sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Análise: Musk e a holding da extração ilegal

 

          O governo Lula ordenou uma grande rede operacional envolvendo PF, Ibama e FFAA para combater o garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami. Noticiosos divulgavam as cenas das ações dos agentes envolvidos enquanto canais de esquerda nas redes sociais as retransmitiam com entusiasmo, alguns deles com visões críticas.
                Enquanto faziam um rastreio por terra para abordar e deter garimpeiros que conseguiram fugir para outras terras indígenas, os agentes da PF descobriram algumas antenas Starlink instaladas aqui e ali em meio à densa mata amazônica, algumas delas mais distantes da extensa área danificada pelo garimpo desordenado.

Internet na Terra Indígena Yanomami
                A internet em si não é um problema, desde que a usemos com a devida parcimônia e para finalidades mais alvissareiras e fomentar a sabedoria. Nesse sentido podemos inferir que a internet em terras indígenas não é ruim em si, pois os originários podem divulgar suas culturas e fomentar as lutas pela sua preservação.
                Por outro lado, sabemos que dominam o entretenimento (também não é um mal em si, só aumenta o sedentarismo), e em segunda ordem, as intenções criminosas. Talvez isso tenha feito com que os garimpeiros ilegais tivessem adquirido um poder maior na exploração das terras.
                Mas o que talvez tenha intrigado alguns dos agentes foi deparar com antenas Starlink em meio à mata fechada da terra Yanomami, enquanto muitos centros urbanos brasileiros ainda nem contam com as mesmas, que têm internet 5G e – o mais interessante – muitos indígenas Yanomami sequer têm aparelho celular.
                É aí que piscou o insight imediato de que a internet ali instalada teve a ver com o poder penetrante dos garimpeiros e de outros criminosos nas terras indígenas.

A vinda de  Elon Musk
                Em meados de 2022, após o amainar da pandemia de C19 no Brasil, o megaempresário Elon Musk veio ao Brasil visando ampliar seus negócios, principalmente com o lance da internet 5G e nos carros elétricos da sua montadora Tesla.
                Segundo as mídias na época, a vinda de Musk ao Brasil tinha como objetivo principal fornecer internet para 19 mil escolas em áreas remotas do Brasil. Em setembro de 2022, três meses após o anúncio, o serviço havia chegado a apenas três escolas da região metropolitana de Manaus (AM). Sim, apenas 3 e parou aí.
                Nesse gancho haveria também o objetivo de desbancar a suposta ameaça do pioneirismo chinês na 5G no país, por pura birra ideológica – mesmo sabendo que todo o investimento tecnológico nos negócios de Musk é 100% made in China.
                Mas o encontro do empresário com Bolsonaro, mediado pelo então ministro das Comunicações Fábio Faria, foi mais midiatizado pela estranha tietagem, viralizando fotos de Musk revirando os olhos de puro enfado ao lado dos sorridentes Faria e Bolsonaro.
                O que mais chamou a atenção é que as tratativas desse encontro viraram mais um dos famosos sigilos de 100 anos do governo Bolsonaro. A pequena minoria crítica logo suspeitou de assuntos nada alvissareiros, enquanto a maioria já sonhava em ter uma internet 5G do Musk em suas TICs pessoais.

Segredos revelados
                A vinda de Elon Musk em si não significa um problema. Nada mais normal do que tratar de negócios para investir na economia local e beneficiar a população com empregos e acesso ao conhecimento. Mas, não foi bem assim que a música tocou, como as investigações iriam descobrir depois.
                É sabido que, na legislação brasileira, a instalação de novas conexões de internet segue normas ligadas à Lei de Acesso à Informação (LAI), bem como as ligadas à legislação ambiental, dado que há impacto ambiental pela instalação das antenas de telefonia e de internet.
                Sabemos também que o ex-presidente tem tesão por viver ao arrepio da lei. Antes de Musk, jornalistas da BdF em novembro/2022 perceberam que a estadunidense Viasat, que fornece equipamentos e serviços a milicos e comerciantes, provê internet com autorização suspeita da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
                Irregularidades também envolvem a Starlink. Bolsonaro também interferiu na Anatel para autorizar a instalação das antenas na terra Yanomami, da qual os indígenas souberam há apenas 2 semanas na unidade de saúde em Surucucu, uma das mais afetadas pelo garimpo.
                A descoberta de outra matéria investigativa da BdF de que a Starlink abrangeu só 3 escolas em região não tão remota assim despertou suspeitas. Instalada na comunidade Yanomami, a internet tem sido bastante usada por garimpeiros para exaltar Bolsonaro e atacar o atual governo Lula em grupos virtuais.
                Nas investigações jornalísticas se descobriu, também, a revenda irregular da internet Starlink, para ter conexão de alta qualidade via satélite dentro da floresta. Num grupo do WhatsApp que reúne garimpeiros, os preços de revenda chegam a R$9.500 (4x o normal), com mensalidades de até R$ 2.500 (2x o plano básico).
                Essa internet superfaturada cobrada por terceiros é paga pelos comandantes das orcrims que lucram horrores com os serviços de garimpo ilegal, que por sua vez cobram dos garimpeiros uma percentagem de seus ganhos conforme o quanto de ouro extraído por mês.
                Lideranças indígenas e especialistas indigenistas têm denunciado que todas as irregularidades, como a da internet não autorizada na floresta, as omissões forçadas dos então aparelhados Ibama e Funai, facilitaram a entrada e alta produtividade da extração, que vende as preciosidades para empresas de eletrônicos no exterior tendo cifras bilionárias.

