sábado, 24 de fevereiro de 2024

CURTAS 65 - ANÁLISES (Lula x Netanyahu; Teologia do Domínio e Israel)

 

Guerra: Lula e o surto interno

            O que está acontecendo na Faixa de Gaza e com o povo palestino não existe em nenhum ouro momento histórico. Aliás, existiu: quando Hitler resolveu matar os judeus [...]. Não é uma guerra entre soldados e soldados. É uma guerra entre um exército altamente preparado e mulheres e crianças”.
            O pronunciamento crítico de Lula aconteceu na Etiópia, durante tratativas com a União Africana, enquanto o eixo EUA-OTAN europeia prossegue em mudo apoio ao governo de Israel. De fato, vemos a desproporcional estupidez nessa investida israelense contra Gaza já em ruínas. Mas a fala gerou rebuliço – ainda que as imagens reais da guerra concordem.
            Repercussão – essa foi a enésima fala de Lula a causar um surto na grande mídia e na política aqui, que o acusaram de “ofender” Israel. Lula não cedeu às acusações e ainda chamou de volta o embaixador brasileiro para casa. Na Câmara, mais de 100 deputados querem a cabeça do presidente para se saírem bem na fita bolsonarista, e a esquerda elogiou a fala dele.
            O surto foi só aqui. As mídias lá fora só noticiaram um mísero parágrafo de canto de capa de jornais como New York Times (NYT), The Washington Post (TWP) e dos europeus La Republicca e El País. A defesa histórica do PT à Palestina e o teor da fala não são novidades.
            Uma charge anti-Lula no NYT foi a única reação negativa lá fora e mais revela a desmemória estadunidense sobre crítica histórica dos fatos. No Conselho de Segurança da ONU, os EUA clamam por cessar-fogo - após a declaração de Lula.
            Carta crítica – antes da 2ª guerra, milhares de judeus europeus foram para a América do Norte, fugindo do antissemitismo de Hitler. Entre eles havia intelectuais, como Albert Einstein e Hannah Arendt, que em 1948 tiveram histórico protagonismo crítico.
            Após a criação dos países Israel e Palestina, Arendt e Einstein elaboraram uma ampla carta, publicada em editorial do NYT e ecoada em outros jornais. Foi uma crítica a Iarael pelos ataques preferenciais a mulheres e crianças palestinas em propósito genocida, comparando-os ao Holocausto nazista. Ela ecoou pelo mundo, inclusive aqui. Agora ela seria repetida em outra voz.
            Reforço – como a histórica carta de 1948 impactou o mundo pela coragem dos autores judeus, a recente declaração de Lula teve igualmente mais apoios: lá fora, a crítica se limitou à charge citada, e entre a nossa grande mídia e a classe política.
            A declaração de Lula apenas reforçou a atualidade daquela carta. E o presidente não comparou os ataques ao Holocausto de fato, mas sim à persecução antissemita assassina por Hitler no pré-guerra.
            Recusa à retratação – criticado por seus adversários internos, Lula entendeu as críticas de Netanyahu como ameaças, por ele ter exigido um pedido de desculpas.  Mas Lula não cedeu às chantagens, nem ao apelo de Pacheco. E não tem que ceder mesmo.
            O surto geral cria na patuleia o temor de um possível ataque de Israel contra o Brasil. A acusação de antissemitismo também é idiota, por só fazer sentido na extensão aos também semitas palestinos. A defesa do presidente à autodeterminação dos povos, consagrada no Direito Internacional, mas Israel vilipendia desde 1948, também motiva a sua recusa em se retratar.
            Conselho de próximos – devido à repercussão negativa interna – também por sua recusa em se desculpar publicamente –, Lula foi aconselhado por aliados a se pronunciar publicamente que o seu intento na fala não tem nada a ver com o povo judeu.
            A intenção por trás é esfriar a tensão diplomática entre Brasil e Israel percebida no pós-discurso. Lula parece concordar, e talvez comente na reunião com o diplomata estadunidense Anthony Blinken, que veio ao Brasil para colaborar na costura de um acordo de apaziguamento entre as partes, dada a ameaça de Lula expulsar o embaixador israelense.
            Israel voltar seus misseis contra o Brasil de Lula soa tão improvável quanto o pedido de impeachment protocolado pelos parlamentares bolsonaristas. Lula tem um triunfo diplomático: Celso Amorim – em reforço a Mauro Vieira. O que já é suficiente para sacramentar a derrota política de Israel e limitar a guerra ao surto interno.

