sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Análise: Musk e a holding da extração ilegal

 

          O governo Lula ordenou uma grande rede operacional envolvendo PF, Ibama e FFAA para combater o garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami. Noticiosos divulgavam as cenas das ações dos agentes envolvidos enquanto canais de esquerda nas redes sociais as retransmitiam com entusiasmo, alguns deles com visões críticas.
                Enquanto faziam um rastreio por terra para abordar e deter garimpeiros que conseguiram fugir para outras terras indígenas, os agentes da PF descobriram algumas antenas Starlink instaladas aqui e ali em meio à densa mata amazônica, algumas delas mais distantes da extensa área danificada pelo garimpo desordenado.

Internet na Terra Indígena Yanomami
                A internet em si não é um problema, desde que a usemos com a devida parcimônia e para finalidades mais alvissareiras e fomentar a sabedoria. Nesse sentido podemos inferir que a internet em terras indígenas não é ruim em si, pois os originários podem divulgar suas culturas e fomentar as lutas pela sua preservação.
                Por outro lado, sabemos que dominam o entretenimento (também não é um mal em si, só aumenta o sedentarismo), e em segunda ordem, as intenções criminosas. Talvez isso tenha feito com que os garimpeiros ilegais tivessem adquirido um poder maior na exploração das terras.
                Mas o que talvez tenha intrigado alguns dos agentes foi deparar com antenas Starlink em meio à mata fechada da terra Yanomami, enquanto muitos centros urbanos brasileiros ainda nem contam com as mesmas, que têm internet 5G e – o mais interessante – muitos indígenas Yanomami sequer têm aparelho celular.
                É aí que piscou o insight imediato de que a internet ali instalada teve a ver com o poder penetrante dos garimpeiros e de outros criminosos nas terras indígenas.

A vinda de  Elon Musk
                Em meados de 2022, após o amainar da pandemia de C19 no Brasil, o megaempresário Elon Musk veio ao Brasil visando ampliar seus negócios, principalmente com o lance da internet 5G e nos carros elétricos da sua montadora Tesla.
                Segundo as mídias na época, a vinda de Musk ao Brasil tinha como objetivo principal fornecer internet para 19 mil escolas em áreas remotas do Brasil. Em setembro de 2022, três meses após o anúncio, o serviço havia chegado a apenas três escolas da região metropolitana de Manaus (AM). Sim, apenas 3 e parou aí.
                Nesse gancho haveria também o objetivo de desbancar a suposta ameaça do pioneirismo chinês na 5G no país, por pura birra ideológica – mesmo sabendo que todo o investimento tecnológico nos negócios de Musk é 100% made in China.
                Mas o encontro do empresário com Bolsonaro, mediado pelo então ministro das Comunicações Fábio Faria, foi mais midiatizado pela estranha tietagem, viralizando fotos de Musk revirando os olhos de puro enfado ao lado dos sorridentes Faria e Bolsonaro.
                O que mais chamou a atenção é que as tratativas desse encontro viraram mais um dos famosos sigilos de 100 anos do governo Bolsonaro. A pequena minoria crítica logo suspeitou de assuntos nada alvissareiros, enquanto a maioria já sonhava em ter uma internet 5G do Musk em suas TICs pessoais.

