sábado, 29 de setembro de 2018


Período eleitoral: a democracia encurralada

     Com o fim da ditadura empresarial-militar, o governo de transição de José Sarney se pôs à disposição da geral, através da grande imprensa, ser o mentor da volta da democracia. Foi assim que o povo foi informado de mudanças significativas na lei eleitoral, que recuperou ao povo o direito de escolher diretamente os governantes.
     Tal direito é por si uma conquista, e por isso foi largamente propagado pela grande mídia como símbolo do fim do autoritarismo e o início da era do povo participando da política. Daí o slogan “festa da democracia” dado ao momento de pleito. Mas, será mesmo que pode ser chamado de democracia?
     Depende do âmbito – ou ângulo – da coisa. É democrático enquanto os eleitores votam naqueles com quem se identificam filosófica ou politicamente. Mas a sensação de liberdade pode terminar aí: por trás dos postulantes à presidência da República, por exemplo, há muito mais do que as propostas e ideologias defendidas.
     A “festa da democracia” termina quando o eleitor confirma o número digitado na urna. Ou bem antes disso, por motivos básicos e conhecidos. A lei eleitoral tornou obrigatório o voto, mesmo que os eleitores deparem com os mesmos nomes consagrados no multifacetado submundo criminal. O que não invalida a eleição mesmo que a maioria dos eleitores vote nulo ou em branco.
    Se a insistência acima citada já caracteriza um curral eleitoral, há os outros, mais conhecidos, como as costumeiras indicações (quase sempre impostas) pelos mandatários na vida de quem mora nas periferias dos grandes centros, trabalhe em determinadas instituições públicas ou privadas, e até mesmo nos centros religiosos.
     A grande mídia tem efeito semelhante, embora mais sutil, através das notícias que enaltecem determinado candidato em detrimento de outros, frequentemente se colocando no direito de forjar à sua maneira a apresentação dos fatos.
     Diante de tantos exemplos, a “festa da democracia” perde totalmente seu efeito de marketing eleitoral. E a própria democracia, pela qual muitos lutaram e outros tantos terminaram mortos e desaparecidos, permanece encurralada pelos interesses da cultura dominante, que direciona a condução política.

terça-feira, 18 de setembro de 2018

Bolsonaro e Haddad: Lula atrás da louca corrida do voto

     Após a impugnação da candidatura de Lula, Fernando Haddad passou a ser o candidato natural do PT à presidência, há alguns dias. Novato em relação aos demais, que já estavam desde agosto, o petista estava com números tímidos, tendo apenas Ciro Gomes como o candidato com potencial de enfrentar o líder Bolsonaro no segundo turno.
    Enquanto os bolsonaristas continuavam tranquilos quanto à liderança isolada de seu candidato, com Lula fora da disputa, Haddad em pouco tempo causaria imbróglio no segundo lugar, tirando certeza a dupla Ciro-Bolsonaro no segundo turno.
    Isso porque, após o empurrão de incentivo de seu guia, o então tímido Haddad teve uma subida significativa, de 11 pontos numa semana, adquirindo 19%, deixando para trás Marina e Ciro, que continuam tecnicamente embolados. E os bolsonaristas ainda contentes com a continuada liderança de seu escolhido.
     Mas tal tranquilidade pode dar lugar à dor de cabeça. Embora líder, o militar da reserva tem permanecido na faixa entre 20 e 30% das intenções de votos, chegando a 28% atualmente, enquanto o já condenado Lula chegou aos 41%, após se manter entre 30 e 35% por um bom tempo. E a alavancada de Haddad o aproxima do militar, segundo Brasil de Fato.
     Claro que ainda há duas semanas pela frente, e muita água pode rolar. Mas se as posições se mantiverem até o pleito, o segundo turno será deles. E, podem apostar, vai ser no mínimo muito acirrada. Pois Lula permanecerá na sombra até o final do espetáculo.
Fake news nas pesquisas eleitorais: o retrato da incerteza e do medo

