Guerra: Lula e o surto interno
“O que está acontecendo
na Faixa de Gaza e com o povo palestino não existe em nenhum ouro momento
histórico. Aliás, existiu: quando Hitler resolveu matar os judeus [...]. Não é
uma guerra entre soldados e soldados. É uma guerra entre um exército altamente
preparado e mulheres e crianças”.
O pronunciamento crítico de
Lula aconteceu na Etiópia, durante tratativas com a União Africana, enquanto o
eixo EUA-OTAN europeia prossegue em mudo apoio ao governo de Israel. De fato,
vemos a desproporcional estupidez nessa investida israelense contra Gaza já em
ruínas. Mas a fala gerou rebuliço – ainda que as imagens reais da guerra
concordem.
Repercussão – essa foi a enésima fala de Lula a causar um surto na
grande mídia e na política aqui, que o acusaram de “ofender” Israel. Lula não
cedeu às acusações e ainda chamou de volta o embaixador brasileiro para casa. Na Câmara, mais
de 100 deputados querem a cabeça do presidente para se saírem bem na fita
bolsonarista, e a esquerda elogiou a fala dele.
O surto foi só aqui. As
mídias lá fora só noticiaram um mísero parágrafo de canto de capa de jornais
como New York Times (NYT), The Washington Post (TWP) e dos europeus
La Republicca e El País. A defesa histórica do PT à Palestina e o teor da
fala não são novidades.
Uma charge anti-Lula no NYT foi a única reação negativa lá fora e mais revela a desmemória estadunidense sobre crítica histórica dos fatos. No Conselho de Segurança da ONU, os EUA clamam por cessar-fogo - após a declaração de Lula.
Carta crítica – antes da 2ª guerra, milhares de judeus europeus foram
para a América do Norte, fugindo do antissemitismo de Hitler. Entre eles havia intelectuais,
como Albert Einstein e Hannah Arendt, que em 1948 tiveram histórico
protagonismo crítico.
Após a criação dos países
Israel e Palestina, Arendt e Einstein elaboraram uma ampla carta, publicada em
editorial do NYT e ecoada em outros jornais. Foi uma crítica a Iarael pelos
ataques preferenciais a mulheres e crianças palestinas em propósito genocida,
comparando-os ao Holocausto nazista. Ela ecoou pelo mundo, inclusive aqui.
Agora ela seria repetida em outra voz.
Reforço – como a histórica carta de 1948 impactou o mundo
pela coragem dos autores judeus, a recente declaração de Lula teve igualmente
mais apoios: lá fora, a crítica se limitou à charge citada, e entre a nossa grande
mídia e a classe política.
A declaração de Lula apenas
reforçou a atualidade daquela carta. E o presidente não comparou os ataques ao
Holocausto de fato, mas sim à persecução antissemita assassina por Hitler no
pré-guerra.
Recusa à retratação – criticado por seus adversários internos, Lula entendeu
as críticas de Netanyahu como ameaças, por ele ter exigido um pedido de
desculpas. Mas Lula não cedeu às
chantagens, nem ao apelo de Pacheco. E não tem que ceder mesmo.
O surto geral cria na
patuleia o temor de um possível ataque de Israel contra o Brasil. A acusação de
antissemitismo também é idiota, por só fazer sentido na extensão aos também
semitas palestinos. A defesa do presidente à autodeterminação dos povos, consagrada
no Direito Internacional, mas Israel vilipendia desde 1948, também motiva a sua
recusa em se retratar.
Conselho de próximos – devido à repercussão negativa interna – também por
sua recusa em se desculpar publicamente –, Lula foi aconselhado por aliados a se
pronunciar publicamente que o seu intento na fala não tem nada a ver com o povo judeu.
A intenção por trás é esfriar a tensão diplomática entre Brasil e Israel percebida no pós-discurso. Lula parece concordar, e talvez comente na reunião com o diplomata estadunidense Anthony Blinken, que veio ao Brasil para colaborar na costura de um acordo de apaziguamento entre as partes, dada a ameaça de Lula expulsar o embaixador israelense.
Israel voltar seus misseis
contra o Brasil de Lula soa tão improvável quanto o pedido de impeachment
protocolado pelos parlamentares bolsonaristas. Lula tem um triunfo diplomático:
Celso Amorim – em reforço a Mauro Vieira. O que já é suficiente para sacramentar
a derrota política de Israel e limitar a guerra ao surto interno.