Segredos revelados
                A vinda de Elon Musk em si não significa um problema. Nada mais normal do que tratar de negócios para investir na economia local e beneficiar a população com empregos e acesso ao conhecimento. Mas, não foi bem assim que a música tocou, como as investigações iriam descobrir depois.
                É sabido que, na legislação brasileira, a instalação de novas conexões de internet segue normas ligadas à Lei de Acesso à Informação (LAI), bem como as ligadas à legislação ambiental, dado que há impacto ambiental pela instalação das antenas de telefonia e de internet.
                Sabemos também que o ex-presidente tem tesão por viver ao arrepio da lei. Antes de Musk, jornalistas da BdF em novembro/2022 perceberam que a estadunidense Viasat, que fornece equipamentos e serviços a milicos e comerciantes, provê internet com autorização suspeita da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
                Irregularidades também envolvem a Starlink. Bolsonaro também interferiu na Anatel para autorizar a instalação das antenas na terra Yanomami, da qual os indígenas souberam há apenas 2 semanas na unidade de saúde em Surucucu, uma das mais afetadas pelo garimpo.
                A descoberta de outra matéria investigativa da BdF de que a Starlink abrangeu só 3 escolas em região não tão remota assim despertou suspeitas. Instalada na comunidade Yanomami, a internet tem sido bastante usada por garimpeiros para exaltar Bolsonaro e atacar o atual governo Lula em grupos virtuais.
                Nas investigações jornalísticas se descobriu, também, a revenda irregular da internet Starlink, para ter conexão de alta qualidade via satélite dentro da floresta. Num grupo do WhatsApp que reúne garimpeiros, os preços de revenda chegam a R$9.500 (4x o normal), com mensalidades de até R$ 2.500 (2x o plano básico).
                Essa internet superfaturada cobrada por terceiros é paga pelos comandantes das orcrims que lucram horrores com os serviços de garimpo ilegal, que por sua vez cobram dos garimpeiros uma percentagem de seus ganhos conforme o quanto de ouro extraído por mês.
                Lideranças indígenas e especialistas indigenistas têm denunciado que todas as irregularidades, como a da internet não autorizada na floresta, as omissões forçadas dos então aparelhados Ibama e Funai, facilitaram a entrada e alta produtividade da extração, que vende as preciosidades para empresas de eletrônicos no exterior tendo cifras bilionárias.

Ferida legal
                Tudo isso acontece à revelia da legislação e dos termos de uso da Starlink, segundo os quais "você não pode revender o acesso aos Serviços a terceiros como um serviço autônomo, integrado ou de valor agregado sob este acordo", mas sem prever nenhuma punição aos infratores.
                Aliás, vale salientar que a própria Starlink feriu as normas da Anatel, além de desrespeitar as do Código de Proteção ao Consumidor, por não informar à sua clientela o seu endereço e sua razão social. E não há registro de processos com o nome da Starlink na base de dados pública disponibilizada pela Anatel.
               Por conta dessa falta de registros, a reportagem da BdF perguntou para a agência se houve alguma sanção aplicada à empresa como punição por falta de informações obrigatórias. A resposta ainda é aguardada.
                E segue mais feridas: os mesmos perfis de revenda no WhatsApp anunciam também a compra de ouro e cassiterita extraídos ilegalmente da Terra Indígena Yanomami, revelando mais uma ramificação do comércio ilegal de minérios que rende cifras bilionárias.
                Um detalhe macabro é que esse comércio criminoso teve autorização de uma instituição pública, o Banco Central, assinada por ninguém menos do que Roberto Campos Neto, o seu presidente, indicado por Bolsonaro e aprovado pelo Senado e que tem se revelado um problema prévio com sua defesa à inexplicável alta de juros.

                O fato de a Starlink não prever punição aos terceiros que façam revenda ilegal das antenas de internet e cobrança mensal dos serviços aos usuários não constituem prova cabível de suposto envolvimento de Musk nas irregularidades referentes ao fornecimento da internet aos garimpeiros.
                Nem mesmo a completa falta de transparência acerca da procedência da empresa e de seus serviços e produtos podem servir de prova desse envolvimento nos crimes florestais. Mas sinaliza que a empresa age, até prova em contrário, de forma irregular no país, e põe o gestor da Anatel da época como investigado.
                Enfim, a princípio não é possível acusar Musk de envolvimento com as orcrims na Amazônia, mesmo ele estando ciente das ilicitudes. Mas que a Starlink está servindo de holding de extração ilegal e devastação do meio ambiente e dos povos indígenas, ah, isso está.

Para saber mais
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