quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

CURTAS 14 - ANÁLISES

 
Autocontrole sem controle

        Enquanto a patuleia se preocupava com a PL do Veneno aprovada em comissão do Senado, este seguiu a Câmara em aprovar rapidinho uma PL sem conhecimento público: a 1293 de 2021, ou PL do autocontrole. Espera-se sanção do presidente Jair Bolsonaro antes de ir aos EUA no dia 28/12.
        PL do autocontrole é um termo midiático para descrever a proposta de que latifundiários e empresários do agro passem a fiscalizar todas as fases das atividades produtivas e as condições de seus funcionários. Ou seja, eles passariam a substituir quem de fato fiscaliza.
        Pela lei, essas funções fiscais são atribuídas aos servidores do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA); e pelos lotados no Ministério Público do Trabalho (MPT), dois ramos fiscais distintos.
        Servidores do MAPA inspecionam as atividades produtivas em todas as suas fases e fazem o controle de qualidade dos produtos; e os do MPT, por sua vez, avaliam as condições de trabalho e os direitos dos funcionários de fazendas, abatedouros e frigoríficos.
        Em fria análise, a PL 1293/2021 visa privatizar os serviços públicos essenciais de inspeção da qualidade da produção alimentar e das condições de trabalho de funcionários de ramos ligados ao agro além das fazendas, como a indústria química, os abatedouros e frigoríficos.
        Apontamentos importantes de analistas e outros firam divulgados na mídia, como a perda de controle relacionado aos métodos e instrumentos aplicados de produção e nas questões trabalhistas. Aponta-se ainda o risco de institucionalizar a crueldade sobre os gados de corte e de leite.
        Segundo a Associação Brasileira de Reciclagem Animal (ABRA), o Brasil, maior produtor global de carne, tem uma tradição de abate irregular ou cruel, já reportada pela mídia no passado. Nessa era Bolsonaro, esse problema praticamente impossível de resolver pode ter crescido significativamente.
        Agroquímicos- Bolsonaro liberou mais de 1000 agroquímicos proibidos e quase zerou inspeções de qualidade da produção alimentar e do trabalho no campo. Empresas do agro censuram dados de intoxicação de trabalhadores rurais, que hoje podem ter alcançado níveis recordes ou mais graves.
        Crueldade- se em 2018 30% dos brasileiros consumiam carne de procedência duvidosa, sem inspeção, esse índice pode ser maior na era atual, considerando-se a aliança de Bolsonaro com gigantes do agro, que impõe censura de informações e promovem o desmonte da fiscalização.
        Desmonte- nesse sentido, a PL 1293/21 apenas regulamentará uma prática recorrente, bem como o desmonte da fiscalização pública da produção, com chances de graves irregularidades e reveses para a saúde pública e de prejudicar as condições dos trabalhadores rurais.
        Trabalho e violência- essa PL pode ser usada para afastar a já fragilizada apuração do MPT de denúncias de trabalho escravo ou análogo rural. O aumento da violência no campo é um fator a mais para dificultar a obtenção de dados da realidade dos trabalhadores rurais.
        Na memória do MPT há o caso Unaí (MG, 2004), em que 3 fiscais foram assassinados em uma fazenda de feijão ao apurar denúncia de trabalho escravo. A repercussão contribuiu para a condenação dos assassinos e na mitigação da violência na era petista. Mas agora, a violência tem novo ápice.
        Em fim, além de privatizar e regular uma prática até então ilegal, a PL 1293/21 pode facilitar a disseminação da crueldade animal, o uso desmedido de agroquímicos e mais trabalho escravo rural. Um autocontrole sem controle.

