sábado, 28 de setembro de 2019

Witzel e Bolsonaro: faces da necropolítica

     Outros fatos à parte, o presidente Bolsonaro e o governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel foram escolhidos por um ponto em comum: a ênfase na relação entre segurança e criminalidade cotidiana.
     Enquanto Bolsonaro se baseou na flexibilização da posse de arma por cidadãos comuns, Witzel, inicialmente um desconhecido do público eleitor, foi pelo que seria conhecido como "tiro na cabecinha".
     O pragmatismo é outro ponto. A diferença é só o alvo: enquanto Witzel 'legliza' execuções de pobres periféricos, Bolsonaro ataca na canetada diferentes segmentos sociais e adota uma política ambiental suicida.
     Os bem treinados snipers do governo Witzel são utilizados em operações aéreas e terrestres específicas, e as tropas de PMs em operações rotineiras in loco e em grupo.
     Witzel avisou que eventuais inocentes seriam atingidos. Mais de 1240 pessoas foram mortas pela PM, 5 delas crianças. Entre as sobreviventes, 11 crianças em total sem consenso entre o Viva Rio e a PM. Fora as subnotificações, claro.
     Tais números mostram que inocentes podem não ser tão eventuais assim. Embora a PM atue assim nas periferias há tempos, com frequentes falsificações processuais, a comoção com o caso Ágatha sinaliza algo mais do que simples caças a bandidos armados.
     Que o digam as supostas confusões de objetos comuns os mais variados, como furadeira, guarda-chuva, chuteira e outros, com armas ou drogas, em operações locais, resultando em dados macabros e muita dor nas famílias e em próximos.
     Necropolítica que torna o pobre um inimigo, criminaliza a pobreza.
     Enquanto isso, Bolsonaro executa outras ações em largo espectro: retira direitos do povo trabalhador, incluindo servidores públicos de baixo escalão, ataca minorias sociais diversas, persegue e mata indígenas e devasta áreas naturais e reservas.
     Necropolítica que criminaliza o mosaico nacional em nome de uma delirante paranoia ideológica.
     Duas faces complexas de uma política que usa a violência para fins de homogeneização social forçada, um nivelamento pela barbárie, como disse o escritor Walter Scheidel, em seu livro "A grande niveladora".
      Todas essas faces da necropolítica em nome do ultraneoliberalismo capitalista.
   
   
   

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Uma Cúpula (nada) democrática

     Em  paralelo à Cúpula do Clima da ONU em Nova York, tramita em Budapeste (Hungria) a Cúpula da Demografia, que reúne líderes governamentais, religiosos e de entidades do Ocidente.
     Na Hungria, o Brasil é representado pela ministra Damares Alves, dos Direitos Humanos, da Mulher e da Família. Detalhe: ela é pastora pentecostal.
     São discursos conservadores: defendem só a família formada por homem, mulher e filhos, o resgate do cristianismo e do romantismo, e negam a imigração e, é claro, a diversidade sexual.
     Os presentes acreditam que as populações ocidentais "estão encolhendo" e sendo "substituídas" por imigrantes de outras etnias e culturas. Uma visão branca e cristã de Ocidente.
     Propõem políticas públicas de incentivo a famílias tradicionais numerosas, bem como as que inibem a imigração e uniões homoafetivas, por "vontade de Deus".
     Atacam a ONU acusando-a de "inimiga das crianças" devido à educação sexual e aos direitos sexuais dos jovens, bem como o feminismo, que teria causado nas mulheres o "medo do casamento" e do romantismo.
     Rétvári, do gabinete do governo Orbán (Hungria) ataca "liberais e esquerdistas",e Damares propõe que o Brasil lidere um bloco "pró-família" na ONU na missão de construir uma "sociedade democrática". O que soa muito estranho.
     Estranho porque as personalidades da citada Cúpula representam um movimento de extrema-direita, e suas propostas de "reconstrução" social são bem autoritárias, nada democráticas.
     Uma cúpula bem antidemocrática, por sinal.

     Dados baseados em matéria do UOL.
    
     
     