Para saber mais
- https://www.youtube.com/watch?v=mr8hP_uBE8I (ICL com Leandro Demori – fala de Lula não foi precedida por Einstein e Arendt em carta no New York Times de 1948)
----

Culto a Israel e teologia do domínio

            No blog há abordagens breves sobre a evolução do cristianismo com ênfase na história brasileira. Um resultado moderno da evolução é o Neopentecostalismo, que mantém revelações nos cultos, mas acrescenta a crença em prosperidade material como direito e virtude.
            Da prosperidade ao domínio – o neopentecostalismo prega a Teologia da Prosperidade como modelo que vê na vitória material uma vitória na vida virtuosa. Ela ainda opera plenamente, mas agora, em contexto dominado pelo tema da guerra entre o governo de Israel e a Palestina, ela divide lugar com outro modelo teológico.
            Teologia do domínio – se define como modelo político-religioso que prega a submissão do Estado ao afã religioso cristão, com base na interpretação neopentecostal da bíblia que inclui o culto a Israel. Virou uma verdadeira febre, com crescente adesão popular.
            Isso, graças a celebridades como a “apóstola” Baby do Brasil, Claudia Leitte e Regis Danese, e pastores como Malafaia, Valadão, Rafael Cezar e a senadora Damares Alves. Também pastora, Damares é um exímio exemplo da teologia do domínio ao pregar ênfase dramática em suas enquetes. Mas não é só ela.
            Intolerância – já as citadas cantoras têm usado as melodias carnavalescas conhecidas substituindo as letras originais, de festa ou com orixás, por louvores cristãos e personagens bíblicos, respectivamente. Nisso se completa o objetivo de radicalização conservadora do papel histórico do cristianismo traduzindo-o em fundamentalismo que aguça a intolerância contra a diversidade e a inclusão.
            Israel na conta – todos sabem que para os cristãos, Israel é a “terra prometida” e seu povo, o “de Deus”, em tom simplista. Essa pregação antiga se liga à origem histórica de Jesus e de sua presumida filosofia, e à origem mais remota do VT bíblico ao Talmud e Torah judaicos, sem se ater aos traços mesopotâmios que carrega (epopeia de Gilgamesh, O Livro Perdido de Enki).
            Só que os líderes neopentecostais fazem miscelânia: a Judeia palestina aramaica e o moderno Estado de Israel são uma coisa só para os incautos fiéis. Mas este é o propósito desses líderes e políticos extremistas para criar o fundamentalismo político religioso de teor teocrático, portanto, antidemocrático.
            O problema é que, com isso, os fiéis incautos ou se esquecem ou não sabem que judeus não aceitam Jesus como messias, e há outras diferenças rituais, como os judeus modernos não terem mais nada a ver com os de séculos atrás e aceitarem costumes laicos da atualidade.
            Fria análise – é normal ao cristão tradicional abraçar a agenda conservadora de costumes, por remeter ao contexto em que o cristianismo surgiu. A fusão ideológica com a extrema-direita é uma sustentação ideal para a instalação de um regime essencialmente teocrático. Mas ainda faltaria um complemento.
            Aí entra a Teologia do Domínio, para implementar o sucesso do rolo compressor em eliminar por completo a diversidade de crenças e de fé, de costumes não religiosos e visões de mundo, destruindo culturas. A arte entra como meio de alheamento sobre a realidade contribuindo para o esgarçar do que resta do tecido social construído a duras penas pela laicidade.
            A miscelânia com Israel é só mais um detalhe nessa ideologização política no mundo religioso. Mas que pode ser perigoso para a futura segurança social nas nossas plagas.

Para saber mais
- https://www.youtube.com/watch?v=omm-9dxTMUs (ICL Notícias com João Cezar de Castro Rocha)
-  https://pt.wikipedia.org/wiki/Teologia_do_dom%C3%ADnio#:~:text=A%20teologia%20do%20dom%C3%ADnio%2C%20tamb%C3%A9m,estes%20fazem%20da%20lei%20b%C3%ADblica
----


            

















            

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

CURTAS 64 - ANÁLISES (Braga Netto; pastor barra pesada)

 

