FÉ REACIONÁRIA PELO CAPITAL
Talvez a mais profunda
marca da colonização europeia e representada principalmente pela Igreja
Católica, a religião exerceu papel fundamental na evolução sócio
histórica brasileira. Na política, a ICAR foi instituição de Estado até 1891, quando
a 1ª Constituição da República impôs a laicidade.
Laicidade à parte, a CNBB¹
da ICAR sempre vigiava. Desde 1955, o país viveu tensão pró-golpe pelos milicos.
A era JK foi possível por acordo com os militares. Nos anos 1960, o pânico do
comunismo e a política agrária de Jango despertou a fúria da elite urbana e rural,
apoiado por militares e ultracatólicos.
Mais conhecido movimento
sectário no Brasil, o Tradição, Família e Propriedade (TFP) foi fundado
por grupo liderado pelo deputado extremista Plínio Correa em 1928, de ideal
ultracatólico, antiesquerda e antimaçônico. Em 1960 assumiu o nome atual e foi
abraçado pela elite e milicos protagonistas do golpe de 1964.
Nisso, o TFP consolidou o pânico
coletivo pela ideologização religiosa no Brasil, contribuindo para o regime
de terror que tentou eliminar a diversidade para a higienização política. Desde
então, o povo associa o citado movimento com as Forças Armadas. Mas, só que
não.
Primórdios –
nos anos 1950-70, os EUA eram dominados pelo macarthismo, ideologia reacionária
legada pelo presidente McCarthy. A mando dele, missionários cristãos e judeus anticomunistas
vieram ao estratégico Brasil para popularizar a fé pela ultradireita. Veio então
a primeira era de pânico moral político.
Dado o intento macarthista
de dominar globalmente pelo capitalismo estadunidense, os missionários cristãos
alcançaram até comunidades originárias, destruindo suas culturas e resultando
em intolerância a não cristãos – e fortaleceu o pânico moral político de então.
Apesar de a maioria
missionária ser pentecostal, o catolicismo se manteve hegemônico no país por
mais 50 anos. Mas isso não gerou conflito inter-religioso, pois a aliança ideológica
foi mais forte, incutida pelas classes abastadas sobre a patuleia, com reflexos
até na atualidade.
Ódio virtual – surgidos
nas redes sociais, os novos movimentos de ultradireita (Vem pra Rua, MBL e
bolsonarismo) inauguraram no Brasil a segunda era de pânico moral por ódio
virtual, em que líderes religiosos deram peso às fake news difamatórias
a adversários políticos.
A bancada da bíblia teve papel
coadjuvante, mas essencial ao apoiar o bem-sucedido golpe parlamentar que depôs
Dilma Rousseff em 2016, impulsionado pela popularização do antipetismo. Isso
abriu portas para campanhas de presidenciáveis impensáveis nas eleições de 2018.
Foi pela nova popularização
da fé reacionária que o extremista Jair Bolsonaro foi eleito – e em sua passagem se desenrolou toda a história de necropolítica e submissão aos EUA novamente contaminados
pelo reacionário trumpismo. Ele liderou o pânico moral virtual, que mantém a
velha essência, agora no neopentecostal, sob o manto da democracia,
pelo capital.
Nota: ¹Confederação Nacional dos Bispos do Brasil.
Para saber mais
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No bloco Ligeirinhas 15
há dois artigos referentes a um dos papas mais populares do catolicismo global.
O primeiro versa de forma sintética sobre a trajetória do Papa Francisco. O
outro, sobre os inimigos extremistas que ele involuntariamente teve em seu
papado.
Tal como nesses artigos,
neste presente será tentada a síntese da trajetória biográfica de Francisco, dada
a riqueza de detalhes. Foi tentado juntar ao artigo da ideologização religiosa,
mas uma certa falha de conexão foi percebida. Daí a opção por um novo texto.
Uma vida de fé – filho
de imigrantes italianos, Mario Jorge Bergoglio nasceu em Buenos Aires, em 1936.
Sua juventude se voltou entre a fé praticante e alguns empregos – já atuou até
como segurança de casa noturna. Teve uma namorada, que conhecera numa missa.
Mas foi durante uma missa
de ordenamento de padre que quis ser padre. Como seminarista conheceu zonas de
pobreza na Itália e na América do Sul. Queria ser simples paroquiano para
ajudar os pobres, mas, como que numa tramoia do destino, progrediu a bispo, arcebispo e, enfim, cardeal.
Até 2001, Bergoglio testemunhou
mudanças políticas. Conheceu e admirou as lutas de opositores do ditador Videla.
Silenciado ante a captura e morte deles, foi acusado de omissão ou cumplicidade.
Meio que a contragosto, sua partida a Roma ocorreu a chamado do Vaticano.
Em Roma viu pessoalmente os
papados conservadores de João Paulo II e de Bento XVI. Mas admirava Paulo VI (1963-78)
por ter tirado a ICAR do medievalismo, e as Comunidades Eclesiais de Base
(CEBs) com os vulneráveis, através da Teologia da Libertação.
Papa a contragosto – em
2013, após 6 séculos, Bento XVI renunciou. Bergoglio foi eleito: o Vaticano
queria um papa popular como João Paulo II. Deu certo: apesar da aceitação
inicial a contragosto, Bergoglio, agora Francisco, de imediato ganhou a
simpatia popular.
Ser Francisco é inédito: a ICAR nunca teve um. Bergoglio se inspirou em São Francisco.
Diferente dos anteriores, ele optou pela simplicidade nas vestes, nos aposentos – até
no seu sepulcro. Seu papado foi agitado, humanista, de relações espontâneas.
Nada de latim na missa.
Andou entre populares, cerimoniou lava-pés com pobres, deu comida e cobertas ao
povo de rua, fez a ICAR inclusiva até para a minoria multissexual – um fuzuê na
Cúpula. E foi boa figura política.
Culpou o “capetalismo” pelas desigualdades e pela destruição do planeta. Foi caloroso com lideranças democratas
e frio com extremistas. Após criticar a política migratória de Trump, recebeu o
vice deste em 20/4. No dia seguinte, não resistiu à insuficiência cardíaca e ao
AVC.
Legado e sucessão – Francisco
deixou marcas indeléveis na ICAR. Por trás da simplicidade e carisma, ele ferrou
o domínio europeu nomeando 108 novos cardeais de várias origens (das Américas,
África e Ásia) diversificando, assim, a concorrência papal que virá.
A ICAR inclusiva não foi tão
ampla, mas a conectou mais à pluralidade social mitigando a rapidez da evasão
de fiéis e com diálogo mais acolhedor com outras formas de fé. As Jornadas
Mundiais da Juventude contribuíram com isso e atraiu uma patuleia mais jovem.
A maior pluralidade nacional
de possíveis novos papáveis pode contribuir – ou não – para essa
evolução no seio da ICAR. Dependerá muito do ponto de vista do sucessor, a ser
definido somente em maio. Pois vale lembrar de que a era Francisco teve muitos
inimigos.
Tais inimigos são principalmente
os políticos da extrema-direita, como Trump e Bolsonaro. Na cúpula do Vaticano, os altos prelados
ultraconservadores. Uma onda de mentiras poderá influenciar – e muito – o rumo
do conclave. Mas, e se o eleito for um progressista?
A chance do sucessor
progressista em continuar o trabalho de Francisco é certa. Se for um
conservador, o retrocesso pode dominar. Mas, nesse intervalo, tudo é especulação.
Do eleito, só saberemos quando, após a fumaça branca, o novo papa se apresentar na sacada da Basílica de São Pedro.
Para saber mais
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