Ferida legal
                Tudo isso acontece à revelia da legislação e dos termos de uso da Starlink, segundo os quais "você não pode revender o acesso aos Serviços a terceiros como um serviço autônomo, integrado ou de valor agregado sob este acordo", mas sem prever nenhuma punição aos infratores.
                Aliás, vale salientar que a própria Starlink feriu as normas da Anatel, além de desrespeitar as do Código de Proteção ao Consumidor, por não informar à sua clientela o seu endereço e sua razão social. E não há registro de processos com o nome da Starlink na base de dados pública disponibilizada pela Anatel.
               Por conta dessa falta de registros, a reportagem da BdF perguntou para a agência se houve alguma sanção aplicada à empresa como punição por falta de informações obrigatórias. A resposta ainda é aguardada.
                E segue mais feridas: os mesmos perfis de revenda no WhatsApp anunciam também a compra de ouro e cassiterita extraídos ilegalmente da Terra Indígena Yanomami, revelando mais uma ramificação do comércio ilegal de minérios que rende cifras bilionárias.
                Um detalhe macabro é que esse comércio criminoso teve autorização de uma instituição pública, o Banco Central, assinada por ninguém menos do que Roberto Campos Neto, o seu presidente, indicado por Bolsonaro e aprovado pelo Senado e que tem se revelado um problema prévio com sua defesa à inexplicável alta de juros.

                O fato de a Starlink não prever punição aos terceiros que façam revenda ilegal das antenas de internet e cobrança mensal dos serviços aos usuários não constituem prova cabível de suposto envolvimento de Musk nas irregularidades referentes ao fornecimento da internet aos garimpeiros.
                Nem mesmo a completa falta de transparência acerca da procedência da empresa e de seus serviços e produtos podem servir de prova desse envolvimento nos crimes florestais. Mas sinaliza que a empresa age, até prova em contrário, de forma irregular no país, e põe o gestor da Anatel da época como investigado.
                Enfim, a princípio não é possível acusar Musk de envolvimento com as orcrims na Amazônia, mesmo ele estando ciente das ilicitudes. Mas que a Starlink está servindo de holding de extração ilegal e devastação do meio ambiente e dos povos indígenas, ah, isso está.

Para saber mais
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domingo, 19 de fevereiro de 2023

Análise: E as Forças Armadas, heim?

 

           Assim que teve conhecimento da dimensão da tragédia do poro Yanomami, Lula foi acompanhado de alguns ministros a Roraima para ver as coisas de perto e conversar diretamente com as lideranças locais. Com estas soube detalhes desta dimensão e de imediato um plano audacioso de emergência veio à mente.
                O Ibama retorna com mais agentes armados e munidos de explosivos para incendiar equipamentos e aeronaves clandestinos. Mesmo assim, o órgão não resolve o problema todo. Aí entra a PF em ações de polícia (prisão de criminosos, apreensão de materiais), assistência por equipe médica, e logística das Forças Armadas.
                Houve boa cobertura midiática sobre a emergência decretada pelo governo federal na atuação somada do Ibama, SUS e Forças Armadas, no transporte de indígenas doentes à unidade de Surucucu, e fornecimento de alimentos. Mas houve lacuna sobre a participação logística primordial dos militares.
                Essa atribuição normalmente garante sobrevida dos povos indígenas que, por força de eventos sazonais e climáticos tenham dificuldade de obter caça, pesca e colheita em suas terras e precisam de assistência externa, inclusive na saúde. Mas, após 2 pedidos formais da Funai, não houve a efetividade logística esperada.
                Reportagem exclusiva da BdF teve acesso aos dois pedidos da presidenta substituta da Funai, Janete Carvalho, remetidos ao chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA), Renato Rodrigues de Aguiar Freire, almirante de esquadra.
                O primeiro pedido de entrega de quase 5 mil cestas básicas foi assinado em 31/1, e o segundo em 10/2. Ambos tinham cronograma detalhado de transporte e entrega, “com devido número de cestas e periodicidade de entrega a cada comunidade Yanomami”. A matéria ainda cita que as cestas já estavam em Boa Vista.

Insuficiência/demanda
                Em visita à terra indígena Yanomami em janeiro, a DPU¹ denunciou a “absoluta insuficiência do número de aeronaves disponíveis para distribuição de alimentos e medicamentos” e solicitou mais aeronaves, justificando que “caso não ocorra, estaremos diante de uma tragédia sem proporções”.
                A situação é dramática. Já à frente da Funai, Joênia Wapichana endossou a DPU, ao salientar que as 105 toneladas de alimentos nas últimas 3 semanas aumentarão para 280 toneladas mensais, em decorrência da dimensão da demanda das comunidades – a crise humanitária pode não ter sido totalmente mensurada.
                Além da demanda, a Funai justificou o aumento do número de aeronaves visando a integridade dos agentes públicos envolvidos, dada a grande chance de retaliação por grupos criminosos armados camuflados pela floresta mais densa, após iniciado o desmonte dos materiais clandestinos pelo Ibama e pela PF.
 