O animador do golpismo

            Que o ex-presidente Jair Bolsonaro é o personagem central da cadeia do plano de golpe de Estado, todos já sabemos. Sabemos também que ele não foi único no comando de tudo. Há outros protagonistas. E um deles é Braga Netto.
            O milico – o general Braga Netto ficou conhecido da patuleia ao ser designado por Temer para comandar a intervenção militar na guerra urbana da Babilônia carioca em 2017. Não virou herói, mas por identidade ganhou simpatia de Jair Bolsonaro.
            Coletes na intervenção – conforme exposto no blog, Braga Netto solicitou coletes balísticos para a tropa, a uma empresa de apoio militar dos EUA envolvida no assassinato do presidente do Haiti Jovenel Moise¹, durante intervenção da ONU na ilha em 2021. Investigações recentes notaram que a negociação não licitada e superfaturada dos coletes foi efetuada com mercenários.
            De 2019 a 22, ele foi um dos ministros militares de Bolsonaro. Em 2022 foi chamado para ser seu vice na campanha eleitoral. Após a derrota para Lula, ele faria companhia a Bolsonaro como personagem central no power point imaginário do plano de golpe com os apoiadores do ex-presidente.
            Do fracasso à inelegibilidade – Braga Netto foi imbuído de render aos telejornais notícias sobre a depressão pós-derrota de Bolsonaro e, ocasionalmente, de injetar falsa esperança nos verde-amarelos já exaustos de tanta chuva, reza e fake news.
            Recentemente soubemos que o afastamento por “não aceitar a derrota” foi tempo sabático de reuniões de Bolsonaro com seus fiéis aliados para a intentona que pudesse impedir a posse de Lula. A fuga em 30/12/22 foi estratégia para assistir a tudo de longe e voltar para tomar o poder.
            Mas foi ainda em 2023, com as evidências no relatório final da CPMI do 8/1, que a inelegibilidade alcançou Bolsonaro e, em seguida, Braga Netto. O milico que entrou na reserva para mergulhar na carreira política terá que esperar a oportunidade política para 2030. Ou, quiçá, tentar se reintegrar na vida militar.
            E corre outros riscos. O Exército pode não o reintegrar em seus quadros, para recuperar sua imagem arranhada pelos fatos, ou por ordem judicial, como ocorreu com Mauro Cid. E ainda pode ser preso pelo processo relativo aos coletes balísticos ou por participar como grotesco animador golpista na continuada lavagem cerebral em nome do bolsonarismo.
            O herói de 2017 – que já não o foi de fato – se revelou no que é: um esperto fracassado. A esperteza de hoje é a vergonha de amanhã. E disso as Forças Armadas vão lutar para se afastar, a não ser que vergonha na cara seja a última virtude imaginada na caserna.

Nota da autoria
----

Evangelismo barra pesada

            A ascensão da extrema-direita que culminou na catastrófica era Bolsonaro deve parte de seu sucesso à coparticipação das igrejas evangélicas pentecostais e neopentecostais – cujo papel foi relevante no quase empate final das eleições de 2022.
            A aliança Bolsonaro-igrejas cria curiosidade, pois as partes se opõem, ao menos filosoficamente. Bolsonaro defende “o povo armado para se defender”, e as igrejas o amor, ao menos em teoria. Mas tal oposição inexiste nessa junção.
            Novo olhar gospel – ao maximizar o combate às fés afro, no ramo neopentecostal se desenvolveu nova interpretação dos textos bíblicos em que a higidez divina no VT supera o revolucionário amor cristão do NT, oportunizando a visão hostil da realidade pregada por figurões influentes que se enraizaram na política.
            Silas Malafaia é o figurão mais conhecido e influente, seguido por outros mais jovens como André Valadão, o casal Hernandez, pastor Lucinho da Lagoinha em BH e até alguns padres reacionários famosos. E eis que surge um novo nome no ar.
            Leandro Rafael Cezar – é líder da Igreja Resgatar, em Pindamonhangaba, interior de SP. O vaidoso millenial pastoral de 38 anos se declara evangelizador de massa, mediante canal em redes como Youtube, Instagram, Facebook e TikTok. Embora carismático entre seu rebanho, ele prega um evangelismo barra pesada. Num culto, ele foi além dos limites.
            Educação na surra – o tema em que bateu pesado foi sobre educação familiar. Para ele, a família é a única que realmente educa, e chega a defender a preferência pelo homeschooling à escola. Mas o pior ainda estaria por vir.
            Foi ao aconselhar castigo físico: “Você tem que dar varada no seu filho, meu irmão. Depois que ele apanhou das varadas, tem que sair mancando, senão não tem graça”. Para sustentar a fala, ele se referiu a um versículo do VT bíblico. Mas, felizmente, não foi assim que a Justiça viu.
            Condenação – proferida em novembro de 2023, a pregação foi denunciada pelo MP-SP e julgada e decidida pela Vara do Juizado Especial Cível de Pindamonhangaba. O pastor foi condenado a 4 meses de pagamento de 1 SM a uma entidade social pública ou privada, e a indenizar em R$ 10 mil por danos morais coletivos. Mas... cabe recurso.
            O acerto da decisão indenizatória foi sobre o efeito psicológico de uma pregação de violência. O punitivismo bíblico é totalmente incompatível com a atualidade e afronta a legislação vigente. É conveniente a muitos líderes a interpretação de descritos bíblicos violentos para facilitar seu domínio sobre seu público.
            Dominar fiéis oportuniza a prática de abusos e crimes por líderes religiosos em geral. Não é por acaso que vários deles foram para a cadeia por seus crimes, principalmente sexuais. Rafael Cezar pareceu caso “menor”, mas poderia ser mais ofensivo se não fosse parado pela Justiça. A religião é uma marca cultural imaterial, mas como ambiente humano, não escapa aos limites da lei.
            Ainda bem que a lei existe. E se a lei existe, agradeçam ao princípio da laicidade.