Para saber mais
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Sob as lágrimas de Bolsonaro, o terrorismo

          Após a midiática “tristeza” de Bolsonaro com a derrota eleitoral, bolsonaristas protagonizaram os protestos iniciados em grandes rodovias, e depois se acamparam nas cidades, principalmente em portões dos quarteis do Exército. Desde então viveram entre churrascos e alimento psíquico de fake news.
        Com o tempo, veio a revolta com os “fracassos” das forças armadas e de Bolsonaro, culminando com os primeiros incêndios em veículos em Brasília, que sinalizaram a direção para o terror. As polícias foram acionadas para conter, mas inicialmente sinalizaram concordância com os terroristas.
        Zero surpresa: a bolsonarização atingiu os escalões mais baixos das polícias e forças armadas. E isso levou Alexandre de Moraes a endurecer a ordem: mandou prender mais de 140 pessoas e tesourou seus perfis em redes sociais. E ainda apertar o governador Ibaneis sobre a ação policial.
        Nas vésperas do Natal, um motorista de caminhão-tanque lotado de querosene de avião descobriu uma bomba e chamou a polícia, que a desativou e, ao investigar, identificou e prendeu o autor do artefato: George Washington. Na delegacia, ele deu seu depoimento.
        George- o paraense George Washington é gerente de posto de combustível em Belém. Antes atuou no setor de gás em Santarém, e em 2005 fundou a GW Petróleo, hoje em nome de Paulo Sérgio da Silva Lopes e Sebastião José de Souza, e com nova marca: Petróleo Miramar Cia. Ltda.
        Sua vida pregressa revela histórico de inadimplência, sonegação de impostos, condenação por porte ilegal de arma e ligação com transporte ilegal de madeira amazônica. Em suas redes sociais agora bloqueadas ele defende Bolsonaro e golpe de Estado, e há postagens referentes a armas e explosivos.
        Outro achado recente sobre George é a sua proximidade com políticos bolsonaristas, pois já foi visto vagando nas dependências do Senado. Além disso, ele virou CAC¹ para ter mais armas, e legalmente.
        Depoimento- ele disse que juntou R$ 150 mil para viajar, alugar apartamento em Brasília e entrar no acampamento do QG do Exército. Foi nesse apartamento que a polícia descobriu um verdadeiro arsenal de guerra com armas, muita munição e explosivos.
        A bomba: George disse que sabia do caminhão lotado de combustível e que teve o intento de explodir o aeroporto de Brasília, para incutir caos e "estado de sítio". Ele disse que soube de detalhes através de contato com o influencer Osvaldo Eustáquio e de "importante general do Exército".
        George deixou claro que ele e demais acampados recebiam influência direta das palavras de Bolsonaro sobre o "valor" do armamento civil e para impedir a posse de Lula. Daí se armar e a ideia de explosão.
        Em fria análise, o depoimento evidencia a conjuntura que coloca Bolsonaro e militares no centro do terror, que se bem-sucedido poderia ocasionar uma tragédia sem precedentes. A sorte, segundo analistas, é que o detonador era insuficiente para o citado artefato.
        O depoimento teve dupla serventia. A primeira delas foi alertar o país diante da inércia da inteligência policial com os atos terroristas anteriores ao de George; e a segunda, a descoberta de kg de explosivos pela PM-DF em área de mata em Gama, cidade-satélite de Brasília, evidenciando a seriedade do problema.
        A conjuntura revela que George não foi lobo solitário na tentativa de terror. Ela aponta que o acampamento no QG abriga mais terroristas, entre eles o copartícipe Alan Diego dos Santos Rodrigues, que está foragido desde que a polícia foi acionada pelo motorista. 
        Os fatos apontam a necessidade de coibir o terror enquanto ainda está restrito ao DF, visando evitar espalha às demais regiões do país e o descontrole do qual a inteligência da PF pode não dar conta por falta de tradição em lidar com esse tipo de crime.
        O silêncio de Bolsonaro sobre os fatos terroristas de seus militantes o coloca ainda mais como o nome por trás disso tudo. O que piora nesse momento, com a ida aos EUA para encontrar Steve Bannon e Donald Trump no resort deste último na Flórida, sem prazo definido para voltar.
        Assim, por trás das lágrimas se revela o terror que Bolsonaro representa. Imaginem se fosse reeleito.