Recursos
                As denúncias da DPU e da Funai sobre insuficiência de aeronaves das Forças Armadas se reforçam em compreensão pública, bastando rememorar o desfile de tanques flatulentos em 7/9/2021, alvo de memes que repercutiram até lá fora e denunciaram a carência severa de recursos nas Forças militares.
                Não que o setor não tenha recebido recursos financeiros. A era Bolsonaro o proveu bem, mas o quase total do montante se direcionou aos salários e benefícios das altas patentes, em detrimento das necessidades das casernas, nas quais a galera das baixas patentes era liberada na hora do almoço por falta de comida.

O livro
                Mas o mau direcionamento da grana parece não incomodar os militares, cuja frieza em relação à tragédia indígena foi percebida, e tem outra influência: o livro A farsa Ianomâmi, de Carlos Alberto Lima Menna Barreto, falecido coronel gaúcho, paraquedista da Arma de Infantaria do Exército.
                Publicado pelo Exército em 1995, o livro reflete a visão ideológica e de mundo dos militares: a floresta é um inferno verde a ser explorado, e os indígenas, integrados ao universo branco. Justificando o título, o autor diz que o povo Yanomami “não existe”, é “uma farsa” dos estrangeiros para “se apossarem da nossa Amazônia”.
                Em referência a essa suposta farsa creditada a Menna e repassada à cultura das Forças Armadas, a capa do livro tem uma gravura bem sugestiva, em que um homem branco, louro e de olhos claros sugerindo ser do Norte da Europa, segura uma máscara supostamente representativa de um indígena Yanomami.
                A tiragem de 3000 exemplares teve como principais consumidores os próprios militares e familiares, mas foi suficiente para causar estrago ideológico em civis próximos dos militares e suas famílias. Por outro lado, há outra publicação reveladora da indiferença dos militares em relação aos indígenas.

Massacres pela ditadura
                Em 2012, o governo Dilma criou a Comissão Nacional da Verdade, com a intenção de levantar e punir militares que torturaram e assassinaram as vítimas da ditadura. Mas só o falecido coronel Brilhante Ustra foi confirmado torturador; o restante continua impune, mesmo pós-mortem.
                A grande mídia apontou as centenas de vítimas da ditadura como opositores políticos confirmados ou suspeitos – todos não indígenas. Enquanto isso, revistas romantizavam o “desbravamento no inferno verde” em nome “da civilização e do progresso”, segredando os fatos surreais manchados de sangue.
                Segundo a ótica dos militares, para “civilizar o inferno verde” era necessário “fazer ajustes”, para rasgar a floresta pela (até hoje) barrenta Transamazônica e garimpar preciosidades nos rios e matas. Entre os “ajustes” houve, entre outras atividades, “integrar os índios na civilização” ou – se for o caso –, mata-los.
                Com 26 volumes e 5.492 páginas, o relatório paralelo da Comissão da Verdade aponta 8350 vidas indígenas ceifadas pelo Estado militar em nome do capital (inclui o emergente agro), além de supostas participações com militantes de esquerda em guerrilhas na floresta, como a do Araguaia, que também envolveu camponeses.
                Os métodos foram diversos: chacinas por tiroteios e facadas, esbulhos de terras, remoções forçadas de seus territórios, contágio por doenças infectocontagiosas, prisões, torturas e maus tratos. A remoção forçada era por dinamite e venenos atirados dos aviões diretamente sobre as aldeias.
                Os números de mortos entre os povos foram os seguintes: Cintas-largas (MT, 3500); Waimiri-Atroari (AM, 2.650); Tapayuna (MT, 1.180); Yanomami (AM/RR, 354); Xetá (PR, 192); Panará (MT, 176); Parakanã (PA, 118); Xavante Marãiwatsédé (MT, 85); Araweté (PA, 72) - 72 e Arara (PA, 14).
                No relatório, chefiado por Jader de Figueiredo, consta-se que 132 militares foram denunciados pelas graves violações a direitos humanos, mas nunca foram punidos de fato. Já os servidores do antigo SPI² foram exonerados por crimes administrativos e contribuição indireta para os massacres.

Resistência ideológica
                Mesmo com tanta exposição documentada, os militares ainda aparentam dificuldade em reconhecer a legitimidade dos povos originários. Mesmo não sendo genérica entre os militares, a ideologia anti-indigenista é resistente em uma parcela do alto oficialato remanescente dos anos de chumbo.
                Um reflexo dessa resistência ideológica na cultura militar se revelou através de Jair Bolsonaro ainda na época de deputado federal, quando discursou, na tribuna da Câmara, que "a cavalaria brasileira foi incompetente por não ter conseguido acabar com esse problema (os indígenas)", em 1998.
                Se os princípios constitucionais tivessem sido levados à risca pelos congressistas, Bolsonaro já teria sido alvo de cassação e até de inelegibilidade. Mas foi ignorado, subestimado como uma piada de mau gosto, até ser eleito à presidência, exercendo um governo de molde nazifascista e de deterioração institucional, social e econômica.
                Talvez isso explique porque cerca de 85% das cestas básicas da política emergencial do governo ainda estão no galpão militar em Boa Vista: segundo matéria do The Intercept Brasil de 16/2, apenas 761 das 4.904 cestas básicas foram entregues, deixando 243 comunidades indígenas no território em contínua aflição.
                Embora tenha gerado impacto positivo entre a maior parte da população por suas ações enfáticas em início de governo, Lula segue sendo cobrado de perto e constantemente por diversos segmentos da população. Mas não se vê o mesmo com os militares. O governo está fazendo a sua parte. E as forças armadas, heim?

