sábado, 14 de junho de 2025

CURTAS 92 - ANÁLISES (servidores públicos, aço sujo de sangue).

 

SERVIDORES: OS OUTROS AGRESSORES

                Nessa semana foi aprovada uma PL que prevê aumento de pena para quem agredir profissionais de saúde. Estes últimos comemoraram com razão: a frequência de ações violentas contra funcionários em unidades do SUS aumentou muito, revelando a realidade da insegurança e vulnerabilidade dos trabalhadores desse setor.
                Essa proposta seria melhor ainda se abrangesse os profissionais de educação básica, velhos alvos das agressões, agora ideologizadas por muitos nomes do cristofascismo. Face ao quadro crítico, a PL reforça a penalização por desacato a servidor público (art 331, CP/1940). Mas vale apontar um fator importante do problema: o jogo de jornalões, mercado e governos que põe a geral contra servidores.
                Embora servidores municipais e estaduais sejam os principais alvos da violência, cabe apontar que servidores federais também são alvos de agressão. Só que esta não é necessariamente direta, mas é também ideológica, e envolve o mesmo trio – que aqui se torna o grande responsável: jornalões de massa, mercado e governos.
                Gestão privatizada – a saúde federal é o principal alvo dessa agressão simbólica, já abordada no blog: parte da rede hospitalar do RJ foi municipalizada, com entrada de profissionais temporários da prefeitura, e outra cedida para empresas de direito privado como Ebserh e o obscuro Grupo Hospitalar Conceição (GHC), que agora mira os institutos nacionais (cardiologia, câncer e traumato-ortopedia).
                Apesar da aparente preferência política em privatizar a gestão da saúde federal carioca por concentrar 70% de toda a rede nacional (herança pretérita de capital federal), outras capitais com sedes compartilham a mesma ameaça, pois a crise tão midiatizada na saúde é generalizada, dado o mau investimento. 
                Destarte, a privatização da gestão hospitalar não é nova. Ela já estava prevista na época da ditadura militar, quiçá desde o decreto 200/1967, que se foi a primeira reforma administrativa de amplo espectro na história da República pós-Vargas. O decreto já apontava uma tendência privatizante na gestão dos poderes públicos, sendo atribuição do poder Executivo determinar seus limites.
                Acontece que, mesmo rejeitada a proposta de Paulo Guedes, o processo em andamento não está sendo nada alvissareiro.
                Chantagem – sempre midiatizada em salários, a luta dos servidores estáveis é pelo bom atendimento em suas lotações. Nas redes sociais há denúncia de que, em setores assistenciais, eles são obrigados a chamar colega da empresa gestora para atender usuários doentes por falta de insumos básicos. Uma chantagem empresarial.
                Tal detalhe acima foi silenciado entre os jornalões, mas não escapou de um deles a  denúncia de improviso de armazenamento de material de biópsia em potes de doce num hospital federal agora sob gestão terceirizada no Rio. Mas eles atribuem o problema como crise típica da saúde pública, estrategicamente sem relacioná-la claramente à nova gestão.
                Ainda há silenciamento sobre a descoberta de solicitação urgente do GHC de ser regularizado como empresa pública federal de capital fechado em lei específica, como já o é a Ebserh, criada para gerir unidades universitárias (HUs). O atual status do GHC se resume a um estranho e nebuloso artigo incluso na primeira Lei das Estatais, de 1975, sem regulamentação posterior.
                Educação federal – enquanto as escolas municipais e estaduais de 18 Estados estão aos poucos entregues à gestão privada, a rede federal de ensino básico ainda segue gerida pelo MEC¹. Nos bastidores ainda não há clareza sobre a intenção da pasta em se abster da gestão. Mas, dado que a EBSERH pertence ao MEC e já gere os HUs, não podemos apostar que o ensino básico federal escape da privatização.
                E a Ebserh não quer parar aí. Agora ela corre para concretizar a fusão entre o Gafrée Guinle (HUGG) ao Hospital Federal dos Servidores do Estado (HFSE), na zona portuária. Há risco de piorar não só a atenção à saúde. O belo prédio neoclássico do HUGG no Maracanã corre o risco de cair no abandono estrutural, mesmo sendo imóvel tombado por seu valor histórico.
                E se nos hospitais federais já entregues à gestão do GHC já se inicia uma debandada (em geral voluntária) de servidores estatutários para os institutos enquanto estes não são entregues, ocorre uma expectativa nova e nada alvissareira.
                Estabilidade em perigo – Lula e Ester Dweck (ministra da Gestão e Inovação pública) rejeitam a PEC 32/2020 por esta atingir servidores estatutários com direitos constitucionais adquiridos já ativos (daí Guedes tanto clamar por nova Constituição), e não só os futuros servidores como os jornalões propalavam. Ok, não fosse por uma novidade:  Lula 3 agora quer discutir a estabilidade.
                Isso, segundo matéria escrita pelo colunista Lauro Jardim no jornalão O Globo, com o título portentoso: "governo topa discutir até estabilidade de servidores". Em paralelo, o deputado federal fluminense Pedro Paulo discorda, explicando que a intenção do poder é "aperfeiçoar a oferta de serviços públicos para alcançar a demanda da população e reestruturar carreiras com novo critério de desempenho".
                Marca registrada da Lei 8112/1990 (estatuto do servidor), a estabilidade garante aos servidores maior autonomia em suas funções públicas sem temer perseguição política. Sua demissão ocorre só em processo administrativo-disciplinar (PAD) transitado em julgado por violações funcionais no cargo, acumulação ilegal de cargos e/ou empregos públicos, lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio público.
                Como os servidores do Executivo – 70% deles de classe média baixa – são os principais alvos dessa trinca de inimigos, fica muito claro que usuários revoltados são apenas um problema relacionado à exposição direta. Pois os inimigos mais poderosos e difíceis de desafiar estão bem mais acima, nos postos dos três poderes. Somente a união de todas as categorias pode interromper a caminhada privatista.
Para saber mais

