anos, que
narra essa passagem traumática.
Libertados no findar da
ditadura, Mujica e companheiros seguiram rumos diferentes. Alguns, como Pepe, entraram
na carreira política, outro virou jornalista e escritor, outros tomaram outros
rumos, até mesmo assessorias em cargos políticos. Após passagem como
parlamentar, Mujica foi eleito presidente com ampla margem de votos.
O fenômeno – Mujica presidente foi bem peculiar. Se recusou a
morar no palácio presidencial, onde ia somente para assinar despachos. Só pegava
10% do salário, devolvendo o resto ao erário, pois “bastava o necessário”.
Dispensou seguranças. Recusou ofertas milionárias dos árabes por seu fusca
azul, o seu “carro de luxo”.
Mujica posou de roupas
surradas e sandálias ao lado de pomposos governantes. Provou que transformar o
marxismo-leninismo em filosofia de vida foi sua meta pessoal, sem abrir mão da
legalização regulada do aborto e da maconha, e da mitigação da pobreza, do
desemprego e da devastação ambiental.
Mesmo sendo alvo de ataques
de opositores dentro e fora do Uruguai – suposto aumento do tráfico da erva, abortos
“ao léu” e fazer da simplicidade marketing pessoal – Mujica governou pelo
bem-estar social. E conseguiu muita coisa, apesar dos problemas crônicos e da
saúde cada vez mais delicada.
Mujica disse que “eles
não me copiam”, em alusão ao seu estilo de vida. Ele não entendia por que “acumulam
tanto dinheiro e se empobrecem por dentro”. Enfim, ele se foi. Deixa para nós dois legados,
o político e o humano, quase fundidos. O seu legado mais indelével é a
simplicidade minimalista como arma política.
----
Dois grandes estadistas que muito orgulham a América Latina. Acrescentaria aí o Papa Francisco
ResponderExcluirCaro Rodrigo. Tenho publicações sobre este papa que (me perdoem os fãs de João Paulo II) em 12 anos aproximou mais a ICAR do povo do que aquele em 26 anos.
Excluir