O governo Lula ordenou uma grande
rede operacional envolvendo PF, Ibama e FFAA para combater o garimpo ilegal na
Terra Indígena Yanomami. Noticiosos divulgavam as cenas das ações dos agentes envolvidos
enquanto canais de esquerda nas redes sociais as retransmitiam com entusiasmo,
alguns deles com visões críticas.
Enquanto faziam um rastreio por terra
para abordar e deter garimpeiros que conseguiram fugir para outras terras
indígenas, os agentes da PF descobriram algumas antenas Starlink instaladas
aqui e ali em meio à densa mata amazônica, algumas delas mais distantes da
extensa área danificada pelo garimpo desordenado.
Internet na Terra Indígena Yanomami
A internet em si não é um problema,
desde que a usemos com a devida parcimônia e para finalidades mais
alvissareiras e fomentar a sabedoria. Nesse sentido podemos inferir que a
internet em terras indígenas não é ruim em si, pois os originários podem
divulgar suas culturas e fomentar as lutas pela sua preservação.
Por outro lado, sabemos que dominam o
entretenimento (também não é um mal em si, só aumenta o sedentarismo), e em
segunda ordem, as intenções criminosas. Talvez isso tenha feito com que os
garimpeiros ilegais tivessem adquirido um poder maior na exploração das terras.
Mas o que talvez tenha intrigado
alguns dos agentes foi deparar com antenas Starlink em meio à mata fechada da
terra Yanomami, enquanto muitos centros urbanos brasileiros ainda nem contam
com as mesmas, que têm internet 5G e – o mais interessante – muitos indígenas Yanomami
sequer têm aparelho celular.
É aí que piscou o insight imediato de
que a internet ali instalada teve a ver com o poder penetrante dos garimpeiros
e de outros criminosos nas terras indígenas.
A vinda de Elon Musk
Em meados de 2022, após o amainar da pandemia
de C19 no Brasil, o megaempresário Elon Musk veio ao Brasil visando ampliar
seus negócios, principalmente com o lance da internet 5G e nos carros elétricos
da sua montadora Tesla.
Segundo as mídias na época, a vinda
de Musk ao Brasil tinha como objetivo principal fornecer internet para 19 mil
escolas em áreas remotas do Brasil. Em setembro de 2022, três meses após o
anúncio, o serviço havia chegado a apenas três escolas da região metropolitana
de Manaus (AM). Sim, apenas 3 e parou aí.
Nesse gancho haveria também o
objetivo de desbancar a suposta ameaça do pioneirismo chinês na 5G no país, por
pura birra ideológica – mesmo sabendo que todo o investimento tecnológico nos
negócios de Musk é 100% made in China.
Mas o encontro do empresário com
Bolsonaro, mediado pelo então ministro das Comunicações Fábio Faria, foi mais
midiatizado pela estranha tietagem, viralizando fotos de Musk revirando os olhos
de puro enfado ao lado dos sorridentes Faria e Bolsonaro.
O que mais chamou a atenção é que as
tratativas desse encontro viraram mais um dos famosos sigilos de 100 anos do
governo Bolsonaro. A pequena minoria crítica logo suspeitou de assuntos nada alvissareiros,
enquanto a maioria já sonhava em ter uma internet 5G do Musk em suas TICs
pessoais.
Segredos revelados
A vinda de Elon Musk em si não significa um problema. Nada mais normal do que tratar de negócios para investir na economia local e beneficiar a população com empregos e acesso ao conhecimento. Mas, não foi bem assim que a música tocou, como as investigações iriam descobrir depois.
É sabido que, na legislação
brasileira, a instalação de novas conexões de internet segue normas ligadas à
Lei de Acesso à Informação (LAI), bem como as ligadas à legislação ambiental,
dado que há impacto ambiental pela instalação das antenas de telefonia e de
internet.
