sexta-feira, 6 de junho de 2025

Ligeirinhas 26 (reflexões-Lula e Mujica)

 

O MILAGRE LULA

                Reza a lenda (ou História) que o príncipe Sidartha Gautama reinaria a Índia. Mas então, ele “deu a louca”: deixou para trás família e tudo, e vagou pela solidão da natureza para meditar sobre a vida. Teve seguidores pelo caminho, encontrou o nirvana. Se tornou Budha, o “iluminado”.
                Se na sua concentração mental, Gautama alcançou o nirvana, a luz espiritual, superando o sofrimento decorrente dos desejos terrenos, no Brasil de séculos depois, um personagem terreno surge em meio à nossa caótica política para nela revelar todo um brilho particular: Luiz Inácio da Silva, o Lula.
                Retorno aqui a falar de Lula, não para dissecar sua biografia – ela já foi publicada. O foco aqui é uma reflexão sobre Lula como fenômeno político, mesmo nesses tempos de ódio da ultradireita. Parece batido saber como um tosco atinge a presidência. Mas há algo diferente que devemos reconhecer em Lula.
                Saído do agreste pernambucano para SP com a mãe e irmãos, mal escolarizado, ele fez curso 0800 de torneiro mecânico. Entrou em montadora, onde se revelou um hipnótico líder operário nos movimentos grevistas entre 1978-80, até ser preso no DOPS a mando do patronato.
                A prisão calou sua voz, mas não a sua ideia. Sua vocação política inevitável lhe deu a ideia de fundar o PT. Solto, assim o fez, assinando com intelectuais. E por esse partido tentou se candidatar ao governo de SP em 1982. Perdeu para ser eleito deputado federal 4 anos depois.
                Deputado constituinte em 1988, Lula ousou mais: por que não tentar a presidência da República? Sem o saber, se tornou o pesadelo dos jornalões que fizeram o possível para promover Fernando Collor à custa de mentiras[1] sobre o ex-operário. Collor venceu, suado, só no segundo turno.
                Lula insistiu, derrotado mais 2 vezes para o “príncipe” FHC. Com astúcia, passou a jogar junto de seus inimigos. Conquistou a confiança de capitalistas para alcançar o cume político em 2002 – para, enfim, virar o presidente socialdemocrata que amansou o neoliberalismo.
                Lula insistiu, derrotado mais 2 vezes para FHC, o "príncipe" para as mídias devido à origem rica. Com astúcia, passou a jogar junto de seus inimigos. Conquistou a confiança de capitalistas para alcançar o cume político em 2002 – para, enfim, virar o presidente socialdemocrata que amansou o neoliberalismo.
                Colocou o povo no orçamento com políticas pró sociais de combate à fome e à miséria, lhe rendendo certas acusações de gastos excessivos e de corrupção. Mas foi reeleito para terminar como o presidente mais popular da República, com 87% de aprove popular. Dilma Rousseff seguiu a era petista.
                A era de pânico moral e ódio da ultradireita findou a era petista depondo Dilma em 2016 e prendendo Lula em 2018 por "fatos indeterminados". Veio um governo de ultradireita que arrancou o povo pobre dando lugar ao anarcocapitalismo. “Lula acabou” – até ser solto em 2019, criando um verdadeiro terremoto político.
                Efeito Lula- Lula reapareceu súbito em 2020, defendendo a ciência numa palestra no auge da pandemia e da anticiência. Enquanto o presidente Jair aglomerava geral espalhando mais Coronas Brasil afora, vieram pesquisas simuladas de intenção eleitoral no período 2021-22.
                Nos gráficos das simuladas, o presidente Jair encostava em Ciro Gomes e outros lá embaixo nos gráficos. Tentou reverter aglomerando mais gente em comícios, enquanto Lula continuava a defender vacinas e ciência em caravanas. O efeito fulminante veio nas eleições de 2022.
                O milagre – Bolsonaro tinha dois triunfos para contrariar as pesquisas e se reeleger: a boa comunicação nas redes sociais e as igrejas evangélicas caça-níqueis. Mas, no fim, Lula venceu, com pequena diferença causada, sobretudo, por tentativas[2] de fraude eleitoral que, enfim, fracassaram.
                Desde sua posse, Lula enfrenta reveses e pressões, e baixas cifras de aprovação de seu governo. Ainda assim, várias propostas suas foram aprovadas. Comunicação oficial frágil, mentiras da ultradireita e ameaças da ultradireita não abalam os números das pesquisas de intenção de votos, que apontam possível reeleição de Lula em 2026.
                A idade está aí. Mas Lula resiste impassível. Seu velho espírito comunicador segue hipnótico como nos tempos do ABC. Um quase octogenário com “tesão de um jovem de 18” que segue, superando desafios de saúde e incólume às lesões externas. Sim, Lula é, em metáfora, mais do que uma ideia. É um milagre – atingiu o nirvana político. Mas ele ainda discorda.
Notas:
[1] a- uma mulher foi paga para dizer no programa que Lula teria exigido que ela abortasse; e b- suposta mala de dinheiro levada ao programa por Collor como prova de roubo pelo adversário.
[2] Para saber mais sobre outros fatos eleitorais de 2022, leiam os 2 artigos “Atipicidades das eleições 2022” – primeiro e segundo turnos, neste blog. Para encontrá-los, pesquisem na página do blog "atipicidades das eleições 2022".
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MUJICA, O FENÔMENO