Para saber mais
- https://www.youtube.com/watch?v=mHTz7UbrIdc (Meteoro Brasil – pastor bolsonarista defende espancamento de crianças “até mancar, senão não tem graça”).
-----


            








sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

CURTAS 63 - ANÁLISES (PF bate à porta; possível novo tento)

 

PF assusta bolsonaristas

      A geral acredita que toda CPI “dá em nada”. Mas ao menos três delas geraram ocorrências importantes. O pior da C19 arrefeceu graças à CPI da C19 (2021), que derrubou o negacionismo do ex-governo e levou o povo a se vacinar em massa.
            A CPI das Fake News fez banir perfis extremistas nas redes e chancelou a PL 2360, ainda a ser votada no Congresso. Em 2023, as CPIs (federal e DF) do 8/1 indiciaram os inelegíveis Bolsonaro (com centenas de processos) e Braga Netto, e centenas de bárbaros e alguns milicos foram presos. E veio uma nova febre: o alvorecer com o toc-toc-toc da PF.
            Milicos e civis do governo – já foram 33 buscas e apreensões. Dos milicos são o cel. Guilherme Marques de Almeida, que desmaiou; os generais Braga Netto e Augusto Heleno; e o hoje senador Hamilton Mourão, e gente da PMDF. Outros milicos já se preparam para despertar suas vergonhas às 6h da matina.
            Entre os civis estão Anderson Torres, Felipe Martins (do famoso gesto de supremacia branca) e Valdemar da Costa Neto, presidente do PL, que pode se extinguir por atuação paralela contra as eleições e por abrigar incitadores do terror do 8/1.
            Parlamentares – os bolsonaristas já estão apreensivos. Vigiados desde 2023 pelo STF após o 8/1, eles correm o risco de cassação – o que não abortará o trabalho da PF. Marcos do Val, Carlos Jordy e Alexandre Ramagem já foram abordados. E entre os que na fila se destaca o jovem, mas duvidoso Nicolas Ferreira.
            Ele responde a vários processos por crimes contra a honra, num deles contendo corrupção de menor, para alimentar sua propaganda ideológica. Agora pode ser cassado por ter atacado a honra de Lula na ONU e no Congresso – e é também suspeito de incitação ao terror do 8/1.
            O ataque em coro a Lula ocorreu na promulgação da PEC tributária. Provocado, o petista Quaquá estapeou um bolsonarista que depois se vitimizou em falsas lágrimas na tribuna. Como Lula é presidente da República, cargo que aufere foro especial, o peso de processo judicial sobre o provocador é maior.
            Lira e Pacheco salvam? – apertados com o STF, os bolsonaristas pediram socorro a Lira e Pacheco, que no momento assentiram. Eles têm em mente a PEC da Toga, que propõe coibir decisões monocráticas e limitar o mandato dos ministros de tribunais superiores. Em troca, essa trupe pode ajuda-los a pressionar o governo Lula nas bilionárias emendas – e também adora muita grana.
            Mas, bolsonaristas, não se iludam com Lira e Pacheco. Eles podem descarta-los em momento oportuno ou ao menor deslize, pois não querem a rabeira sobrando para si. E mais: eles não impedirão o toc-toc-toc da PF, nem a vigilância do STF. Se preparem para ter vergonha na cara por si mesmos.

