SERVIDORES: OS OUTROS
AGRESSORES
Nessa semana foi aprovada
uma PL que prevê aumento de pena para quem agredir profissionais de saúde.
Estes últimos comemoraram com razão: a frequência de ações violentas contra
funcionários em unidades do SUS aumentou muito, revelando a realidade da
insegurança e vulnerabilidade dos trabalhadores desse setor.
Essa proposta seria melhor
ainda se abrangesse os profissionais de educação básica, velhos alvos das
agressões, agora ideologizadas por muitos nomes do cristofascismo. Face ao
quadro crítico, a PL reforça a penalização por desacato a servidor público (art
331, CP/1940). Mas vale apontar um fator importante do problema: o jogo de
jornalões, mercado e governos que põe a geral contra servidores.
Embora servidores
municipais e estaduais sejam os principais alvos da violência, cabe apontar que
servidores federais também são alvos de agressão. Só que esta não é necessariamente
direta, mas é também ideológica, e envolve o mesmo trio – que aqui se torna o
grande responsável: jornalões de massa, mercado e governos.
Gestão privatizada – a
saúde federal é o principal alvo dessa agressão simbólica, já abordada no blog:
parte da rede hospitalar do RJ foi municipalizada, com entrada de profissionais
temporários da prefeitura, e outra cedida para empresas de direito privado como
Ebserh e o obscuro Grupo Hospitalar Conceição (GHC), que agora
mira os institutos nacionais (cardiologia, câncer e traumato-ortopedia).
Apesar da aparente
preferência política em privatizar a gestão da saúde federal carioca por
concentrar 70% de toda a rede nacional (herança pretérita de capital federal),
outras capitais com sedes compartilham a mesma ameaça, pois a crise tão
midiatizada na saúde é generalizada, dado o mau investimento.
Destarte, a privatização da gestão hospitalar
não é nova. Ela já estava prevista na época da ditadura militar, quiçá desde o
decreto 200/1967, que se foi a primeira reforma administrativa de amplo espectro
na história da República pós-Vargas. O decreto já apontava uma tendência privatizante
na gestão dos poderes públicos, sendo atribuição do poder Executivo determinar
seus limites.
Acontece que, mesmo rejeitada a proposta de Paulo
Guedes, o processo em andamento não está sendo nada alvissareiro.
Chantagem –
sempre midiatizada em salários, a luta dos servidores estáveis é pelo bom atendimento em suas lotações. Nas redes sociais há
denúncia de que, em setores assistenciais, eles são obrigados a chamar colega
da empresa gestora para atender usuários doentes por falta de insumos básicos. Uma chantagem empresarial.
Tal detalhe acima foi silenciado entre os jornalões, mas não escapou de um deles a denúncia de improviso de armazenamento de material de biópsia em potes de doce num hospital federal agora sob gestão terceirizada no Rio. Mas eles atribuem o problema como crise típica da saúde pública, estrategicamente sem relacioná-la claramente à nova gestão.
Ainda há silenciamento sobre a descoberta de solicitação urgente do GHC de ser regularizado como empresa pública federal de capital fechado em lei específica, como já o é a Ebserh, criada para gerir unidades universitárias (HUs). O atual status do GHC se resume a um estranho e nebuloso artigo incluso na primeira Lei das Estatais, de 1975, sem regulamentação posterior.
Educação federal – enquanto
as escolas municipais e estaduais de 18 Estados estão aos poucos entregues à
gestão privada, a rede federal de ensino básico ainda segue gerida pelo MEC¹. Nos
bastidores ainda não há clareza sobre a intenção da pasta em se abster da
gestão. Mas, dado que a EBSERH pertence ao MEC e já gere os HUs, não podemos
apostar que o ensino básico federal escape da privatização.
E a Ebserh não quer parar
aí. Agora ela corre para concretizar a fusão entre o Gafrée Guinle (HUGG) ao
Hospital Federal dos Servidores do Estado (HFSE), na zona portuária. Há risco
de piorar não só a atenção à saúde. O belo prédio neoclássico do HUGG no
Maracanã corre o risco de cair no abandono estrutural, mesmo sendo imóvel tombado
por seu valor histórico.
E se nos hospitais federais
já entregues à gestão do GHC já se inicia uma debandada (em geral voluntária)
de servidores estatutários para os institutos enquanto estes não são entregues,
ocorre uma expectativa nova e nada alvissareira.
Estabilidade em perigo – Lula
e Ester Dweck (ministra da Gestão e Inovação pública) rejeitam a PEC 32/2020 por
esta atingir servidores estatutários com direitos constitucionais adquiridos já
ativos (daí Guedes tanto clamar por nova Constituição), e não só os futuros
servidores como os jornalões propalavam. Ok, não fosse por uma novidade: Lula 3 agora quer discutir a estabilidade.
Isso, segundo matéria escrita pelo colunista Lauro Jardim no jornalão O Globo, com o título portentoso: "governo topa discutir até estabilidade de servidores". Em paralelo, o deputado federal fluminense Pedro Paulo discorda, explicando que a intenção do poder é "aperfeiçoar a oferta de serviços públicos para alcançar a demanda da população e reestruturar carreiras com novo critério de desempenho".