Sabemos também que o ex-presidente
tem tesão por viver ao arrepio da lei. Antes de Musk, jornalistas da BdF em
novembro/2022 perceberam que a estadunidense Viasat, que fornece equipamentos e
serviços a milicos e comerciantes, provê internet com autorização suspeita da
Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Irregularidades também envolvem a
Starlink. Bolsonaro também interferiu na Anatel para autorizar a instalação das
antenas na terra Yanomami, da qual os indígenas souberam há apenas 2 semanas na
unidade de saúde em Surucucu, uma das mais afetadas pelo garimpo.
A descoberta de outra matéria investigativa
da BdF de que a Starlink abrangeu só 3 escolas em região não tão remota assim
despertou suspeitas. Instalada na comunidade Yanomami, a internet tem sido
bastante usada por garimpeiros para exaltar Bolsonaro e atacar o atual governo
Lula em grupos virtuais.
Nas investigações jornalísticas se
descobriu, também, a revenda irregular da internet Starlink, para ter conexão
de alta qualidade via satélite dentro da floresta. Num grupo do WhatsApp que
reúne garimpeiros, os preços de revenda chegam a R$9.500 (4x o normal), com
mensalidades de até R$ 2.500 (2x o plano básico).
Essa internet superfaturada cobrada
por terceiros é paga pelos comandantes das orcrims que lucram horrores com os
serviços de garimpo ilegal, que por sua vez cobram dos garimpeiros uma
percentagem de seus ganhos conforme o quanto de ouro extraído por mês.
Lideranças indígenas e especialistas
indigenistas têm denunciado que todas as irregularidades, como a da internet
não autorizada na floresta, as omissões forçadas dos então aparelhados Ibama e
Funai, facilitaram a entrada e alta produtividade da extração, que vende as
preciosidades para empresas de eletrônicos no exterior tendo cifras
bilionárias.
Ferida legal
Tudo isso acontece à revelia da
legislação e dos termos de uso da Starlink, segundo os quais "você não
pode revender o acesso aos Serviços a terceiros como um serviço autônomo,
integrado ou de valor agregado sob este acordo", mas sem prever nenhuma punição aos infratores.
Aliás, vale salientar que a própria
Starlink feriu as normas da Anatel, além de desrespeitar as do Código de
Proteção ao Consumidor, por não informar à sua clientela o seu endereço e sua
razão social. E não há registro de processos com o nome da Starlink na base de
dados pública disponibilizada pela Anatel.
Por conta dessa falta de registros, a
reportagem da BdF perguntou para a agência se houve alguma sanção aplicada à
empresa como punição por falta de informações obrigatórias. A resposta ainda é
aguardada.
E segue mais feridas: os mesmos
perfis de revenda no WhatsApp anunciam também a compra de ouro e cassiterita
extraídos ilegalmente da Terra Indígena Yanomami, revelando mais uma
ramificação do comércio ilegal de minérios que rende cifras bilionárias.
Um detalhe macabro é que esse
comércio criminoso teve autorização de uma instituição pública, o Banco
Central, assinada por ninguém menos do que Roberto Campos Neto, o seu
presidente, indicado por Bolsonaro e aprovado pelo Senado e que tem se revelado
um problema prévio com sua defesa à inexplicável alta de juros.
O fato de a Starlink não prever punição
aos terceiros que façam revenda ilegal das antenas de internet e cobrança mensal
dos serviços aos usuários não constituem prova cabível de suposto envolvimento
de Musk nas irregularidades referentes ao fornecimento da internet aos
garimpeiros.
Nem mesmo a completa falta de transparência
acerca da procedência da empresa e de seus serviços e produtos podem servir de
prova desse envolvimento nos crimes florestais. Mas sinaliza que a empresa age,
até prova em contrário, de forma irregular no país, e põe o gestor da Anatel da
época como investigado.
Enfim, a princípio não é possível acusar
Musk de envolvimento com as orcrims na Amazônia, mesmo ele estando ciente das ilicitudes.
Mas que a Starlink está servindo de holding de extração ilegal e devastação do
meio ambiente e dos povos indígenas, ah, isso está.
Para saber mais
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