IURD
NA PM: EFEITOS EM SP
Anos
1960: missionários cristãos a mando do governo dos EUA entram na América
Latina para impor a fé anticomunista. Anos 1980: atletas de Cristo
entram no mundo esportivo profissional regado a música, bebida e amores. Anos
1990: a bancada da bíblia surge no Congresso e o pastor Marcos Pereira
entra em presídios. Desde 2012, Guerreiros de Jesus depredam terreiros afro-brasileiros
em favelas e expulsam fiéis. Desde 2016, grupos de PMs de Cristo são
vistos rezando antes de iniciar suas rondas.
Em si,
a evangelização é considerada normal, com história secular para nós. Mas não a
sua fascistização, que se traduz na intolerância dos traficantes evangélicos
contra as fés afro-brasileiras, e também no acirramento da guerra urbana por
trás das mais perigosas operações policiais nas periferias de muitas
cidades.
Evangelização
nas polícias? Sim. Não seria para melhorar a relação entre PMs e pobres? Deveria,
mas só que não.
IURD
– fundada por Edir Macedo no fim dos anos 1970, a Igreja
Universal do Reino de Deus (IURD ou Universal) é pioneira do neopentecostalismo,
dissidência pentecostal que não só promete fazer vencer a pobreza, como entra em
vários mundos. O partido político Republicanos foi fundado por bispos da
IURD.
A
criação de um partido político por uma igreja não só revela uma brecha na lei.
Revela também como a IURD entra e se organiza nos espaços públicos laicos. Portanto,
não é surpresa ela ter iniciado a evangelização dos reservados espaços das PMs
Brasil afora. Em São Paulo, então...
PM
universal – não é de hoje que o jornalismo investigativo tem
reparado no porte e no poder da IURD. Mas só as reportagens mais recentes
revelam como e o quanto esta organização empresarial-religiosa penetrou no
mundo privado de cada policial militar – e mais ainda, como tomou os
quarteis da PM-SP.
Foi
tudo muito sutil. É totalmente plausível que as promessas fantásticas da IURD e
aas revelações de seus pastores bem treinados atraíram de famílias a multidões
pelo país. E se torna óbvio que, entre a crescente população fiel estejam soldados
e/ou alguns oficiais PMs próximos a secretários estaduais de segurança. É só
especulação.
O
que importa é que, para se chegar ao status atual nos quarteis paulistas, com direito
a cultos e solenidades comemorativas organizadas pela IURD com presença do
Secretário e do governador em pelo menos 10 Estados, algo deve ter começado lá
de baixo para não chamar a atenção pública.
Ferramentas
possíveis – fundado em 2005, o então Partido Municipalista
Renovador (PMR), depois Republicano Brasileiro (PRB), atual Republicanos,
tinha somente políticos fiéis. Mas liberou geral após o finado vice-presidente
da República José de Alencar se filiar. Hoje ele integra o centrão e o liga à
ultradireita.
O
PR foi a primeira evidência do projeto de poder de Macedo. Quando do flagra dos
PMs rezando em 2016, a IURD já havia criado a organização Gladiadores do
Altar, uma milícia paramilitar treinada com táticas militares para penetrar
em recantos de difícil acesso do país e alcançar comunidades isoladas.
Como
as milícias que dominam favelas e bairros da zona metropolitana do RJ, a Gladiadores
do Altar tem PMs nas fileiras ou é treinada por PMs ou militares das Forças
Armadas para a citada penetração. Mas, quiçá, ela pode ter sido usada para
adentrar nos espaços mais reservados da caserna da PM.
Hoje – hoje, a IURD formou 20 mil capelãos nas PMs estaduais
em todo o Brasil. Em todos os quarteis paulistas há a Universal nas Forças
Policiais (UFP) reúne capelãos para organizar vários eventos, como o aniversário
da PM-SP e as cerimônias de formação de novos quadros de PMs aprovados em
concurso.
Sempre
lotados, os cultos e eventos são realizados no salão de eventos do maior
quartel da PM-SP ou no imenso Templo de Salomão. Em um culto no portentoso Templo,
o coronel João Alves Cangerana Jr disse aos PMs a “necessidade” de “louvar
os templos”, pois “os valores da PM coadunam com os da religião.
Portanto, também considero importante para a saúde espiritual”.
