quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Anomia policial, bolsonarismo, terra arrasada


     2019: na ponte Rio-Niterói, PMs cercam ônibus para pegar suposto sequestrador. Um sniper acerta o criminoso, matando-o. Wilson Witzel, o então então governador, desceu do helicóptero de onde acompanhou a ação e comemorou com a PM.
     Acompanhado do secretário de segurança, o mesmo Witzel comemorou o acerto de um de seus snipers em morador, em sobrevoo de helicóptero sobre uma comunidade carioca. Detalhe: morador segurava a filha de 1 ano no colo.
     Spoiler: afastado, Witzel foi substituído pelo vice Claudio Castro. Que não é flor que se cheire.
     Em todo o tempo de 2019 e 2020, a PMERJ, em operações em comunidades na zona metropolitana, matou vários moradores sem maus antecedentes. Destes, dezenas de crianças e adolescentes, sem incluir subnotificações.
     No Natal 2020, o deputado estadual Sargento Farhur (PSD) comemorou em se Twitter a morte de suspeito em suposto tiroteio entre a PM e ladrões em tentativa de assalto a residências:
"Aconteceu em Londrina-PR. Bandido bom é bandido morto. Foi p/ o inferno antes de tirar a vida de uma pessoa de bem. Estava assaltando uma residência com uma arma de fogo. N gostou do meu comentário? Simples, deixa de me seguir e vai seguir a Maria do Rosário"
     A menção à deputada federal petista se explica: o "ladrão armado" morto pela PM era um garoto de 12 anos.

-> Motivações

     Os fatos acima são apenas exemplos do cotidiano das atuações policiais e, também, do crime organizado: comemorar operação que tenha batido a meta1, ou seja, resultado em mortes. Um ato tão conhecido pelos cidadãos pobres quanto pelas classes abastadas e sua cultura dominante.
     É sabido, pelos especialistas, que a matança de pobres pelos PMs se reflete diretamente da cultura dominante de extermínio de "classes perigosas". Ironicamente, classes estas das quais provêm os PMs de patentes inferiores
     Diversos artigos anteriores deste blog já traçaram sobre a violência policial, bem como sua origem. O que leva à elaboração deste artigo é a comemoração feita pelos PMs e autoridades políticas.
     Na verdade, comemoração de feitos violentos pela PM e pelas autoridades políticas não é novidade. Só não era explícito, e sim nos interiores das corporações e dos gabinetes, respectivamente. A máxima exteriorização era solene, em homenagens condecorativas a militares do alto oficialato em eventos solenes aplaudidos pela multidão. 
     Se mostra que a comemoração da violência é histórica, influindo com muita intensidade sobre o constructo sócio histórico da nação brasileira. Uma nação de violência, sangue, medo e lágrimas.
     Já foi explicado também, neste blog, que a ditadura militar também impôs os métodos de guerra urbana de hoje, por ter ensinado às PMs a ver entre o povo o inimigo. O povo virou este inimigo, o que se intensificou após a eleição de Bolsonaro.
     É fato explícito: na nossa construção sócio histórica, a cultura dominante assumiu a intimidação dos pobres pelas forças militares, mesmo às custas de algumas vidas. As operações tétricas nas favelas hoje são a continuidade da velha política de segregação dos pobres.

-> Comemorações das autoridades, a terra arrasada: reflexões finais

     Como foi descrito acima, não é nenhuma novidade militares comemorarem os feitos operacionais, e ainda serem condecoradas pelos políticos. Mas, se antes a comemoração era mais contida, hoje se escracha nos helicópteros e nas redes sociais.
     Tal escracho se permitiu com o apoio ao então candidato Bolsonaro2. Sua liderança nas intenções de votos se refletiu diretamente nos candidatos a governador, dando vitória à ideologia do "bandido bom é bandido morto" sustentado pela onda bolsonarista.
     Talvez o bolsonarismo explique o o atual escracho das autoridades políticas e das PMs. O presidente por si já é o escracho em pessoa, que encontrou na classe abastada emburrecida e em "pobres de direita" ampla simpatia. A face corrosiva do populismo arditista que vê nas armas a solução dos problemas.
     Na ideologia dos fins justificam os meios, a comemoração não é pelas "corajosas" operações nas "perigosas favelas de bandidos", mas na covardia de ceifar vidas como meta alcançada. E comemoram ali mesmo, diante de olhos temerosos e tristes e o político comemora do helicóptero ou num palanque.
     Nesse populismo corrosivo, se mostra a faceta do arditismo que prega a resolução dos problemas pelo radicalismo das armas. Mas, autoridades públicas que comemoram a morte de cidadãos pobres em nome dos que pouco contribuem já é anomia policial e sociopolítica - é terra arrasada.

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Notas da autoria:
1. Na linguagem da PM, é conseguir uma cota determinada de mortes numa operação ou em certo prazo.
2. O caráter deformado de Bolsonaro é sustentado pelos defeitos culturais supracitados somados à cultura da caserna.

Fotomontagem: autoria; imagens: Google.

Para saber mais:
https://www.metropoles.com/brasil/deputado-comemora-morte-de-menino-de-12-anos-em-confronto-com-a-pm
https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2020/12/mortes-de-pobres-e-pms-pontos-comuns-e.html
https://www.blogger.com/blog/posts/524395237665230473?hl=pt-BR&tab=jj
- https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2020/12/crise-economica-e-extremos-da-direita.html
- https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/02/08/80percent-dos-mortos-por-policiais-no-rj-no-1-semestre-de-2019-eram-negros-e-pardos-aponta-levantamento.ghtml
- https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2020/10/4883162-mortes-pela-policia-atingem-patamar-recorde-negros-sao-as-maiores-vitimas.html


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