quarta-feira, 23 de abril de 2025

CURTAS 87- ANÁLISES (Ideologização da fé, papa Francisco)

 

FÉ REACIONÁRIA PELO CAPITAL

                Talvez a mais profunda marca da colonização europeia e representada principalmente pela Igreja Católica, a religião exerceu papel fundamental na evolução sócio histórica brasileira. Na política, a ICAR foi instituição de Estado até 1891, quando a 1ª Constituição da República impôs a laicidade.
                Laicidade à parte, a CNBB¹ da ICAR sempre vigiava. Desde 1955, o país viveu tensão pró-golpe pelos milicos. A era JK foi possível por acordo com os militares. Nos anos 1960, o pânico do comunismo e a política agrária de Jango despertou a fúria da elite urbana e rural, apoiado por militares e ultracatólicos.
                Mais conhecido movimento sectário no Brasil, o Tradição, Família e Propriedade (TFP) foi fundado por grupo liderado pelo deputado extremista Plínio Correa em 1928, de ideal ultracatólico, antiesquerda e antimaçônico. Em 1960 assumiu o nome atual e foi abraçado pela elite e milicos protagonistas do golpe de 1964.
                Nisso, o TFP consolidou o pânico coletivo pela ideologização religiosa no Brasil, contribuindo para o regime de terror que tentou eliminar a diversidade para a higienização política. Desde então, o povo associa o citado movimento com as Forças Armadas. Mas, só que não.
                Primórdios – nos anos 1950-70, os EUA eram dominados pelo macarthismo, ideologia reacionária legada pelo presidente McCarthy. A mando dele, missionários cristãos e judeus anticomunistas vieram ao estratégico Brasil para popularizar a fé pela ultradireita. Veio então a primeira era de pânico moral político.
                Dado o intento macarthista de dominar globalmente pelo capitalismo estadunidense, os missionários cristãos alcançaram até comunidades originárias, destruindo suas culturas e resultando em intolerância a não cristãos – e fortaleceu o pânico moral político de então.
                Apesar de a maioria missionária ser pentecostal, o catolicismo se manteve hegemônico no país por mais 50 anos. Mas isso não gerou conflito inter-religioso, pois a aliança ideológica foi mais forte, incutida pelas classes abastadas sobre a patuleia, com reflexos até na atualidade.
                Ódio virtual – surgidos nas redes sociais, os novos movimentos de ultradireita (Vem pra Rua, MBL e bolsonarismo) inauguraram no Brasil a segunda era de pânico moral por ódio virtual, em que líderes religiosos deram peso às fake news difamatórias a adversários políticos.
                A bancada da bíblia teve papel coadjuvante, mas essencial ao apoiar o bem-sucedido golpe parlamentar que depôs Dilma Rousseff em 2016, impulsionado pela popularização do antipetismo. Isso abriu portas para campanhas de presidenciáveis impensáveis nas eleições de 2018.
                Foi pela nova popularização da fé reacionária que o extremista Jair Bolsonaro foi eleito – e em sua passagem se desenrolou toda a história de necropolítica e submissão aos EUA novamente contaminados pelo reacionário trumpismo. Ele liderou o pânico moral virtual, que mantém a velha essência, agora no neopentecostal, sob o manto da democracia, pelo capital.
Nota: ¹Confederação Nacional dos Bispos do Brasil.
Para saber mais
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FRANCISCO, O GRANDE

                No bloco Ligeirinhas 15 há dois artigos referentes a um dos papas mais populares do catolicismo global. O primeiro versa de forma sintética sobre a trajetória do Papa Francisco. O outro, sobre os inimigos extremistas que ele involuntariamente teve em seu papado.
                Tal como nesses artigos, neste presente será tentada a síntese da trajetória biográfica de Francisco, dada a riqueza de detalhes. Foi tentado juntar ao artigo da ideologização religiosa, mas uma certa falha de conexão foi percebida. Daí a opção por um novo texto.
                Uma vida de fé – filho de imigrantes italianos, Mario Jorge Bergoglio nasceu em Buenos Aires, em 1936. Sua juventude se voltou entre a fé praticante e alguns empregos – já atuou até como segurança de casa noturna. Teve uma namorada, que conhecera numa missa.
                Mas foi durante uma missa de ordenamento de padre que quis ser padre. Como seminarista conheceu zonas de pobreza na Itália e na América do Sul. Queria ser simples paroquiano para ajudar os pobres, mas, como que numa tramoia do destino, progrediu a bispo, arcebispo e, enfim, cardeal.
                Até 2001, Bergoglio testemunhou mudanças políticas. Conheceu e admirou as lutas de opositores do ditador Videla. Silenciado ante a captura e morte deles, foi acusado de omissão ou cumplicidade. Meio que a contragosto, sua partida a Roma ocorreu a chamado do Vaticano.
                Em Roma viu pessoalmente os papados conservadores de João Paulo II e de Bento XVI. Mas admirava Paulo VI (1963-78) por ter tirado a ICAR do medievalismo, e as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) com os vulneráveis, através da Teologia da Libertação.
                Papa a contragosto – em 2013, após 6 séculos, Bento XVI renunciou. Bergoglio foi eleito: o Vaticano queria um papa popular como João Paulo II. Deu certo: apesar da aceitação inicial a contragosto, Bergoglio, agora Francisco, de imediato ganhou a simpatia popular.
                Ser Francisco é inédito: a ICAR nunca teve um. Bergoglio se inspirou em São Francisco. Diferente dos anteriores, ele optou pela simplicidade nas vestes, nos aposentos – até no seu sepulcro. Seu papado foi agitado, humanista, de relações espontâneas.
                Nada de latim na missa. Andou entre populares, cerimoniou lava-pés com pobres, deu comida e cobertas ao povo de rua, fez a ICAR inclusiva até para a minoria multissexual – um fuzuê na Cúpula. E foi boa figura política.
                Culpou o “capetalismo” pelas desigualdades e pela destruição do planeta. Foi caloroso com lideranças democratas e frio com extremistas. Após criticar a política migratória de Trump, recebeu o vice deste em 20/4. No dia seguinte, não resistiu à insuficiência cardíaca e ao AVC.
                Legado e sucessão – Francisco deixou marcas indeléveis na ICAR. Por trás da simplicidade e carisma, ele ferrou o domínio europeu nomeando 108 novos cardeais de várias origens (das Américas, África e Ásia) diversificando, assim, a concorrência papal que virá.
                A ICAR inclusiva não foi tão ampla, mas a conectou mais à pluralidade social mitigando a rapidez da evasão de fiéis e com diálogo mais acolhedor com outras formas de fé. As Jornadas Mundiais da Juventude contribuíram com isso e atraiu uma patuleia mais jovem.
                A maior pluralidade nacional de possíveis novos papáveis pode contribuir – ou não – para essa evolução no seio da ICAR. Dependerá muito do ponto de vista do sucessor, a ser definido somente em maio. Pois vale lembrar de que a era Francisco teve muitos inimigos.
                Tais inimigos são principalmente os políticos da extrema-direita, como Trump e Bolsonaro.  Na cúpula do Vaticano, os altos prelados ultraconservadores. Uma onda de mentiras poderá influenciar – e muito – o rumo do conclave. Mas, e se o eleito for um progressista?
                A chance do sucessor progressista em continuar o trabalho de Francisco é certa. Se for um conservador, o retrocesso pode dominar. Mas, nesse intervalo, tudo é especulação. Do eleito, só saberemos quando, após a fumaça branca, o novo papa se apresentar na sacada da Basílica de São Pedro.
Para saber mais
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