A PERIGOSA POLÍCIA DE
CAIADO
Ex-presidenciável em 1989,
ex-parlamentar federal e atual governador do Estado de Goiás pelo partido União
Brasil, Ronaldo Caiado é, com certeza, o político de maior influência de seu
Estado. Localmente, ele também é o nome que lidera a poderosa classe
latifundiária da soja e do milho.
Não precisa ser
especialista para observar que as condutas assumidas por Caiado refletem
abertamente o seu forte sentimento de classe. Elas se estendem ao fato de
fazer o Palácio governamental uma extensão de sua residência particular, e de implicar censura às mídias sobre surtos de adoecimentos graves por agrotóxicos.
E ele vai mais fundo na
ousadia. Em reunião de governadores com o presidente Lula sobre a unificação
das polícias estaduais para combater as organizações criminosas e amenizar a
guerra urbana, Caiado disse: “a PM de meu Estado é um exemplo para todo o
país, não há mais criminalidade”.
Se Caiado, velho opositor
político de Lula, quis atingir o governo federal, a fala ressoou entre os
demais, que se entreolharam calados. Embora a patuleia do Sudeste já esteja
envolta em problemas locais, Brasília e mídias de massa sabem que Goiás não é o
paraíso de segurança que ele diz ser.
A reunião do governo serviu
para comunicar a regulamentação da lei de 2022 que cria o Sistema Único de
Segurança Pública (SUSP), e investir mais em inteligência para maior
eficácia no combate ao crime, e mesmo na guerra urbana. Caiado quis dizer que “a
PM-GO não precisa disso”.
Só que, divulgados pelas
mídias, os levantamentos anuais do Anuário da Violência desmentem Caiado. Goiás
é o campeão de trabalho escravo no campo, e cenas de violência são obtidas pela
imprensa: os PMs não usam câmeras contrariando a lei federal, e rondas são
feitas em viaturas sem placa.
“Eu quero a testemunha,
na sexta-feira à tarde. Eu tô de viatura, caçando esse covarde. Se eu pego eu
atiro, sem dó e compaixão. Minha emoção é zero, um verdadeiro inferno”.
Entoada por policiais, a canção de guerra revela o verdadeiro perfil da PM-GO e
a tensão vivida pelas periferias urbanas.
Um dos mais letais do
Brasil, o perfil da PM-GO reflete a verdadeira face da política de segurança
pública alardeada por Caiado nas campanhas para o governo estadual. A morte
gratuita, fora dos limites legais, na verdade é a sua política. Como disse Jaqueline
Muniz¹, “por trás da polícia que atira está o governador”.
Nota: ¹socióloga
especialista em segurança pública.
Para saber mais
- https://www.youtube.com/watch?v=bVn4wKd9EzQ. (Folha Democrata, 13/4/25 – futuro da segurança
pública no Brasil)
- https://www.gov.br/mj/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/susp (Sistema Único de Segurança Pública)
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PMs, MORTE JUVENIL, PREVIDÊNCIA
A previdência social é, com
certeza, a maior fonte de benefícios sociais aqui e lá fora. Nossa história se
inspirou no modelo europeu desenvolvido há mais de 100 anos e tem caráter
contributivo solidário, em variados níveis de cota. Servidores públicos contribuem
até mesmo durante a aposentadoria, para o RPPS¹.
Mas não vamos nos centrar
sobre servidores aqui. O objetivo deste texto é procurar explicitar, em
linguagem simples, a relação entre a letalidade da PM sobre crianças e jovens
periféricos e a situação previdenciária atual. E também, até que ponto a reforma
de 2019 pode ajudar ou atrapalhar.
A reforma de 2019 aumenta o
tempo mínimo de contribuição, com direito a ganho integral após 40 anos,
aumentando a engorda do sistema que beneficia, também, estratos provadamente
incapazes de trabalhar ou famílias mais pobres. Outros contribuintes podem ser
jovens trabalhadores.
No Brasil, a maioria dos
jovens periféricos inicia a carreira trabalhadora formal como jovem aprendiz
(14-18 anos). Essa é uma fase crítica, não só para testar sua persistência e
vontade de aprender. Essa é, historicamente, a fase mais alvejada pela letalidade
policial, no pretexto da guerra às drogas.