Notas da autoria
¹ Defensoria Pública da União
² Serviço de Proteção ao Índio, fundado em 1910 em inspiração do marechal Rondon.

Para saber mais
- https://www.bbc.com/portuguese/articles/cgxn8l41x24o (livro A farsa Ianomâmi, de Mena Barreto)
- REINA, E. O relatório que apontava há 56 anos maus-tratos a indígenas e descaso de militares. BBC News Brasil, 24 de janeiro de 2023. Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64384247
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CURTAS 21 - ANÁLISES (indígenas, moralismo e capital)

 

Orçamento secreto x Yanomamis

            Pelo menos já sabemos que a crise humanitária dos Yanomami acendeu a luz de alerta global referente à situação dos povos originários do planeta e representa crime contra a humanidade e socioambiental. E notas mais recentes nos deram ideia da extensão do descaso antinacional da era Bolsonaro.
            Mas a continuidade dos rastreamentos investigativos do TCU e outras instituições levantaram mais um dado relevante que, entre outras coisas, se liga à questão Yanomami: o orçamento secreto, já abordado no blog em sua natureza antitransparente, os hiperinflados caixas de prefeituras do vasto interior e seu fim pelo STF.
            Agora surgiram novas evidências de destino indevido do orçamento secreto. Uma reportagem da Revista Forum de 13/2/2023, baseada em matéria do portal Metrópoles revela que, no período 2020-2022, foram destinados R$ R$ 96,3 milhões para vários municípios do estado de Roraima.
            Foram contempladas as prefeituras de Alto Alegre, Amajari, Mucajaí, Caracaraí e Iracema, mediante deputados e senadores bolsonaristas e do centrão então próximos a Bolsonaro. Todas as cidades são de porte pequeno e populações pobres, e tradicionalmente viviam de agricultura.
            Há duas ironias em torno dessas cidades. Uma delas é a de que todas têm o seu verde oferecido pela ampla terra Yanomami. A outra é que nas ruas principais de algumas surgiram lojinhas que oferecem serviços
relacionados ao ouro.
            Alto Alegre recebeu mais de R$ 36,8 milhões nos últimos três anos. Seguem-se Caracaraí (R$ 32 mi), Amarajarí com R$ 22,7 milhões e por último, Iracema com R$ 13,5 milhões. O montante destinado a Mujacaí não foi revelado, mas ainda assim já nos dá ideia de que o total derivado do orçamento secreto possa ter maior.
            Tudo isso passou à revelia dos Yanomami que, cercado por garimpeiros ilegais, viria a adoecer e passar fome. O líder Yanomami, xamã Davi Kopenawa criticou: “não é de interesse dos prefeitos ou dos vereadores, pois eles alegam que não temos títulos, que não votamos”.
            A crítica de Kopenawa nos dá duas luzes. Uma é a reflexão de como o sentimento classista guia quem está no poder. A outra é a de que a inconstitucionalidade do orçamento secreto pelo STF foi uma dádiva real ao interromper de vez a perversidade simbolizada nas emendas sem transparência.

Para saber mais
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Escola sem Partido e EMC: afinidades

                O governador de Santa Catarina Jorginho Mello é novo expoente na instauração de uma proposta já conhecida: o projeto Escola sem Partido. Segundo Mello, o programa entra na Semana Escolar de Combate à Violência Institucional contra a Criança e o Adolescente no estado, que ocorre anualmente em agosto.
                O governador atendeu ao apelo da deputada estadual olavista Ana Campagnolo, que acredita que a violência simbólica se liga às “pregações marxistas” de professores progressistas no ensino básico. Talvez sem querer, ela tenha feito coro à ministra do Turismo Daniela do Waguinho.
                Em 13/2, Daniela propôs o retorno da disciplina Educação Moral e Cívica (EMC), ministrada na escola básica durante a ditadura militar, e findada com esta em 1985. Tal proposta não sairia do MEC, chefiado pelo petista Camilo Santana.
                Essência olavista- apesar da crença da deputada catarinense, o Escola sem Partido não veio da mente fértil do finado Olavo de Carvalho. É um movimento criado pelo advogado Miguel Naguib, e absorvido pelos parlamentares ligados ao fundamentalismo religioso neopentecostal e à vertente carismática católica.
                Desde 2015 os sectários elaboraram projetos de lei que determinam a moralização escolar através de uma cartilha de “deveres do professor”, que já foi imposta por prefeitos do interior brasileiro. Um PL foi criado em 2019 e desde então aguarda votação no Congresso.
                A proposta do retorno da EMC na educação básica segue linha semelhante, se não idêntica. Ou, quiçá, pode significar a materialização da proposta de 2019, mas não como cartilha dirigida ao professor, e sim para disciplinar os alunos, como nos velhos tempos da ditadura.
                Afinidade- apesar da crença de Campagnolo, o Escola sem Partido e a volta da EMC não vieram da mente fértil do finado Olavo de Carvalho, e sim da extrema-direita. Mas sua essência é olavista no sentido da eliminação do educador progressista, no objetivo de combater a esquerda.
                Outra afinidade é as duas coisas serem preocupações para a ONU, pois representam sérias ameaças a direitos básicos, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
                O que os mais velhos nostálgicos “daqueles tempos” nunca soubessem é que, tal como o plano Escola sem Partido, a EMC foi ideológica e homogeneizante, ensinando valores da família cristã, civismo patriótico e disciplina algo milita, compartilhando ideais dos mesmos proponentes políticos do persecutório PL.
                 Problemas- Ana Campagnolo se tornou alvo de inquérito após sugerir a alunos filmarem aulas para denunciar “professores doutrinadores”, o que gerou perseguições aos docentes de história, geografia e ciências ou biologia. Em 2017, em Natal, um jovem professor de biologia foi perseguido e assassinado.
                É bom que Lula se atente à ministra, que pode se juntar a Campagnolo e a atos extremistas já previstos para abril (ou quiçá, antes), exigindo prévio preparo da segurança da Praça dos Três Poderes. A desnazificação social primeiramente deve ocorrer primeiramente sobre a elite política que a sustenta, e depois sobre a patuleia.
                De qualquer forma, mais um problema entre os tantos já existentes para o governo resolver.