Para saber mais
- https://iclnoticias.com.br/imprensa-da-mais-importancia-a-declaracao-de-lula-que-ao-extermino-de-palestinos/. (ICL
Noticias)
- https://www.youtube.com/watch?v=mr8hP_uBE8I (ICL
com Leandro Demori – fala de Lula não foi precedida por Einstein e
Arendt em carta no New York Times de 1948)
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No blog há abordagens
breves sobre a evolução do cristianismo com ênfase na história brasileira. Um
resultado moderno da evolução é o Neopentecostalismo, que mantém revelações nos
cultos, mas acrescenta a crença em prosperidade material como direito e virtude.
Da prosperidade ao domínio – o neopentecostalismo prega a Teologia da
Prosperidade como modelo que vê na vitória material uma vitória na vida
virtuosa. Ela ainda opera plenamente, mas agora, em contexto dominado pelo tema
da guerra entre o governo de Israel e a Palestina, ela divide lugar com outro
modelo teológico.
Teologia do domínio – se define como modelo político-religioso que prega
a submissão do Estado ao afã religioso cristão, com base na interpretação
neopentecostal da bíblia que inclui o culto a Israel. Virou uma verdadeira
febre, com crescente adesão popular.
Isso, graças a celebridades
como a “apóstola” Baby do Brasil, Claudia Leitte e Regis Danese, e pastores
como Malafaia, Valadão, Rafael Cezar e a senadora Damares Alves. Também
pastora, Damares é um exímio exemplo da teologia do domínio ao pregar ênfase
dramática em suas enquetes. Mas não é só ela.
Intolerância – já as citadas cantoras têm usado as melodias
carnavalescas conhecidas substituindo as letras originais, de festa ou com
orixás, por louvores cristãos e personagens bíblicos, respectivamente. Nisso se
completa o objetivo de radicalização conservadora do papel histórico do
cristianismo traduzindo-o em fundamentalismo que aguça a intolerância contra a
diversidade e a inclusão.
Israel na conta – todos sabem que para os cristãos, Israel é a “terra
prometida” e seu povo, o “de Deus”, em tom simplista. Essa pregação antiga se
liga à origem histórica de Jesus e de sua presumida filosofia, e à origem mais
remota do VT bíblico ao Talmud e Torah judaicos, sem se ater aos traços
mesopotâmios que carrega (epopeia de Gilgamesh, O Livro Perdido de Enki).
Só que os líderes
neopentecostais fazem miscelânia: a Judeia palestina aramaica e o moderno
Estado de Israel são uma coisa só para os incautos fiéis. Mas este é o
propósito desses líderes e políticos extremistas para criar o fundamentalismo político religioso de teor teocrático, portanto, antidemocrático.
O problema é que, com isso,
os fiéis incautos ou se esquecem ou não sabem que judeus não aceitam Jesus como
messias, e há outras diferenças rituais, como os judeus modernos não terem mais
nada a ver com os de séculos atrás e aceitarem costumes laicos da atualidade.
Fria análise – é normal ao cristão tradicional abraçar a agenda
conservadora de costumes, por remeter ao contexto em que o cristianismo surgiu.
A fusão ideológica com a extrema-direita é uma sustentação ideal para a instalação
de um regime essencialmente teocrático. Mas ainda faltaria um complemento.
Aí entra a Teologia do
Domínio, para implementar o sucesso do rolo compressor em eliminar por completo
a diversidade de crenças e de fé, de costumes não religiosos e visões de mundo,
destruindo culturas. A arte entra como meio de alheamento sobre a realidade
contribuindo para o esgarçar do que resta do tecido social construído a duras
penas pela laicidade.
A miscelânia com Israel é só
mais um detalhe nessa ideologização política no mundo religioso. Mas que pode
ser perigoso para a futura segurança social nas nossas plagas.
Para saber mais
- https://www.youtube.com/watch?v=omm-9dxTMUs
(ICL Notícias com João Cezar de Castro Rocha)
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Teologia_do_dom%C3%ADnio#:~:text=A%20teologia%20do%20dom%C3%ADnio%2C%20tamb%C3%A9m,estes%20fazem%20da%20lei%20b%C3%ADblica
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