     Se as fake news têm inundado as redes sociais através de memes ou páginas atribuídas a blocos de grande imprensa com diversas notícias sobre os candidatos - inclusive Lula, cuja candidatura impugnada foi transferida a Haddad, hoje candidato oficial -, agora são as intenções de voto os maiores alvos das notícias falsas.
     Não é preciso dizer que os seguidores mais fanáticos são os primeiros a rastrear as figuras e páginas cujo caráter duvidoso se esconde bem atrás de páginas renomadas como DataFolha, Ibope, BTG e outras mídias especializadas em estatísticas, e as divulgam em nome de seu ídolo. E, devido ao disfarce, muitos caem no golpe e espalham mais ainda na rede.
     As fake news sobre pesquisas de intenção de votos revelam distorções nos dados obtidos pelas medidas oficiais. Uma diz que Bolsonaro lidera em todos os estados, e a outra menciona Haddad liderando a disputa com folga. Nesse aspecto, embora falsas, as fake news revelam os dois grupos mais ardorosos, o de Haddad (ou Lula?) e de Bolsonaro (ou Mourão?), e também o ápice da polaridade político-ideológica do momento.
     Se por um lado as fake news transparecem os principais grupos ardorosos, por outro lado as mesmas não desanuviam a incerteza a pouco tempo do pleito, em parte graças à transferência de votos de Lula para Haddad e a ausência física do militar, que se recupera de uma facada.
     Ou seja, ao distorcer a realidade, ato movido pelos mais ávidos sentimentos, os dois grupos idólatras se revelam muito mais temerosos de que a faixa presidencial caia no corpo do candidato adversário, aumentando a incerteza popular.
     

domingo, 16 de setembro de 2018

Imprensa: uma crise identitária com a honestidade

     Não é de hoje que a imprensa é encarada de diversas maneiras, no seu compromisso alegado de divulgar informações para o grande público. Desde há muito há vários canais de imprensa, e a população aprendeu a identificar que uma determinada matéria pode ganhar sentido variado, que marca a identidade ideológica de cada canal.
     E é essa variedade de sentido aplicado à notícia que sempre preocupou as classes sociais dominantes. No Estado Novo (1937-45) e na ditadura civil-militar (1964-85), somente os principais canais tinham suas publicações livres, graças a acordos com os governos. Canais alternativos, não necessariamente de esquerda, eram fiscalizados ou fechados pela censura, o que facilitava o controle da elite sobre a coletividade.
     Reportagens sobre política sempre foram bem vigiadas, muitas das quais pouco mais que especulações, devido à grande gama de mídias disponíveis na internet, o que tem permitido a difusão de fake news nas redes sociais. Tais notícias falsas se destacam neste momento de profunda incerteza que ainda marca o momento político a poucos dias antes das eleições.
     Ironicamente, não são as notícias falsas que preocupam a elite da comunicação e os políticos, pois logo são rastreadas por páginas como E-farsas e Uol Confere, por exemplo. São as mídias alternativas ou independentes como Mídia Ninja, Agência Pública e certos blogs, disponíveis nas redes sociais como Facebook, Twitter e, ultimamente, WhatsApp, que eriçam os cabelos da elite.
     Não é por acaso que a Justiça brasileira já mandou bloquear o uso do WhatsApp por horas ou dias. Os motivos alegados dos cortes, como ameaça de malware ou vírus, ou golpes criminosos comuns, não são mentirosos, mas há outro, não percebido pela coletividade, como a monitoração das informações políticas em larga escala permitida pelo aplicativo.
     Tudo isso leva, ou pode levar, à conclusão de que a grande imprensa, online ou impressa, se encontre a sua maior crise, a de uma clara identidade com a ética e a honestidade de suas publicações. Crise esta que a atual conjuntura dificulta a resolver e a reconquistar o antigo poder de controle real sobre a massa popular.
   