Para saber mais
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Um país rico sustentado pelos pobres

                A Folha de São Paulo publicou uma declaração “preocupada do megaempresário Abílio Diniz, chefe do grupo Pão de Açúcar, declarar que “o governo não deve fazer reforma Robin Hood”. Ele aludiu ao personagem medieval mítico que roubava dos ricos para dar aos pobres servos que sustentavam a nobreza britânica.
                Tudo porque Lula veio de vez para gerar benefícios e com a defesa de uma reforma tributária capaz de fazer o que sempre deveria: taxar os super ricos. Nesse território livre e refém desses ricos, o Brasil tem sido bom tigrão com a patuleia (da qual a classe média faz parte) e tchutchuca do capital rentista.
                A fala de Diniz é defendida pela elite do rentismo e do megaempresariado, e escancara, de forma bem sucinta e direta, o caráter ideológico do próprio mercado. E essa elite, a qual Diniz integra, já é defendida pela grande mídia e pelos economistas escolhidos por esta para responderem a perguntas sobre economia.
                E também por agentes políticos, vários dos quais são importantes empresários. Como o governador de MG Romeu Zema e sua turma do Novo, e distribuídos em partidos de centro-direita. E tem mais um: Campos Neto, neto do falecido deputado privatista Roberto Campos, que já foi da Arena da ditadura militar.
                Sujeito bem aparentado, Campos Neto tem o mesmo perfil político do avô. Foi convidado para o Roda Viva, programa do TV Brasil conhecido por seu viés notavelmente neoliberal que é puxa-saco com nomes da direita neoliberal e tigrão com nomes da esquerda. Com Campos Neto eles foram poodle toy carinhosos.
                Campos Neto soltou uma pérola digna da vergonha alheia, um depoimento segundo o qual um garoto de rua, ao abordá-lo, teria pedido um pouco de grana via pix para ter o que comer, pois “o pix mudou a minha vida (do menino)”, lhe causando suposta “emoção”. Finalizou emendando sutil propaganda sobre “a invenção do BC”.
                Mesmo percebendo que o depoimento soou tão falso quanto a fake news do pix “invenção brasileira”, e que Campos Neto enrolou sem explicar a “necessidade” dos juros surreais, os jornalistas do Roda Viva sorriam como que o afagando, sem cobrar explicação alguma sobre a função social do próprio BC – se é que a Campos interessa saber.
                A declaração preocupada de Diniz e a audácia de Campos Neto carimbam a prova de que o mercado é, sim, essencialmente ideológico. A ideologia mercadológica repousa no empobrecimento social via abstenção do Estado em prover os setores básicos da economia (indústria, comércio, serviços) que dão vida às MPEs¹ que empregam quase todo mundo.
                É essa economia do fortalecimento das MPEs para gerar empregos e garantir o consumo das famílias dos trabalhadores que Lula defende e por isso critica os juros de 13,75% do BC que impedem os microinvestimentos. A crítica de Lula nos leva a entender, com propriedade, que os juros altos são bons para o mercado financeiro.
                A declaração preocupada de Diniz e a fala maldosa de Campos Neto carimbam a comprovação do mercado se movimentar por uma essência ideológica. Sim, a ideologia mercadológica é a do empobrecimento da população ser "o melhor indicador econômico", pois está gerando riqueza traduzida em lucros para o sistema financeiro.
                Riqueza essa garantida pelo desmonte dos setores básicos pela era Bolsonaro através dessa alta de juros, e que a grande mídia neoliberal disfarça a crise social por notícias de "crescimento econômico", ou seja, lucros dos bancos e dos acionistas financeiros privados da Petrobrás.
                Finalizando, o sustentáculo ideológico do mercado financeiro é  a de que o Brasil "está muito bem" enquanto produz super-ricos sonegadores de impostos, sustentados pelos pobres que por eles pagam pesados impostos.

Nota da autoria
¹ Micro e pequenas empresas, que entre 2005 e 2015 empregaram quase 90% das classes trabalhadoras no Brasil, e daí, baixo desemprego.