Para saber mais
- https://www.bbc.com/portuguese/articles/c72g1q44me4o. (bolsonaristas na mira da PF e do STF)
----

Mossoró e o intento golpista

            Enquanto o governo federal pena na comunicação para convencer o povo, a extrema-direita deu mais um show de eficiência: em vídeo, o ex-presidente convocou o seu rebanho para “um grande manifesto pacífico, de verde e amarelo” no dia 25/2/2024.
            Ainda na primeira quinzena, acampamentos verde-amarelos de caravana já estavam montados em SP, bem organizados e estruturados. Ao mesmo tempo veio a notícia de que dois presos fugiram de um grande presídio estruturado em Mossoró (RN). Foi um prato cheio para muitas conjecturas.
            Estrutura e gestão – criados e geridos pela União, os presídios de segurança máxima são construções completas e amplas, com sistema de segurança inteligente que complementa a vigilância dos policiais penais federais.
             Foram construídos para abrigar gente muito poderosa e perigosa, como megaempresários de ficha pesada, chefes das cúpulas de facções, assassinos em série, políticos criminosos e até terroristas.
            O aparato de segurança é rígido e domina todas as alas, setores e área do terreno e das estruturas. E ainda conta com a própria estruturação física dos prédios para impedir tentativas de fuga. Não deveria haver sinal de celular, mas já sabemos que é mais fácil não tê-los em nossas casas do que na cadeia.
            Diretor de presídio federal de segurança é nomeado pelo Min. Justiça. Como requisitos valem: qualificação, muito sangue frio, jogo de cintura ao dialogar e criatividade administrativa. Com base na distribuição física horizontal ou vertical (andares), os diretores criam pavilhões carcerários para cada categoria de criminosos visando evitar conflitos e motins.
            Em toda a história do sistema dos presídios federais de segurança máxima, nunca houve um só caso de fuga. Quanto mais perigoso é o sentenciado, maior é o esquema de segurança do seu entorno. Ainda assim há risco de escape. E houve.
            Primeira vez – como tudo pode acontecer nessa terra, enfim houve a primeira fuga bem-sucedida de 2 homens, de presídio de segurança máxima de Mossoró. Um deles tem 50 processos. Só que o fato se deu num momento sociopolítico muito crucial, com estranhas coincidências.
            Troca no MJSP – a fuga ocorreu em pleno governo Lula, que já enfrenta um Congresso hostil, e que vê também a definitiva saída de Dino do MJSP para em breve ocupar a cadeira de Rosa Weber no STF. Aposentado do STF e aliado de Lula, Lewandowski já substituiu a cúpula da unidade de Mossoró e montou operação de inteligência e de busca dos fugitivos.
            Enquanto isso, prints de supostas notícias voaram em grupos criados em mensageiros instantâneos de celular acusando “nunca ter havido essa incompetência”. Oportunista, a grande mídia já vazou sobre falhas no sistema carcerário federal, na verdade para justificar a privatização do mesmo.
            Coincidência? – como a fuga dos 2 homens aconteceu nesse ambiente sociopolítico, a mídia noticiou sobre nota do FBI revelando temor da possibilidade de os bandidos terem conseguido fugir do Brasil de alguma maneira, mesmo reconhecendo o trabalho das polícias estaduais e da PF na caça aos homens.
            O temor dos EUA dessa suposta fuga acendeu a luz imaginativa por aqui. Se bolsonaristas acusam o governo de incompetência, os antibolsonaristas apostam numa ajudinha suspeita no presídio, dado nunca ter ocorrido fuga antes e estarmos em novo governo Lula. Assim como o governo federal ignora as acusações, Jair Bolsonaro se silencia sobre o tema.
            Em meio à caravana bolsonarista nas vias paulistas, a torcida corintiana Gaviões da Fiel planeja ação contrária que pode acirrar, para os observadores, concatenações políticas com a fuga de Mossoró. Em todos os lados inexiste a crença em coincidência factual.
            Quanto a Bolsonaro, é impossível comparar o atual silêncio sobre o caso Mossoró com o silêncio que planejou o golpismo no pós-derrota eleitoral e culminou no terror de 8/1/23. Mas, para os antibolsonaristas, o atual mais o condena do que o absolve.
            Se é mera coincidência factual ou se há interligação, não sabemos. Mas o governo federal deve se atentar a todo movimento. Ignorar acusações é certo, mas é errado com as caravanas bolsonaristas. Vale a experiência, a extrema-direita mantém forte o intento golpista, e os corintianos já perceberam isso. Quanto ao caso Mossoró, as investigações o dirão depois.