sábado, 21 de setembro de 2019

Religião e política no Brasil: uma ligação nada laica

     Após quase 4 séculos, a primeira Cata Magna republicana brasileira instaura o Estado laico, que tira da fé católica o status oficial e separa a religião do Estado.
     O catolicismo reinou quase absoluto por quase 400 anos. Mas a laicidade não só separou religião e estado, como deu novo colorido no mosaico religioso e o crescer do protestantismo.
     O protestantismo já era diverso ao aportar no Brasil colônia. Mas se diversificaria mais, graças aos pentecostais da Assembleia de Deus, que arrebanham muita gente.
     Algumas dissidências da AD criaram o neopentecostalismo, que prega a teologia da prosperidade, pela qual a fé leva à ascensão social. Hoje, quase 40% dos brasileiros se declaram evangélicos.
     Uma estatística que há anos assusta o Vaticano, que fez o Brasil ser a maior nação católica do mundo, e hoje se vê ameaçado de se tornar minoria. E já sabe do motivo.
     Diferente do Vaticano, o protestantismo permite a seus líderes serem políticos. E o reflexo disso está nas bancadas evangélicas dos legislativos regionais e federal.
     Além do número de parlamentares e do seu ruído feito em determinar os rumos conservadores de política e nação, essas bancadas se valem do poder econômico de muitos líderes religiosos.
     Esse poder lhes aufere influenciar os fiéis, através de votos a candidatos em época eleitoral e dízimos às igrejas, supermercados da fé como reflexos da teologia já citada.
     A migração de fiéis evangélicos entre igrejas é paralela ao mercado oligárquico, mas diverso em produzir produtos e serviços: se esta fé não está eficaz, vai em outra, por si ou por indicação.
     Tudo isso nos leva a questionar aonde está a laicidade. De fato, a influência dessas bancadas é enorme. Mas é bom lembrar, a laicidade permite tal proximidade, é fruto da democracia. 
     Contudo, são lamentáveis violações como cultos em repartições públicas, patrocínio público de eventos religiosos e remuneração pública de pastores que arrebanharem mais fiéis.
     Além de afrontarem a laicidade, tais violações em nenhuma hipótese se justificam como reflexos da democracia, mas sim do fechar de olhos de quem devia fazer aplicar a lei. E do povo, encurralado pela temerosa submissão ao poder teocrático em curso.
     

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Por trás de Bolsonaro, um grande perigo

     Nas redes sociais se tem verificado como principal inclinação a divulgação de postagens de memes e noticiosos rasos do que que temas mais sensíveis à vida da nação. E nesse aspecto a figura mais acessada é o presidente Jair Bolsonaro.
     Por um lado é compreensível, pois sua conduta autoritária e decrépita em políticas internas se destaca junto às bravatas pseudomoralistas. Por outro, ela camufla fatos nos bastidores que potencializam interesses mesquinhos na classe política.
     Explica-se: eleito como outsider de extrema-direita fora "disso tudo que está aí", Bolsonaro ofuscou o histórico brilho de siglas como o MDB e outras de centro-direita liberal que comandavam o país mesmo como vice-presidentes.
     Bravata: mesmo com seu slogan sui generis, o governo Bolsonaro segue a cartilha da velha política do molha-mão e franco neoliberalismo. Retórica fundamentalista e censura são os seus destaques ideológicos.
     Entretanto, o grande nome dessa cartilha é o ministro Paulo Guedes, da Economia, e não bem o presidente. Ao concordar com o ministro, o presidente tem servido como um nome útil ao mercado. E é nisso que eriça os bastidores.
     Nos bastidores, alguns caciques políticos têm em mente uma fusão partidária de siglas como MDB, PSD, DEM, PP e corelatos, resultando em um partido grande.
     A intenção pública desse plano é montar uma "corrente democrática de peso" contra a tirania bolsonarista. Porém, sem perder o cerne básico do neoliberalismo. 
     O objetivo de resgate democrático pode ser muito bom para as classes populares, as que mais sofrem com a repressão. Mas é só: o neoliberalismo continuará a corroer-lhes as chances de vida digna.
     E é onde reside o perigo camuflado pela aparente benevolência da dita "corrente democrática". É continuar pagando para se ver na democracia.

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

O que está por trás da fumaça da hostilidade bolsonarista

     O presidente Bolsonaro tem chamado a atenção nacional e internacional com hostilidades dirigidas a líderes de outros países e comissários da ONU.
     Após Nicolás Maduro da Venezuela, os principais alvos têm sido Angela Merkel (Alemanha), o casal Macron (França) e, nos últimos dias, a ex-presidente e atual comissária da ONU Michele Bachelet (Chile), filha de político morto pela ditadura de Pinochet, tendo como principal motivo a política de destruição da Amazônia.
     Durante os ataques a Maduro, os ministérios se enchem de militares que substituem antigos comissionados ("despetização") e Guedes apresenta o texto original da reforma da previdência, sendo chamado de 'tchutchuca dos mais ricos' por Zeca Dirceu (PT-PR).
     Decreto presidencial retira na calada R$ 606 bilhões da Previdência Social, e também por decreto foram extintos dezenas de Conselhos de participação popular na promoção de políticas públicas. 
     O ex-secretário de governo general Santos Cruz é exonerado por criticar a conduta de Bolsonaro. Este se silencia quanto ao inquérito sobre o esfaqueador Adélio, que caduca por determinação judicial.
     Vieram os primeiros cortes bilionários de verbas para a saúde e educação, pelos ministérios correspondentes. Depois, o corte de verbas para pequenos produtores. Por suas ligações com os Bolsonaro e movimentações financeiras atípicas, o miliciano Queiroz "some" após internação hospitalar.
     Quando Merkel se tornou alvo bolsonarista, a MP da demarcação de terras indígenas e quilombolas caiu na Câmara, surge o primeiro derrame da Vaza Jato e é aprovado na Câmara o texto do relator Samuel Moreira da reforma da previdência.
     Nesse ínterim, Bolsonaro julga mentirosos os dados do Inpe sobre a devastação na Amazônia e demite o diretor Ricardo Galvão, por sua crítica às declarações e aos muitos apoios online. Derrame da Vaza Jato passa a mirar Deltan Dallagnol.
     A reforma da previdência de Samuel Moreira é aprovada pela segunda vez na Câmara. 19 medicamentos para doenças crônicas (diabetes, câncer e outros) tiveram sua distribuição às unidades do SUS interrompida pelo Ministério da Saúde, bem como a política de prevenção de DST e HIV-Aids.
     Delegado da PF imbuído de investigar o caso Marielle Franco é assassinado. A notícia veio à tona, mas foi logo abafada. Adélio tem julgamento suspenso e é posto em manicômio por alegação formal de doença mental. Novos cortes na Educação levam a protestos em todo o país, mas o MEC não recua.
     Em encontro na ONU sobre a emancipação feminina, o ministro Ernesto Araújo se aproxima dos países islâmicos em aspectos de vida sexual e reprodutiva e da violência contra meninas e mulheres, indo contra o resto do Ocidente democrático.
     Quando Macron e sua esposa se tornam alvos dos indecoros de Bolsonaro pela questão da Amazônia, o ministro Weintraub (MEC) anuncia cortes bilionários aos órgãos de fomento paralisando pesquisas. Exército é convocado a banir os incêndios florestais, mas ainda há focos ativos.
     Bom saber que os fatos apontados são apenas alguns exemplos, e podemos aguardar novidades nada alvissareiras à vista. Triste rumo...