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AÇO BRASILEIRO, CAMINHO ESCUSO

                Desde os anos 1990, os governos brasileiros abraçaram a causa neoliberal, cuja filosofia central é menos Estado para a patuleia para que sobrem fundos visando sustentar bancos e empresas. O foco em empregos nos ramos de serviços (em parte pela privataria) e o boom dos importados da China quase ferraram de vez a indústria nacional.
                Esse déficit no nosso setor industrial não seria totalmente ruim, se as novas indústrias estrangeiras investissem em insumos de empresas nacionais. Entre os variados exemplos, o mais conhecido é o aço, cujas características como resistência a impacto e tenacidade o tornam de sumo valor para muitos usos na infraestrutura e em manufatura de automotivos de todo tipo.
                Dois exemplos siderúrgicos conhecidos no Brasil é a CSN de Volta Redonda e a Gerdau, que fornecem sua produção a obras de engenharia em geral (infraestrutura) e até para a montadora italiana Fiat, que investe em recursos e em tecnologia nacionais. Para essas empresas, essas atividades compensam, em parte, a preferência das montadoras chinesas em importar o aço produzido pela China.
                Mas há outra grande siderúrgica brasileira que apresenta um triste ponto em seu currículo, que virou alvo de reportagem do Intercept Brasil: é a Villares Metals, cujo crescimento em receita se deve não tanto para o aproveitamento das indústrias em geral, mas pela exportação do insumo para um parceiro conhecido, mas pouco alvissareiro:  o Estado de Israel.
                Enquanto segue o genocídio palestino por Israel, aqui há um conflito silente entre Lula 3 e a indústria do aço. É que, pessoalmente, Lula é favorável à causa palestina, e uma crítica dele à limpeza étnica por Israel, por sua vez levou a ex-deputada Carla Zambelli a protocolar um bizarro pedido de impeachment.
                Após Motta engavetar as chances de impeachment logo após a posse – o que enxuricou os bolsonaristas de plantão – resta um conflito silente entre Lula 3 e a indústria do aço nacional. É que, se o governante é historicamente favorável à causa palestina, o insumo é usado por Israel, também, para fabricar mais armamento pesado.
                Diante do incentivo de Trump ao genocídio em curso para tomar o território de Gaza visando loteá-lo para futuros resorts e o domínio da rica bacia petrolífera local homônima, não vimos o governo brasileiro se manifestar a respeito do absurdo. Daí alguns artistas e parlamentares cobram a sua posição.
                Eles criaram abaixo-assinado cobrando o governo a cortar relações com Israel. Até o momento, o governo não respondeu ao apelo, mesmo com a causa palestina historicamente defendida por Lula e pelo PT. Mas esse silêncio governamental não ocorre sem uma razão bem sólida: a econômica.
                Embora menor em comparação com parceiros como China e EUA, a parceria econômica entre Brasil e Israel é importante. Exportamos as nossas tradicionais commodities (petróleo, carne bovina, soja além do aço) e recebemos deles aeronaves, equipamentos de defesa, alta tecnologia, adubos, fertilizantes e produtos químicos.
                Mas, enquanto isso, Israel segue na sua sanha como o novo império do Oriente Médio. Não satisfeito com os números trágicos do genocídio palestino, que alveja crianças por motivo ideológico nazista em versão adaptada que contamina mais de 45% do seu povo, Netanyahu se volta agora contra o... Irã. E este não perdoou, revidando com armamentos igualmente pesados e aumentando em mais 1 ponto o nível da guerra.
                Em fria análise final, o atual governo brasileiro evitará manifestação pública a respeito dessa especificidade. Até porque os diálogos com a elite do empresariado brasileiro também contribuíram para a sua eleição em 2022. E entre todo esse grupo empresarial estavam os acionistas das grandes siderúrgicas brasileiras – quiçá, também, a Villares Metals.
                Só há uma verdade final sobre isso: na manutenção do seu silêncio, se torna lamentável que, em nome da economia e na governança da conciliação de classes díspares, o governo consinta com um genocídio condenado pela maioria da população global, executado por um Estado que copia o nazismo que, há 80 anos ceifou milhares de vidas judias, entre outros grupos.
Para saber mais
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