Sal Ross
----










            

            

domingo, 11 de fevereiro de 2024

ANÁLISE: First Mile e os tentáculos do extremismo

 

      Passada a era Bolsonaro, se esperava que as coisas se normalizariam em poucos meses. Engano: alguns dos radicais em instituições como a Abin e a PF são servidores de carreira, exoneráveis somente por PAD¹ no trânsito em julgado.  O seguimento das investigações revelou um escândalo que pode ultrapassar o da ditadura.
            Conforme as investigações da operação Lesa-pátria avançam, mais parlamentares bolsonaristas são acordados às 6h pelo já popular toc-toc-toc da PF. Vitimizações em redes sociais à parte, muita coisa estranha por trás tem aparecido. Para entender a história em resumo, vamos regredir no tempo.
            22/4/2020 – “a informação está uma porcaria [...] o meu particular funciona [...] se não puder trocar o diretor, troco o ministro”, disparou o então presidente Bolsonaro no que foi reunião de uma orcrim, fazendo duas referências principais.
            Uma se relacionou à crise com o então MJSP Sergio Moro, e a outra, o “meu particular”, se revela este ano e envolve Abin, GSI e Forças Armadas em uma complexa rede de espionagem interna envolvendo um software espião.
            Uma se relacionou à crise com o então MJSP Sergio Moro, e a outra, o “meu particular”, se revela este ano e envolve Abin, GSI e Forças Armadas em uma complexa rede de golpismo.
            Meados 2022 – o ex-GSI gal. Augusto Heleno se destacou na nova reunião ministerial no salão do Planalto. Ele insistiu que “deve-se bater o martelo antes das eleições” referindo-se ao plano de golpe. Expôs uma estratégia golpista da Abin. Antes de ser interrompido por Bolsonaro, ele chegou a citar "espião eletrônico", referência da investigação da "Abin paralela".
            First Mile – há algum tempo, os governos contam com monitoramento eletrônico de amplo espectro de captura e análise de dados, como o Córtex, que captura e armazena dados pessoais de milhares de cidadãos para segurança remota. E, para o plano golpista, foi envolvido um verdadeiro espião eletrônico: o First Mile.
            Desenvolvido pela israelense Cognyte, ele teria sido adquirido inicialmente para monitoramento remoto de dados de controle, dentro da LAI – lei de acesso à informação. Mas na era Bolsonaro, ele foi ostensivamente aperfeiçoado, talvez dentro da Abin, para contribuir no plano golpista.
            Abin – por mentira ou silêncio, diretores da Agência Nacional de Inteligência (Abin) da era Bolsonaro estão na lista de indiciados no relatório final da CPMI do 8/1. Eles se envolveram na Abin Paralela, grupo de PFs e militares liderados pelos ex-diretores da Abin, Alexandre Ramagem e o adjunto Vitor Carneiro.
            Num fim de semana, a PF acordou o hoje deputado federal Ramagem em seu lar funcional. O motivo: seu e-mail institucional ainda estava ativo, conforme trocas de conteúdos suspeitos deste ano, salvos na nuvem, com militares e os Bolsonaro.  Mas e-mails não podem durar muito tempo? Alguns específicos, não.
            E-mails institucionais normalmente invalidam após algum tempo da saída do responsável. Mas dada a natureza e missão da Abin e outras entidades afins, tais e-mails só funcionam nas instituições ou não deveriam ser salvos em nuvem.  
            Como o de Ramagem estava pleno até em dispositivo pessoal e contendo e-mails de Bolsonaro, a PF-RJ foi acionada.
            Angra dos Reis – lá, os Bolsonaro estavam ausentes no momento da abordagem, mas o ex-presidente e o 02 Carlos retornaram, em aparente disposição. Divulgado pela mídia, o feito entusiasmou antibolsonaristas. Mas... muita calma nessa hora.
            Detalhes suspeitos – as primeiras imagens mostram a recepção tranquila de Jair e Carlos Bolsonaro aos PFs de saída. A saliência abdominal do ex-presidente era anormal. O carro sem inscrição, cinza e placa não revelada. O horário da abordagem foi ao menos 1h após o normal ao amanhecer nas imagens: o sol já parecia meio alto.