     

terça-feira, 3 de setembro de 2019

Amazônia: velhos problemas, sérias consequências futuras

     Em agosto último, o ecocídio amazônico incentivado por Bolsonaro repercutiu no mundo, gerando preocupação, ameaças de sanções econômicas e piora da imagem do Brasil no exterior. Nas redes sociais, cenas de destruição e morte em foto e vídeos. Protestos pipocaram pelo país todo e até lá fora.
     Inpe e entidades estrangeiras mostram dados aterradores. No Globo de 2/9/2019, a revelação: devastação recorde em 9 anos.
     Mas, a destruição não é um problema novo, e não se restringe à Amazônia. Mata Atlântica, Caatinga e Cerrado foram alterados em sua maior parte há muitas décadas.
     A política ambiental brasileira é complicada, apesar da presença do Brasil em vários acordos internacionais. O problema? Pressão de gente "de cima".
     Na era Lula, a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva travou várias licenças ambientais de empreiteiras na Amazônia. Apesar de menor, a devastação não foi eliminada.
     Políticos empresários impõem atenuantes legais que incentivam a impunidade de crimes socioambientais: utilização de trabalho escravo para explorar ilegalmente os recursos e matança de líderes de povos originários e tradicionais. Os governantes de ontem e hoje são culpados em fechar os olhos para a barbárie.
     O que diferencia Bolsonaro dos demais é o incentivo explícito, como foi claro no Dia do Fogo, cometido por fazendeiros e milícias da região. Ele só recuou com as ameaças internacionais mais incisivas e convocou o Exército para conter o estrago.
     O saldo da destruição ainda não totalmente minada preocupa cientistas, que já temem uma situação irreversível para a recuperação florestal natural e o clima.
     Grandes florestas tropicais úmidas respondem pelo ciclo de litros incontáveis de água e distribuição de chuvas em nível continental, via "rios voadores", massas de umidade movimentadas para o centro-sul brasileiro e fronteiras hispânicas.
     A alta umidade dessas florestas responde também por sua manutenção. Diferente do que ocorre em florestas em climas mediterrâneos, nas quais incêndios cíclicos naturais contribuem para a sua renovação.
     Também são as maiores massas vegetais fotossintetizantes em terra firme, só superadas pelas algas (fitoplâncton e cianobactérias).
     Dados científicos indicam que a devastação continuada da Amazônia cessará o fenômeno dos "rios voadores", levando à drástica alteração de outros biomas e à escassez severa de água a grandes urbes e campos do centro-sul.
     Os demais biomas serão diretamente ou indiretamente alterados e as dificuldades sociais serão ainda mais profundas devido à carestia extrema e à má disponibilidade de alimentos e água potável. Fora a perda irreversível de biodiversidade.
     O plano social poderá ser dramaticamente afetado. Nosso construto cultural tem forte ligação com os recursos da fauna e flora nativas, como a medicina caseira e as tradições de fés xamânicas indígenas, africanas e espiritualistas.
     Embora pareça filme de ficção, tais consequências de um ecocídio não restrito à Amazônia, mas principalmente amazônico preocupam as autoridades no mundo por sua base científica. Daí ser compreensível a ameaça de sanção internacional ao Brasil.
     O que poderia, nesse futuro ainda hipotético, ser catastrófico em proporções gigantescas, nem pensadas ainda em hipótese.
     


     
     

CURTAS 98 - ANÁLISES (Brasil- Congresso)

  A GUERRA POVO X CONGRESSO                     A derrota inicial do decreto do IOF do governo federal pelo STF foi silenciosamente comemo...