                Na América Latina, um fenômeno se arrastou entre as décadas de 1960 e 1980: foram os regimes totalitários de natureza militar. Todos vieram sob a poderosa influência do macarthismo estadunidense, que incentivou a popularização da fé nazifascista, cujo papel no fomento das ditaduras foi fundamental.
                Foram anos difíceis para quem lutava pela nascente socialdemocracia europeia ou o regime “comunista” semelhante ao castrismo cubano. Muitos grupos guerrilheiros surgiram na América do Sul, alguns deles treinados em Cuba. Mas, para este artigo, o foco é um nome do grupo Tupamaro, do Uruguai.
                A ditadura militar (1973-85) no Uruguai foi como as dos vizinhos: violenta, o que fomentou o grupo guerrilheiro dos Tupamaros – nome que homenageia um povo indígena local que enfrentou bravamente a violência da colonização espanhola. Dos líderes, o mais conhecido foi Jose Mujica, o Pepe, foco deste artigo.
                Como outros grupos sul-americanos, os Tupamaros eram guerrilha armada. Mas conta que seu líder Pepe Mujica, filho de agricultores de flores, não era afeito à guerra. Ele conheceu Lucía Topolansky, que saiu do conforto da família tradicional para se tornar eterna companheira de luta, de vida e de amor.
                Nessa guerra política, os Tupamaros foram identificados e presos pela ditadura. Mujica ficou os 12 anos presos numa cela de subsolo, sem ver a luz solar, incomunicável, com fome e sede. De Lucía, apenas uma carta de amor – o que valeu o filme Uma noite de 12 anos, que narra essa passagem traumática.
                Libertados no findar da ditadura, Mujica e companheiros seguiram rumos diferentes. Alguns, como Pepe, entraram na carreira política, outro virou jornalista e escritor, outros tomaram outros rumos, até mesmo assessorias em cargos políticos. Após passagem como parlamentar, Mujica foi eleito presidente com ampla margem de votos.
                O fenômeno – Mujica presidente foi bem peculiar. Se recusou a morar no palácio presidencial, onde ia somente para assinar despachos. Só pegava 10% do salário, devolvendo o resto ao erário, pois “bastava o necessário”. Dispensou seguranças. Recusou ofertas milionárias dos árabes por seu fusca azul, o seu “carro de luxo”.
                Mujica posou de roupas surradas e sandálias ao lado de pomposos governantes. Provou que transformar o marxismo-leninismo em filosofia de vida foi sua meta pessoal, sem abrir mão da legalização regulada do aborto e da maconha, e da mitigação da pobreza, do desemprego e da devastação ambiental.
                Mesmo sendo alvo de ataques de opositores dentro e fora do Uruguai – suposto aumento do tráfico da erva, abortos “ao léu” e fazer da simplicidade marketing pessoal – Mujica governou pelo bem-estar social. E conseguiu muita coisa, apesar dos problemas crônicos e da saúde cada vez mais delicada.
                Mujica disse que “eles não me copiam”, em alusão ao seu estilo de vida. Ele não entendia por que “acumulam tanto dinheiro e se empobrecem por dentro”.  Enfim, ele se foi. Deixa para nós dois legados, o político e o humano, quase fundidos. O seu legado mais indelével é a simplicidade minimalista como arma política.
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2 comentários:

  1. Dois grandes estadistas que muito orgulham a América Latina. Acrescentaria aí o Papa Francisco

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    1. Caro Rodrigo. Tenho publicações sobre este papa que (me perdoem os fãs de João Paulo II) em 12 anos aproximou mais a ICAR do povo do que aquele em 26 anos.

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