Nota da autoria
¹ Caçador, Atirador e Colecionador (de armas e munições)

Para saber mais
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George: um homem, muitas suspeitas

        Ao ser preso por terrorismo, o bolsonarista George Washington de Souza teve que passar seus dados pessoais para preenchimento de ficha policial prévia ao depoimento. Ele declarou morar na Rua da Uriboca Velha, 770, em Marituba, cidade da região metropolitana de Belém do Pará.
        Os policiais inicialmente registraram, mas no decorrer das investigações da PC-DF viram que era ligado ao empresário Sebastião José de Souza, dono da Transportadora Patriarca, e sócio com as filhas de postos de gasolina espalhados em 5 Estados da Amazônia Legal.
        No Google Earth, o endereço pontuado é de um grande terreno bem cuidado com uns galpões, e ladeado por numerosas residências. Rastreando mais informes do empresário, descobriram que um dos postos, o Cavalo de Aço, fica em Xinguara e é um dos quatro sob gerência de George.
        Essa ligação com Sebastião, o Tião, mostra uma teia empresarial maior, em que aparecem nomes como Super Posto 2000 em nome de duas filhas; a loja de conveniência BR Point 2000 de Tião, e uma metalúrgica fundada junto com o criador do Sindicato da Habitação do Pará.
        Informes novos sobre o citado endereço revelam que ao lado do terreno com a casa há outro à venda por R$ 2,5 milhões, em nome de Tião. E que a Transportadora Patriarca fica no mesmo endereço que o posto e a loja de conveniência citados.
        Outra empresa que aparece como propriedade do mesmo Sebastião é a Transpal, com matriz em Marituba e filais em Açailândia (MA), Belém e Marabá (PA) e Santana (AP). Sebastião consta em processo no Tribunal Regional do Trabalho em 2019, autodeclarado proprietário das empresas.
        Legalmente a Transpal transporta combustíveis, mas já o fez ilegalmente com madeira, conforme o DCM. Embora esteja em nome de Sebastião, há dados que a ligam ao terrorista, em especial quanto à ilicitude. O transporte ilegal de madeira também envolve a Petróleo Miramar, que já foi de George.
        As ilicitudes envolvem também a denominação. É normal mudar o nome de um negócio que se torna propriedade de outra pessoa, mas ao que parece no caso Miramar Petróleos, há aparente ilicitude, conforme o DCM.
        Ele tem ajuizados mais de R$ 900 mil em dívidas, mas gastou ainda assim mais de R$ 150 mil em armas e explosivos, levantando forte suspeita de ter sido financiado por alguém para viajar para Brasília, onde alugou apartamento para guardar os mais de R$ 150 mil em armas e material explosivo.
        Por conta dessa dívida, financeiras credoras apontaram ter dificuldade de quitar o problema por não encontrarem bens em nome de George Washington. E, como uma pessoa próxima disse que ele é “dono de posto de gasolina”, suspeita-se de ocultação de patrimônio. E ele já foi condenado por porte ilegal de arma.
        Enfim, um único sujeito coleciona muitas suspeitas, coroada em ouro por crime terrorista. E nos faz imaginar que o acampamento no QG de Brasília seja um ninho de terroristas - o que pode explicar por que o Exército decidiu adiar o "despejo" dessa trupe, e Bolsonaro se omitir e negar autorizar a retirada.

Para saber mais
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Bolsonarismo retrospectivo (uma reflexão)