Para saber mais
http://baroesdadivida.org.br/stats?section=1 (os maiores devedores privados ao erário público-Estados)
https://baroesdadivida.org.br/map (mapa dos Estados que mais sofrem com as dívidas das corporações)
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Autonomia do BC ameaça o Brasil

                Na era Bolsonaro, o Congresso aprovou a proposta legal sobre a independência do Banco Central (Bacen ou BC), sancionada pelo então presidente da República.  O termo "independência", na verdade midiático, se traduz, na verdade, em autonomia institucional, tanto nas suas atribuições econômicas quanto na gestão.
                Mas vale salientar que essa autonomia não retira de forma alguma o caráter público federal do BC, e que de toda forma permanecem acordos com o governo o cumprimento de metas inflacionárias e de taxas de juros, e os limites da liberdade operacional do presidente da instituição. Vale mencionar um pouco sobre esse último ponto.
                A lei versa que o indicado pelo governo é sabatinado pelo Senado e, aprovado, toma posse da presidência do BC por 2 anos, mandato prorrogável por mais 2 anos se a condução resultar em dados econômicos positivos. Mas, se não cumprir as metas inflacionárias e/ou não controlar os juros, ele pode ser destituído pelo governo vigente.
                Como vemos pela grande mídia,  no Brasil as metas inflacionárias são cumpridas atreladas ao câmbio real-dólar e taxas de juros por indicadores diversos, via reuniões periódicas com o Comitê de Política Monetária (Copom) e depois com o governo para acordar as metas econômicas gerais.
                Na era Bolsonaro não foi diferente, exceto num detalhe: já na gestão Campos Neto, o BC descumpriu metas inflacionárias necessárias e impôs taxa de juros de 13,75% alegando "controle"¹. E ainda teve prejuízo de R$ 298,5 bilhões. A taxa de juros faz correr mais grana para os títulos da dívida pública destinados ao sistema financeiro.
                Isso tudo coincide com o crash financeiro de empresas como Americanas e Marisa, em dívidas bilionárias a fornecedores de bens e serviços e a bancos públicos e privados. Sem pestanejar, o Santander passou a bomba para a União resolver. Só isso nos leva a entender de imediato quem pagará essa dívida.
                Pode parecer  nada a ver, mas o BC poderia ter interferido. conforme a lei, para resolver essa pendenga das Americanas com os bancos. Mas o tombo bilionário sofrido pelo próprio já nos deixa claro que já estamos pagando ao sistema financeiro as contas dos dois prejuízos, enquanto a grande mídia solenemente se silencia.
                Ainda segundo Boulos, Campos Neto atuou no Santander, campeão do ramo em reclames da clientela, por 17 anos. Não sabemos como o distinto atuou nele, mas pelo menos ele nos abriu a mente para entendermos como a autonomia da gestão do BC pode ser uma ameaça para a economia interna e para o próprio Estado.

Nota da autoria
¹ Com pleno aval do governo Bolsonaro (este indicou Campos Neto para presidir o BC).

Para saber mais
- https://blog.xpeducacao.com.br/qual-a-diferenca-entre-taxa-selic-e-ipca/ (mais sobre Selic, IPCA e outras taxas e operações).
- https://www.cartacapital.com.br/economia/entenda-o-que-pesa-contra-roberto-campos-neto-o-presidente-do-banco-central/ 
- https://revistaforum.com.br/economia/2023/2/17/campos-neto-deu-prejuizo-de-r-2985-bi-ao-banco-central-em-2022-populao-paga-conta-131608.html 
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sábado, 11 de fevereiro de 2023

CURTAS 20 - ANÁLISES (Lula x mercado, Guedes)

 

Lula vs BC: o mercado financeiro

            Nesse primeiro mês de governo, Lula mostrou que não estava blefando sobre as suas promessas de gestão. Segundo analistas, em 30 dias ele fez o equivalente a mais da metade de todo o governo anterior e, por isso, dá sinais positivos de popularidade.
            Desafios impostos pelo governo anterior parecem estimulá-lo a trabalhar mais pesado, na fase inicial. Como a guerra contra o terror e o garimpo ilegal em terras indígenas. Já ofertou ajuda de engenharia para o gás de xisto argentino e a ajuda humanitária à Turquia e Síria, atingidas pelo violento terremoto de 6/2.
            Para tanto, às vezes Lula se impacientou. Com os fatos de 8/1; com a insubordinação do general Cid sobre os fatos dos bolsominions; com a substituição de nomes bolsonaristas pelos de confiança na Comissão de Ética do governo; e em discurso duro durante a posse de Aloizio Mercadante da presidência do BNDES.
            Durante a posse de Mercadante, Lula se pronunciou contra as fake news sobre as ajudas do BNDES a alguns países e deixou clara sua suspeita de traição do presidente do BC, Roberto Campos Neto. O presidente da República pensa em substitui-lo por um nome de confiança que já tem na manga, mas ainda não divulgado.
            Só que a exoneração de Campos Neto esbarra em dupla reação. Uma delas é a autonomia¹ do BC, que vigora desde 25/2/2021, quando Bolsonaro sancionou PL pelo qual o próprio PT votou; e a chance de chilique do digníssimo mercado financeiro, que tem no país um dos seus reféns diletos.
            A crítica de Lula a Campos Neto se deve mais pelas possibilidades atitudinais em si, que podem indicar tentativa de sabotagem das operações financeiras do governo. Já o mercado financeiro apoia o presidente do BC, um conhecido bolsonarista seguidor da doutrina ultraneoliberal de Paulo Guedes.
            Ainda que a grande mídia debata em defesa de Campos Neto, não se vê sentido em manter a taxa dos juros em 13,5%, a mais alta do mundo, o que impede um padrão ideal de empregabilidade e de consumo para mover a economia. E Lula quer créditos para microempresários para gerar empregos.
            E há um detalhe: Campos Neto não tem a visão técnica necessária para dirigir o BC. Ele é bolsonarista e privatista, e quer manter a citada taxa de juros para responder aos interesses do mercado financeiro que lucra mais com títulos da dívida pública. E essa gana em manter tais juros denunciam a possível sabotagem.
            Os interesses do mercado também são ideológicos – vale lembrar de que o capitalismo é também um movimento político. Daí a briga entre Lula e o BC de Campos Neto. Mas o BC continua público e o presidente da República pode substituir o nome atual pelo de sua confiança na presidência da instituição.
            O que se sabe, finalmente, é que em todos os sentidos, enquanto estiver à frente do BC, Campos Neto está subordinado ao presidente Lula, e nessa briga toda, o mercado financeiro dá chilique. Afinal, é o pivô de toda essa querela.