domingo, 9 de setembro de 2018

Bolsonaro: satisfação garantida e seu ódio de volta

     O presidenciável pelo PSL Jair Bolsonaro chegou em Juiz de Fora no dia 06/9 para a sua campanha. No Centro da cidade, rodeado pela multidão simpatizante, ele foi esfaqueado. A cena foi filmada por populares. Conduzido de ambulância para a Santa Casa, o candidato foi submetido a cirurgia de emergência, e depois foi transferido de avião para o hospital Albert Einstein em São Paulo.
     O autor do delito, Adélio Bispo de Oliveira, 40 anos, foi preso em flagrante. Depois foi levado à sede local da PF, onde prestou depoimento e foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional. De início foi apontado como professor filiado ao PSOL, que confirma, mas esclarece o desligamento em 2014. O partido reitera, em nota, repudiar o ocorrido a Bolsonaro. Em seu depoimento, Adélio disse ter agido sozinho, por motivo pessoal.
     Adélio é retratado pelo irmão como um sujeito trabalhador (como pedreiro) e atuou como missionário evangélico, mas que está longe de casa há alguns anos. O irmão crê que ele tenha "surtado" ao cometer o delito. E o flagrado, por sua vez, disse ter agido "em nome de Deus".
     Nas redes sociais o fato causou furor tanto entre simpatizantes de Bolsonaro quanto entre os da esquerda, com direito a textos e fotomontagens insinuando contra o candidato, Adélio, e envolvendo PSOL e até o PT. Ou seja, uma chuva de boatos, que só mostra a forte polaridade que se acirra com a proximidade das eleições.
     Nas mesmas redes sociais, há grupos mais intelectualizados, partidários ou não, que em geral repudiam o ocorrido, qualificando-o como um atentado. Entre usuários e grupos contrários às propostas do candidato,"quem planta vento colhe tempestade", como explicação, mas não justificativa para o delito.
     Oque pode fazer sentido. Embora não seja o detonador dos embates de ódio moral e ideológico dentro e fora da internet, Bolsonaro os tem incentivado, ao declarar que somente a repressão violenta resolve o problema da criminalidade cotidiana e elimina a esquerda na política, e acendendo sentimentos explosivos por todos os lados. E de um desses muitos lados, obtém o retorno, na faca.
     Por fim, enquanto pessoa humana, Bolsonaro merece toda a nossa solidariedade e, em nome da democracia, retornar à sua campanha, mesmo online para respeitar a indicação de repouso de recuperação. Mas, politicamente, faz-se salutar desejar a ele que este repouso seja um momento oportuno de reflexão para concluir que o caminho não é pela violência e repressão, mas por propostas mais urgentes nos serviços públicos essenciais.
     Em nome da paz, da democracia e da nação.
   

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Museu Nacional: o Brasil em chamas e escombros
Que o Brasil é uma nação em eterna crise com a sua identidade social, cultural e histórica não é novidade nenhuma. Mas este é um tema eternamente atual e vivo, a perturbar as nossas mentes pensantes em penumbrosas elucubrações.
O pavoroso incêndio que destruiu praticamente todo o Museu Nacional do Rio de Janeiro, que mal completou 200 anos em junho último, despertou a geral em um alarme com as proporções trágicas reveladas. O sentimento dominante é o de perplexidade misturada com certa tristeza com a perda de um dos acervos mais ricos da América Latina.
Nas redes sociais, o governo Temer foi responsabilizado com os desvios descarados de recursos públicos para interesses que julga prioritários, enfurecendo o desgaste da reputação da classe política nesse ano efervescente. Mas a notícia também mexeu com os brios de muitos que nunca se importaram com o valor de nosso acervo histórico, cultural e natural.
Mas a indiferença do poder público e nossa cultura e história não é novidade, apesar do governo Temer ter vigorado a famigerada PEC 95/2017, que na prática só congela os gastos com serviços públicos essenciais. A história do descaso se perde no tempo: em 20 anos, 8 museus sofreram danos materiais sérios em decorrência da falta crônica de recursos de prevenção e manutenção.
A tragédia do Museu Nacional foi a que mais chamou a atenção do público por sua referência internacional, ainda que esta não seja exclusiva dele. Bem mais modesto, o Museu de História Natural de Santana do Cariri, no sul do Ceará, é uma das principais referências internacionais em registros fossilíferos do cretáceo latino-americano.
Portanto, torna-se saudável refletir com maior amplitude sobre a indiferença do poder público com o seu patrimônio. O descaso não é só do governo, é também de uma parcela enorme da própria população.
E tragédias contra o patrimônio como a do Museu Nacional podem ser uma luz de alerta vermelho para o retrato que o Brasil está tendo de si mesmo: um país sem passado e sem futuro, engolido pelas chamas e restando apenas escombros.


Em 3 de setembro de 2018.

CURTAS 98 - ANÁLISES (Brasil- Congresso)

  A GUERRA POVO X CONGRESSO                     A derrota inicial do decreto do IOF do governo federal pelo STF foi silenciosamente comemo...