           Deus. Moral. Família. Segurança. Liberdade. Pátria. Soberania. Estas foram as palavras-chave das quais a patuleia tomou conhecimento e por elas foi seduzida, através dos olhos azuis da extrema-direita de Jair Bolsonaro. Por elas, ele se tornou o presidente da República de 2019 a 2022.
        Elas surgiram em momento oportuno, de uma crise econômica menos grave do que a atual, mas já incômoda para a classe média C. Ressoadas, foram o grande meio messiânico de “salvação patriótica”.
        Embora a patuleia se refira sempre a partir da pandemia, foi desde o início de 2019 que os fatos giraram o Brasil em 180 graus, de ponta-cabeça, em novo contexto sociopolítico da extrema-direita.
        O Brasil nunca viu tanto fogo nas florestas como entre 2019-22, com triste repercussão lá fora. Aparições públicas que formaram um coletivo coeso no qual ele fermentou sua ideologia e distorcer os muitos crimes cometidos em seu governo.
        Assim, ele poderia implantar sua política de extermínio disseminando doenças na mesma pressa com que espalhou miséria, fome, desabrigo, armamento civil e retirada de direitos, fazendo igrejas como centros fundamentalistas nazicristãos¹ para instalar a anomia necessária à sua solução final.
        700 mil mortos pela C19 (daí, quase 1000 indígenas), mais de 2000 pelo ápice da violência policial antipobre no país, e mais de 100 mil por doenças crônicas e outras via desmonte na saúde pública vieram revelar um verdadeiro holocausto interno. Mas houve outros meios.
        Como a liberação de mais de 1000 agroquímicos proibidos em 4 anos para livre uso, o que ajudou no aumento da mortalidade materno-infantil, malformações fetais, abortos espontâneos e a promoção de intoxicações graves em trabalhadores rurais, um dado censurado por latifundiários.
        O fermento ideológico fomentou a violência política a partir de agressões a antibolsonaristas, indo para assassinatos via armamento civil, até redundar em manifestos de rua, agora com ataque terrorista como represália à eleição de Lula.
        O terror presente nos mostra a relevância o bolsonarismo e o erro da mídia e da classe política em ainda subestimá-lo. Mesmo não sendo novidade aqui, o terror é uma realidade e enquanto não mata, nos revela a tragédia do sequestro mental induzido pela citada ideologia.
        Mas nessa retrospectiva de 4 anos, o bolsonarismo nos mostrou também ser errado limitar o conceito de terror. Pois este se fez presente em todo o período, em cada ato de governo, consonante com o personalismo tradicionalista² de Bolsonaro.
        Essa retrospectiva também confirma o bolsonarismo como o nazismo personalizado, em aliança com gospels neopentecostais e sustentado pelo gabinete do ódio criado no ciberespaço. E também que será, talvez, o mais duro desafio para o novo governo Lula e as próprias instâncias judiciárias.

Notas da autoria
¹ Referência própria a igrejas neopentecostais que realizaram cultos a Bolsonaro e perseguiram fiéis de ideias progressistas.

Sal Ross
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Simone no Planejamento vai dar treta?

           Na última semana, Lula correu atrás de colocar novos nomes para compor o que resta de seus ministérios. E, nisso definir o lugar de Simone Tebet, que após resistir, está confirmada no Planejamento.
        A aceitação da senadora ocorreu em reunião com Lula e representantes do MDB e do PSD, que se fez decorrente de um clima confuso sobre o comando do ministério das Cidades, ao qual a senadora parecia inclinada, por oferta anterior do presidente eleito.
        A confirmação de Tebet no Planejamento garantiu um terreno fértil para possíveis conspirações da grande imprensa, como a de possível fricção entre Tebet e Haddad durante atos de governo. Reinado Azevedo, do O É da Coisa, acredita que colocar Simone na citada pasta “talvez não seja uma boa ideia”.
        A afirmação de Azevedo parece concordar com a de JC-UOL, segundo a qual Haddad preferia Renan Filho para a pasta. Para resolver o imbróglio, o MDB sugeriu um Planejamento “turbinado” para Tebet – e nesse ponto parece haver discordâncias entre os noticiosos.
        Alguns noticiosos retratam o turbinamento com parceria público-privada (PPI), mas sem bancos públicos, mas o CNN Brasil já os inclui, como uma sugestão da própria Tebet. De qualquer forma, essa é uma razão da resistência de Haddad à nomeação de Simone. Ele preferia Renan Flho (MDB).
        A turbinagem faria da pasta um apêndice funcional da área econômica, e nesse ponto repousam as maiores diferenças entre os dois ministros. Daí a resistência de Haddad. Lula se mostrou ciente dessas diferenças e que possíveis arestas deverão ser resolvidas em diálogo, e que o presidente pode ser decisivo.
        Em fria análise, as diferenças entre Haddad e Tebet podem dar razão a Azevedo e outras mídias. Mas por outro lado, o petista é dialógico e fiel a Lula. Nesse ponto se dá a entender que Simone terá que ceder, mas Lula assegurou em entrevista que "as diferenças são válidas e que é possível chegar a acerto pelo diálogo".
        Que seja, Lula. Desde que a nação brasileira ganhe.

Para saber mais
- https://www.youtube.com/watch?v=xa86nMQsQBg (Reinaldo Azevedo: Simone no Planejamento não é boa ideia)
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