Nota da autoria
¹ autonomia operacional; o BC ainda é uma unidade estatal cuja presidência é indicada pelo presidente da República.

Para saber mais
- https://revistaforum.com.br/economia/2023/2/7/campos-neto-bolsonarista-presidente-do-banco-central-pode-ser-exonerado-do-cargo-131105.html
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Neoliberalismo: Guedes x FHC

            Vídeo do canal crítico Desmascarando (Youtube) trouxe à luz fatos relacionados a algo delicado entre os analistas financeiros brazucas: o neoliberalismo. Segundo o canal, Fernando Henrique Cardoso foi bem mais neoliberal do que Paulo Guedes. Mas, em que sentido? Vale análise a seguir.
            O neoliberalismo já foi tratado no blog em suas características funcionais e influências nos Estados, nas sociedades e no meio ambiente. Quando os grupos sociais mais abastados sentiram os seus efeitos deletérios já sofridos pela patuleia, esse sistema seria “substituído” (atenção às aspas) pelo mercado financeiro.
            No Brasil desigual e elitista, a patuleia soube do neoliberalismo nos anos 1990, quando Collor e FHC alegraram a grande mídia com a máxima de “substituir a inoperância do Estado pela eficiência privada”: é a desestatização ou privatização – o cerne característico funcional do sistema em tela.
            Houve privatização de Collor a Bolsonaro. Só a era FHC vendeu mais de 160 estatais. A era PT o fez em algumas estradas, portos e aeroportos. Temer privatizou a logística do Min. Saúde. Na era Bolsonaro, se foi a Eletrobras; por pouco não foram embora os Correios, BB, Caixa, a Ceasa, a Petrobrás, etc.
            Efeitos deletérios- vários: maior desemprego, precarização dos serviços; encarecimento de tarifas de serviços públicos¹; cobranças abusivas ou por serviços não solicitados; agressão ambiental maior (siderurgia, mineração, obras, especulação imobiliária, etc.), remoções arbitrárias de áreas públicas cedidas.
            Onde a privatização não chegou houve congelamento salarial dos servidores: em 8 anos de FHC, mais 2 anos de Temer, mais 4 anos de Bolsonaro, não compensados a contento nos 13 anos de era petista devido à pressão perversa do mercado financeiro ávido pelos títulos da dívida pública.
            Neoliberalismo e mercado financeiro- hoje se diz que o mercado financeiro substitui o neoliberalismo por conta dos efeitos já mencionados. Mas, será que são assim tão diferentes?
            Se o primeiro se marca na privataria, o segundo está nos investimentos em ações por pessoas físicas e/ou jurídicas. Mas ambos compartilham da ideologia do Estado mínimo, da redução de direitos e benefícios sociais e da hipocrisia ambiental.
            FHC x Guedes- na verdade, ambos são neoliberais na mesma medida. A diferença é que FHC teve uma série de vantagens: foi governante por 8 anos após 4 anos como ministro da Fazenda, foi mais eficiente em esconder seus escândalos de corrupção e teve forte apoio midiático para privatizar tantas estatais.
            Embora tenha sido menos efetivo, Guedes usou a mesma falta de transparência de FHC na privataria.  Ninguém sabe aonde foram parar os R$ 30 bi da venda da Eletrobrás e outros tantos obtidos com a entrega de 22 aeroportos e da maioria das refinarias da Petrobras.  E, com esta última, inovou.
            Ele passou grande parcela das ações públicas para acionistas privados estrangeiros, informando para a grande mídia noticiar, em letras garrafais, lucros (artificiais) de R$ dezenas de bilhões. Além disso, a Petrobrás havia deixado de patrocinar eventos culturais, porque estes quase não ocorreram.
            Isso são apenas exemplos do quanto o país perdeu para o capital, sem o devido retorno. Em todos os governos, mas ninguém se igualou a FHC e Bolsonaro-Guedes, que têm o mesmo peso na balança.

Notas da autoria
¹ em alguns Estados o fornecimento de água e esgoto e o de eletricidade são feitos por empresas privadas.