Marca registrada da Lei
8112/1990 (estatuto do servidor), a estabilidade garante aos servidores
maior autonomia em suas funções públicas sem temer perseguição política. Sua demissão
ocorre só em processo administrativo-disciplinar (PAD) transitado em
julgado por violações funcionais no cargo, acumulação ilegal de
cargos e/ou empregos públicos, lesão aos cofres públicos e dilapidação
do patrimônio público.
Como os servidores do
Executivo – 70% deles de classe média baixa – são os principais alvos dessa
trinca de inimigos, fica muito claro que usuários revoltados são apenas um problema
relacionado à exposição direta. Pois os inimigos mais poderosos e difíceis de
desafiar estão bem mais acima, nos postos dos três poderes. Somente a união de
todas as categorias pode interromper a caminhada privatista.
Para saber mais
- https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2025/02/ligeirinhas-12-brasil-novos-momentos.html (Nísia
sai, Padilha entra: e agora?)
----
Desde os anos 1990, os
governos brasileiros abraçaram a causa neoliberal, cuja filosofia central é
menos Estado para a patuleia para que sobrem fundos visando sustentar bancos e
empresas. O foco em empregos nos ramos de serviços (em parte pela privataria) e
o boom dos importados da China quase ferraram de vez a indústria
nacional.
Esse déficit no nosso setor
industrial não seria totalmente ruim, se as novas indústrias estrangeiras investissem
em insumos de empresas nacionais. Entre os variados exemplos, o mais conhecido
é o aço, cujas características como resistência a impacto e tenacidade o
tornam de sumo valor para muitos usos na infraestrutura e em manufatura de
automotivos de todo tipo.
Dois exemplos siderúrgicos
conhecidos no Brasil é a CSN de Volta Redonda e a Gerdau, que
fornecem sua produção a obras de engenharia em geral (infraestrutura) e até
para a montadora italiana Fiat, que investe em recursos e em tecnologia
nacionais. Para essas empresas, essas atividades compensam, em parte, a preferência
das montadoras chinesas em importar o aço produzido pela China.
Mas há outra grande
siderúrgica brasileira que apresenta um triste ponto em seu currículo, que
virou alvo de reportagem do Intercept Brasil: é a Villares Metals,
cujo crescimento em receita se deve não tanto para o aproveitamento das
indústrias em geral, mas pela exportação do insumo para um parceiro conhecido,
mas pouco alvissareiro: o Estado de Israel.
Enquanto segue o genocídio
palestino por Israel, aqui há um conflito silente entre Lula 3 e a indústria do
aço. É que, pessoalmente, Lula é favorável à causa palestina, e uma crítica
dele à limpeza étnica por Israel, por sua vez levou a ex-deputada Carla
Zambelli a protocolar um bizarro pedido de impeachment.
Após Motta engavetar as
chances de impeachment logo após a posse – o que enxuricou os
bolsonaristas de plantão – resta um conflito silente entre Lula 3 e a indústria
do aço nacional. É que, se o governante é historicamente favorável à causa
palestina, o insumo é usado por Israel, também, para fabricar mais armamento
pesado.
Diante do incentivo de
Trump ao genocídio em curso para tomar o território de Gaza visando loteá-lo
para futuros resorts e o domínio da rica bacia petrolífera local homônima, não
vimos o governo brasileiro se manifestar a respeito do absurdo. Daí alguns artistas
e parlamentares cobram a sua posição.
Eles criaram
abaixo-assinado cobrando o governo a cortar relações com Israel. Até o momento,
o governo não respondeu ao apelo, mesmo com a causa palestina historicamente
defendida por Lula e pelo PT. Mas esse silêncio governamental não ocorre sem
uma razão bem sólida: a econômica.
Embora menor em comparação
com parceiros como China e EUA, a parceria econômica entre Brasil e Israel é
importante. Exportamos as nossas tradicionais commodities (petróleo, carne bovina, soja além do
aço) e recebemos deles aeronaves, equipamentos de defesa, alta tecnologia,
adubos, fertilizantes e produtos químicos.
Mas, enquanto isso, Israel segue na sua sanha como o novo império do Oriente Médio. Não satisfeito com os números trágicos do genocídio palestino, que alveja crianças por motivo ideológico nazista em versão adaptada que contamina mais de 45% do seu povo, Netanyahu se volta agora contra o... Irã. E este não perdoou, revidando com armamentos igualmente pesados e aumentando em mais 1 ponto o nível da guerra.
Em fria análise final,
o atual governo brasileiro evitará manifestação pública a respeito dessa
especificidade. Até porque os diálogos com a elite do empresariado brasileiro também contribuíram
para a sua eleição em 2022. E entre todo esse grupo empresarial estavam os
acionistas das grandes siderúrgicas brasileiras – quiçá, também, a Villares
Metals.
Só há uma verdade final
sobre isso: na manutenção do seu silêncio, se torna lamentável que, em nome da
economia e na governança da conciliação de classes díspares, o governo consinta
com um genocídio condenado pela maioria da população global, executado por um
Estado que copia o nazismo que, há 80 anos ceifou milhares de vidas judias,
entre outros grupos.
Para saber mais
- https://www.poder360.com.br/poder-governo/artistas-e-congressistas-pedem-que-lula-rompa-com-israel/
----
Nenhum comentário:
Postar um comentário