No período entre 2023-24,
os Estados campeões em letalidade policial nas periferias foram São Paulo, Goiás, Rio
de Janeiro e Bahia (ordem aleatória aqui). Segundo a Agência Brasil,
com dados do Anuário da Violência, o recorde pertence ao Estado de SP, com
aumento de 121%.
Além de empobrecer subitamente as famílias periféricas, a letalidade policial sobre jovens periféricos invoca num vácuo geracional que diferencia em até 22 anos a expectativa de vida comparada entre periferia e bairro rico. E ocasiona um déficit de contribuintes em atividade de impostos e na previdência social.
Para reduzir o impacto desse déficit, os governos futuros criarão medidas impopulares. Num país refém do mercado financeiro, sobrará para os futuros aposentados CLT passarem a contribuir no INSS, como os citados servidores. O que nos revela o quão inócua se torna a reforma de 2019, que mira a galera jovem, com muito tempo pela frente.
Nesta, o impacto direto é
menos população com potencial longo de contribuição, o que poderá implicar em
governos futuros criar medidas para contribuição contínua de aposentados CLT (e
o sequente empobrecimento). O que revela, ao menos aí, a nulidade da reforma
trabalhista de 2019, que mira o povo ativo mais jovem.
Nota: ¹RPPS = regime próprio da previdência social, de servidores públicos e classe política.
Para saber mais
A ANISTIA DA VERGONHA
A nova era Lula – Lula 3 –
é diferente das suas passagens anteriores que revelaram o nosso ápice
democrático. Ele depara com um Brasil mais hostil e polarizado, a mentalidade
mais bolsonarizada, que influencia em baixas nas pesquisas de análise de seu governo.
A condenação de centenas da
horda fanática à prisão pelo STF pelos crimes da intentona de 8/1 fez o senador
Gal. Hamilton Mourão elaborar o PL da Anistia com o objetivo de livrar
financiadores, incentivadores e partícipes da intentona, desde 30/10/2022 a
8/1/2023.
O texto encontrou apoio
irrestrito dos deputados, que correram para coletar assinaturas suficientes
para votar direto em plenário. Mas o processo não encontrou apoio popular.
Desde então, pesquisas repetidas de opinião pública revelaram a maioria favorável
à condenação.
Na prática, o perdão
judicial proposto a todos os envolvidos na intentona tem como objetivo final
livrar o ex-presidente Bolsonaro e o generalato da prisão por tentativa de
golpe. Muito difícil: no julgamento da denúncia da PGR, o STF declarou todos
eles réus do processo.
Os milicos denunciados e já
presos, como o reformado Braga Netto, seguiu Mauro Cid ao afirmar Bolsonaro
como o mandante número 1 do plano de intentona golpista. Perto de chegar a sua
vez, Bolsonaro, que passeava no Nordeste, acabou sendo hospitalizado.
Convenhamos, já não
surpreende mais. A enésima internação para operar o intestino da já controversa
facada em plena convocação para depor é, sabidamente, um plano eficiente de
fugir da responsabilidade de depor sobre no julgamento do processo da intentona
de 8/1.
A anistia de 1979 só foi
possível naquela época mediante acordo espúrio: que os militares com as mãos retintas
de sangue também fossem perdoados e o regime naturalizado – o que alimentou o
saudosismo de muitos e o instinto golpista de milicos alinhados a
Bolsonaro.
A anistia de 1979 também
deve ser lembrada como uma chantagem contra a nação, para manter os privilégios
de uma casta de farda – tornada cultura atrativa aos jovens desejosos por
carreira militar estável. Politicamente foi péssima, ao chancelar o enfraquecimento
da democracia.
O PL da Anistia agora foi
estancado pelo presidente da Câmara Hugo Motta, que recebeu duro recado de Lula
3 que atingiu aliados que apoiaram a ideia. Em resposta, muitos retiraram suas
assinaturas, sobrando apenas os bolsonaristas liderados por Sóstenes Cavalcanti
e Silas Malafaia.
Se aquela anistia já foi
ruim, agora querem repeti-la para que novas intentonas nazifascistas fossem tentadas
até o seu sucesso final. Assim, se fosse aprovada, seria a anistia da vergonha.
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