O canal é este:
- https://www.youtube.com/watch?v=UjeWap7xlcg&t=3s (Desmascarando, Bozo tira o sábado para disparar sequência de mentiras sobre economia)
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A fome e as prioridades

            Conforme o vice Geraldo Alckmin, ao se deparar com o desmonte das políticas públicas essenciais pelo governo anterior, “o governo terá que recomeçar do zero”. Ele declarou isso durante a transição.
            Tudo se traduziu crise social com fome, miséria, desemprego e insegurança alimentar e habitacional, a afetar mais da metade da população geral, e grave desassistência aos sertanejos, originários e tradicionais.
            O governo Lula restaurou o Programa de Aquisição de Alimentos de pequenos produtores familiares; e o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), extintos pelo governo anterior como parte de uma clara política de extermínio quase ao molde nazista.
            Lula nunca escondeu que o combate à fome e outros flagelos é prioridade de governo. Ainda na posse, assinou vários decretos que restauram as várias políticas públicas, incluindo a do meio ambiente.
            Com a fome e as doenças expressando a crise humanitária nos Yanomami, Lula recuperou as políticas públicas citadas e assinou decreto da emergência de saúde indígena do SUS, com reforço de equipe assistencial na Amazônia. Retorna também o Programa Mais Médicos com os cubanos para atenderem ao vasto sertão.
            Essa linha construída comprova a prioridade do governo em reconstruir o Estado como o provedor do social, após a política de desmonte do governo anterior. Quem reage negativamente a tudo isso é o mercado, que vê no presidente bolsonarista do BC Campos Neto e na grande mídia suas muletas de apoio.
            Altos juros e efeitos deletérios- o Brasil tem juros de 13,5%, os mais altos do mundo. Já não cola mais a desculpa de estancar a inflação, pois esta continua subindo – herança da era anterior. Para o mercado financeiro, isso é uma poderosa fonte de lucros. Mas por outro lado, impede investimentos... do mercado.
            Não, não é o mercado financeiro o impedido. Sigamos.
            Sustenta-se a falácia de que o setor produtivo foi substituído pelo financeiro, para justificar a soma das altas de inflação, juros e dólar, que prejudica o mercado interno. A verdade: a financeirização econômica no Brasil é um vício alimentado desde a ditadura, explicando os lucros exorbitantes dos bancos desde então.
            Contra-ataque- o plano de Lula para reverter os flagelos acima citados é fomentar o setor produtivo para gerar empregos e, em consequência, aquecer o mercado como um todo. É aí que reside a metáfora da picanha com cerveja, que pode se tornar real se o governo conseguir implantar. E, para atrair o setor produtivo, é preciso baixar os juros.
            Após repercussão midiática de suas críticas aos juros altos durante a cerimônia de posse de Mercadante à presidência do BNDES, Lula explicou que a crítica foi aos juros e não a Campos Neto. Mas sabe que o embate será duro: há outro velho vício, a submissão dos economistas e da grande mídia ao mimimi mercadológico.
            E é esse vício o pior desafio da política econômica de Lula. E, indiferente ao mimimi do rentismo, ele está disposto a ir para cima. Ele sabe que o mercado é sobretudo político, e é aí que pode estar a arma lulista.

Para saber mais
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Paulo Guedes, o sumido

            A nossa mídia tem chamado larga atenção da patuleia sobre os mais diversos assuntos do momento desde que Bolsonaro fugiu para os EUA antes de terminar seu cargo. E continua assim porque realmente há muitos fatos, que agora se voltam às ações do governo Lula III.
            Mas este artigo se volta para quando a PEC da transição de Lula foi aprovada para compensar a mal feita LOA 2023 de Bolsonaro. Pois foi nessa ocasião que, estranhamente, a mídia hegemônica subitamente parou de publicar um nome decantado nas páginas de economia: o ex-ministro Paulo Guedes.
            Até então, Guedes ocupava as páginas desses jornalões como uma espécie de mentor do liberalismo rentista que era traduzido pela imprensa como indicativo de investimento e desenvolvimento através dos lucros bilionários dos bancos e também da Petrobras, através de sua política desestatizante.
            Desde então, as antigas menções elogiosas ao ex-ministro foram substituídas pela operação abafa, tal como a ocorrida poucos dias após a divulgação do escândalo Panama Papers, relativo ao aporte de um grande volume de dólares não declarados para offshores em paraíso fiscal sendo ainda agente público ativo.
            No fim de janeiro 2023, o ex-ministro da Economia reapareceu na mídia. Segundo a R7 da Record, ele foi indicado pelo governador de São Paulo Tarcísio de Freitas para a presidência de um Conselho ligado ao setor de economia no estado de SP.
            Mais do que ser sua área de formação, Guedes aceitou o convite por este ser alinhado ao sociopático ex-presidente. Guedes se apraz de atuar em governos autoritários, por saber que estes em geral são neoliberais e, daí, ele se vê à vontade para impor sua política sem pressão e no mais completo sigilo.
            Apesar de, como ministro, ter fracassado na maior parte das tentativas. O seu “avião” enguiçava quase sempre que tentava decolar. Bastava ele falar que o motor econômico pifava. (proposital: pifava  no lado social em benefício do rentismo).
            Mas, o que mais importou mesmo é saber onde Guedes esteve escondido nesse intervalo. Pode ter sido no seu investimento nas Ilhas Virgens Britânicas. Ou em outro paraíso. Se bem que isso é só um detalhe que lhe é de direito – até prova em contrário – de manter sigilo.
            Como demonstra a mídia online Relatório Reservado, o mais importante para Guedes é que agora está ainda mais bilionário, fora a acusação de fraude bilionária em fundos de pensão. E, em tempo, na transição o TCU notou que R$ 1 trilhão “sumiu” do caixa do Tesouro público sem explicação.
            Quem sabe, Paulo Guedes possa explicar isso aí...

Para saber mais
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CURTAS 98 - ANÁLISES (Brasil- Congresso)

  A GUERRA POVO X CONGRESSO                     A derrota inicial do decreto do IOF do governo federal pelo STF foi silenciosamente comemo...