domingo, 9 de fevereiro de 2020

Servidor público, inimigo imaginário

     O ministro da economia Paulo Guedes agora se preocupa com a votação da reforma administrativa, que altera drasticamente a estrutura do serviço público, como em número de carreiras, estabilidade, progressão automática, etc.
     Segundo Guedes, a reforma quando vigorar trará significativa economia aos cofres públicos.
     Essa semana, novamente focando nessa proposta, ele declarou: "o servidor público é um parasita", alegando que "o hospedeiro (ente público) está morrendo". Publicadas por diversas mídias, a declaração parou nas redes sociais.
     Os servidores públicos de todos os poderes e esferas reagiram, através das suas entidades representativas como federações, associações, centrais sindicais e sindicatos.
     Ironicamente, muitos servidores votaram em Bolsonaro, inebriados por desejo de mudança, populismo barato e alguns por engodo religioso. Só que o capitão sempre odiou servidores e nomeou Guedes. Para isso.
     Servidores do baixo escalão do Executivo ainda enfrentam a indiferença dos colegas do Legislativo, Judiciário e de escalões mais altos do Executivo.
     A patuleia concordante com Guedes acredita que este "só revelou quem são" os servidores públicos, sem se preocupar com o tom "genérico" da declaração. Ignorância.
     O grupo dos servidores públicos é muito heterogêneo, dividido em numerosos subgrupos por poder, categoria profissional, média de renda, ente pagador, forma de ingresso, etc.
     Se divide também entre aqueles de atendimento direto à patuleia, indireto (virtual) e os de atribuições exclusivamente internas; de altos, médios e baixo escalões de renda; nos 3 poderes da União e esferas federativas. Em todos há muito trabalho, de fluxo articulado.
     Claro que, quanto mais alto é o escalão e a atribuição, maior é a garantia de benefícios, isenções e mordomias, como o que se reporta ocasionalmente sobre os do Judiciário.
     Para ocupar cargo qualificado requisita-se comprovação mediante diploma e afiliação em conselho profissional respectivo, revelando rigidez institucional e a qualidade dos servidores.
     Segundo o Atlas Ipea 2019, em mais de 30 anos (1986-2017) o número de servidores públicos cresceu 123%, em especial nos município; 10% do total são federais. A qualificação seguiu o aumento, mais na União, aumentando a qualidade dos serviços prestados.
     Com a repercussão da reação dos servidores, Guedes acusou a mídia de "fuga de contexto" alegando que se referira aos servidores do Judiciário. 
     Apesar de indigesta devido à historicidade do descaso dos governos a servidores de serviços essenciais, a alegação faz sentido: segundo o Valor Econômico de 8/2, Judiciário, Legislativo e MP, nessa ordem, consomem 84% da folha salarial geral.
     Mas, os postos mais altos das Forças Armadas também respondem por parcela importante dos gastos, graças às vantagens extras e às criticadas pensões repassadas às filhas solteiras. Ponto em que Guedes não tocou em respeito ao presidente.
     Assim, de qualquer forma, apesar da alegação, a declaração de Guedes contra os servidores públicos permanece simplista e daí, genérica. Daí os servidores continuarem firmes na reação e quererem processá-lo por assédio institucional.
     Faz sentido também: Guedes nunca escondeu o desejo de sublimar o Estado sob mando do mercado, na ideia de que este deve determinar os caminhos do desenvolvimento. Mas surge a pergunta: é possível um país sem Estado?
     A resposta é Não. O mercado não daria conta de substituir o Estado nas funções precípuas deste, ligadas à vida institucional e dos cidadãos. Estes, por sua vez, não vivem somente de grana no bolso, precisam da assistência necessária às suas vidas.
     Um rentista trilhardário não daria conta de zelar pelos cidadãos, pois teria que deixar de lado sua tarefa que é captação de dinheiro especulado. O megaempresário também não daria conta de gestar pela coletividade e o conjunto de suas empresas ao mesmo tempo.
     E, sem Estado, NÃO haveria como o mercado sobrevivesse. Ele necessitaria de um ente de natureza pública para regular e gerar mecanismos que viabilizem investimento econômico. Ou seja, no capitalismo ambos se interdependem.
     Em consequência, um Estado não funciona sem ter profissionais próprios: os servidores, escalados para atender direta ou indiretamente à coletividade, e fazem leis, entre estas as que regulam o investimento e o mercado. 
     Não por acaso que os servidores públicos existem desde os primórdios civilizatórios, e sempre existirão. Então, um recado ao Guedes: por favor, repense seu conceito de parasitismo e, principalmente, a sua condição enquanto agente público que recebe polpudos salários e mais penduricalhos do governo.
     
     
     
     
     
     

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