            Abordagem da PF às 6h serve para evitar vazamento de informe privilegiado ou distorção. E nada escapa à vistoria, nem os corpos dos abordados. Objetos afins ao tema de investigação são apreendidos. A abordagem aos Bolsonaro pareceu tão antiética e errática quanto estes.
            30 mil – se lembram do dossiê de servidores críticos a Bolsonaro em mãos do ex-MJSP André Mendonça? Pois é. Foi criado a partir do Córtex, plataforma de big data com detalhes de 200 milhões de pessoas. O First Mile pode ter engordado o dossiê ou tenha selecionado ao menos entre 30 e 60 mil informes privilegiados que foram enviados a Israel.
            30 ou 60 mil monitoramentos ou pessoas é um número inconclusivo. No aguardo do resultado da perícia, o STF Alexandre de Moraes revelou que autorizará a publicação dos nomes dos vigiados devido à diversidade: de membros dos tribunais superiores a populares incluindo caminhoneiros, taxistas e trabalhadores por aplicativo.
            Nem aliados – nem estes escaparam da espionagem. Conforme entrevistas em vídeos e podcasts no Youtube, a vigilância era diária. Segundo a hoje influencer Joice Hasselmann, sua rotina era vigiada até de perto, inclusive de carro, durante a trajetória entre a moradia e o parlamento.
            Outros perigos – se o rastreio da Córtex foi aproveitado pelo First Mile, ainda faltam provas. Mas agora há outro possível fornecedor de dados ao espião israelense: as operadoras de telefonia móvel, já que elas têm sintonia com as redes sociais neles acessadas. E elas não comunicaram seu conhecimento à Anatel, o que abre um leque de suspeita.
            Não sabemos o quanto de dados elas obtêm de nós, mas a IA das big techs são capazes de ler nossa intenção antes de digitarmos, e na rede as operadoras podem obter nossos dados por elas. Não sabemos se elas colaboraram com o governo Bolsonaro em fornecimento de dados, mas esse mundo tão digitalizado, nada é impossível.
            Bandidos – como o governo Bolsonaro distorceu a triagem do Exército em dar título de CAC a cidadãos comuns, já sabemos pela mídia que bandidos de orcrims viraram CACs para engordar legalmente o seu já pesado arsenal armado. E como se não bastasse, eles sabem mais de nossas vidas do que podemos imaginar graças à IA.
            A partir do Córtex, eles acessaram detalhes privados das vítimas. Em Brasília, o delegado Erick Sallum foi ameaçado de morte no seu Telegram. Ele identificou ser um dos meliantes da quadrilha local que investiga e se espantou com o nível de informações de sua rotina acessado por eles.
            Se ele e outras autoridades – sempre cuidadosos em sua vida privada – foram rastreados dessa forma, é possível que ex-investigadores do caso Marielle em 2019-22 tenham sido vigiados. E nós, patuleia? Nossa vulnerabilidade é gritante: a privacidade foi para o espaço.  Estamos não só nas mãos de bandidos.  Também presos nos tentáculos do extremismo.

Para saber mais
- https://www.youtube.com/watch?v=p8BZsJF6nao (João Cezar Castro Rocha no ICL explica o esquema metódico da família Bolsonaro de apropriação da grana pública e da construção do golpismo)
https://www.youtube.com/watch?v=5CUTbbPHL5k (ICL Notícias – Chico Pinheiro e a ABIN)
- https://www.youtube.com/watch?v=pGIiikFpZCU (ICL Notícias   - história do First Mile)
- https://www.intercept.com.br/2020/09/21/governo-vigilancia-cortex/ (córtex, da placa do carro ao CPF e até DNA)
- https://www.youtube.com/watch?v=w7AptaFBo94 (Meteoro Brasil – operadoras de celular sabiam do First Mile)
- https://www.youtube.com/watch?v=r_mOSbk8ebM (TV Fórum  explica o First Mile, programa espião usado na Abin)
----














CURTAS 98 - ANÁLISES (Brasil- Congresso)

  A GUERRA POVO X CONGRESSO                     A derrota inicial do decreto do IOF do governo federal pelo STF foi silenciosamente comemo...