Só resta
saber que valores são esses. Afinal, a PM contaminada pela IURD é a mesma que acumula
recordes de letalidade nas periferias das cidades paulistas, inclusive na
capital. É a mesma que recentemente tentou remover, com muita violência,
moradores da Favela do Moinho, a última do centro da capital.
Para saber mais
-----
Como
já abordado em vários artigos, o Brasil elegeu Lula de volta após 4 anos de
pesadelo. Mas, junto às heranças malditas na governança, se segue forte o
pânico moral criado pela fascistização da fé com o bolsonarismo. E, claro, a
saudade dos mais velhos dos “gloriosos” tempos da ditadura militar.
Tudo
que se refere a gênero, sexo e sexualidade é alvo conhecido do pânico moral.
Vemos várias expressões homotransfóbicas de Nikolas Ferreira e a insistência do
pastor Sargento Isidório em não reconhecer a identidade sexual da colega Erika
Hilton ao chama-la de “meu amigo”, mesmo respeitosamente.
Em
matéria de infância, os bolsonaristas falam muito de protege-las da
sexualização. E em matéria de violência infantil? A vereadora bolsonarista
Jéssica Lemonie, de Itapoá (SC) disse ter a solução para contra os problemas
infantis: censurar a “literatura violenta” na rede de ensino básico.
Censura
a Jorge Amado –
a riqueza literária brasileira tem sido explorada em cursos preparatórios para
concursos públicos e ENEM. Entre os grandes escritores, em geral críticos da
sociedade, se destaca para este artigo o saudoso baiano Jorge Amado – o meu
escritor favorito.
De
Itabuna (1912), Jorge Amado foi advogado, jornalista e político. Mas seu
reconhecimento global é o de um dos maiores escritores de todos os tempos. Modernista,
sua obra é riquíssima, recheada de crítica à moral de costumes, luta de classes
e ritos de candomblé, e a mais adaptada para TV e cinema.
A
zona rural do Cacau o inspirou a escrever Tocaia Grande, Tieta do
Agreste, Gabriela, cravo e canela e Pastores da noite. Já
Salvador chancelou mais títulos: Jubiabá, Capitães da Areia, Dona
Flor e seus dois maridos, Tenda dos Milagres e a menos conhecida e
hilária O sumiço da santa: uma história de feitiçaria.
Capitães
da Areia – o alvo literário de
Jéssica é Capitães da Areia. Adaptada na TV e no cinema, a obra foca um
grupo de meninos de rua que vivem os efeitos do abandono como exposição à
violência e a vícios, rejeição, sexo e desigualdade. Cada menino trilha caminhos
singulares redundando em diferentes finais.
Para
Jéssica, a obra “promove a marginalização infantil” e tem trechos com “violência
e criminalidade”. Disse que a idade estimada pelas bibliotecas para sua
leitura é de 18 anos. E ainda depreciou o escritor por ter sido comunista
considerando a inclusão de sua obra uma “infiltração da esquerda nas escolas
pela literatura”.
Até
o momento, a Câmara de Itapoá não apreciou o texto. As Secretarias de Educação
(municipal e estadual) não se pronunciaram.
Contradição
e bizarrices -
os bolsonaristas se dizem defensores da ideologia biológica binária de gênero e
heteronormatividade de mando masculino. Por outro lado, são contraditórios
entre defender o armamentismo civil e reprovar a violência infantil, entre ser
pró-vida (antiaborto) e ser indiferente ao abandono infantil.
Nunca
vimos políticos bolsonaristas defenderem a infância periférica e não-branca,
mais exposta à violência que dizem condenar. E são indiferentes à letalidade
policial sobre menores inocentes pelas ditas “operações de guerra ao tráfico”,
no jargão das polícias. Ou seja, simplesmente os consideram criminosos.
Daí
serem bizarros seus projetos de lei. Como a Lei da Calcinha, que condena
exposição corporal em eventos públicos e noivas sem calcinha desde 2013 em Vila
Velha (ES); a bolsa-estupro que prevê bolsa para a vítima grávida para
não abortar; e a PL da prisão da vítima que abortar gravidez resultante
de estupro.
Exceto
a de Vila Velha, que é municipal e está válida, demais bizarrices ainda
tramitam no Congresso, com chances remotíssimas de aprovação. Todas resultam da
fascistização religiosa, já abordada no blog. A proposta da vereadora catarinense
é apenas mais uma que entra no estranho rol de bizarrices.
Para saber mais
----
Nenhum comentário:
Postar um comentário