quinta-feira, 28 de maio de 2020

Recrutar jovens: militarismo ou milicianismo?

     A política armamentista já era promessa de campanha de Bolsonaro, para chamar o apoio de classes médias desgostosas com a histórica ineficácia no combate à violência urbana. Como se isso não fosse um problema dos Estados.
     Além de associar a vergonha ao PT, os asseclas do bolsonarismo (alguns na mira da PF por ordem do STF) prometeu militarizar as escolas públicas no mote de "salvar as jovens gerações pela disciplina". Tanto é que, antes do Corona, as redes sociais eram lotadas de fotos, vídeos e notícias sobre esse tema. Claro, alguns desmentidos.
     Passada a eleição e 2019, nada. Estamos em meio de 2020 e nada. Mídias oposicionistas tiveram tempo de sobra para desmistificar essa política, e agora em maio, um evento revelaria segredos ligados à militarização das escolas. Com a ajudinha do Corona.
     Em 22/4 ocorreu a reunião ministerial. Mas nunca foi noticiada, até ser revelada em rede de massa em 22/5, após o vídeo parar no STF, que recebeu denúncias de irregularidades e pegou para analisar. Quem analisou? Celso de Mello, o mesmo que está com pedido de impeachment de Bolsonaro em mãos.
     O vídeo não mostrou o que deveria ser uma reunião de governo, mas de mafiosos.
     Em cena, Guedes deu sugestão daquelas: recrutar 1 milhão de jovens nas FFAA, em forma de "primeiro emprego" remunerado em R$ 200 mensais, via alistamento e seleção normais.
     A princípio, a geral engoliu como dar forma à política armamentista genérica defendida por Bolsonaro. Faz sentido. Só que há outra, subjacente e tão perigosa quanto, se revelando a partir do imenso contingente de ingressados, bem maior do que o normal.
     Por trás dessa beleza de segurança há uma feiura. Segundo Guedes, eles passariam 1 ano treinando usos de armas diversas e... como não há garantia de progressão em carreira militar, mesmo se houver interesse, sobraria que opção? É só pensar.
     A ideia absurda bate com a defesa de Bolsonaro da milícia legalizada como uma segurança alternativa em periferias pobres urbanas, como "reforço" às PMs estaduais. Por terem posse e porte de armas, os jovens já qualificados "protegeriam suas famílias".
     A família Bolsonaro, incluindo o presidente, defende as milícias há muito tempo, mesmo se esquivando das sucessivas investigações das mortes de Marielle Franco e de duas juízas que, antes, condenaram milicianos por outros crimes.
     O presidente negou intenção de golpe apesar de admitir "ser muito fácil" no momento. Mas, como diz o professor Paulo Ghiraldelli no youtube e em seu blog, ele quer a democracia não por gostar, mas porque as milícias "gostam da democracia", e ele se aproveita esgarçando os limites da lei.
     O apontamento de Ghiraldelli bate com a minha observação de que a sobrevalorização das milícias se iguala ao mesmo gesto sobre as igrejas evangélicas como substitutas do Estado em atenção pública, mesmo sem qualificação para tal.
     Além de formar um tripé formado por famílias armadas, milícias com PMs e s igrejas, essa política explica também as alianças sinistras das igrejas com o tráfico em algumas favelas, um fenômeno, o narcopentecostalismo, já estudado desde 2013.
     Em comunidades dominadas pelas milícias, aliança idêntica se verifica, mas desta vez com esta organização criminosa. Esse fenômeno, mais sutil, pode ser observado localmente. E se concretizar a sugestão de Guedes, será desses locais a maior parte desses jovens nas FFAA.
     E assim, se formaria um governo que, ao prezar o militarismo, mas defender a segurança paralela, cuja principal atividade, na prática, será reforçar a política de extermínio de todos os incômodos: políticos opositores, movimentos sociais e minorias em geral, fundará o novo fenômeno militar: o milicianismo.
   

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Youtube Paulo Ghiraldelli: https://www.youtube.com/channel/UCBMKrkHv07GoYb5ITLt0sYQ/videos
   

terça-feira, 26 de maio de 2020

Monarquia: solução à crise sociopolítica?

     Numa roda de conversa, são captadas algumas mensagens que remetiam à possibilidade de restauração da monarquia no Brasil. Esse assunto se encontra forte em alguns grupos por conta da explosiva crise política encabeçada por Bolsonaro.
     Quem nunca se atentou ao assunto antes achará que isso é de momento, principalmente com dois impeachments só na Nova República (1985-hoje). Mas, a ideia é bem antiga, vem desde os início da República.
     Mas, por que a monarquia? Será ela uma solução para os problemas sociopolíticos do Brasil? Antes de responder às perguntas, vale identificar uma corrente que surge com esse movimento: o monarquismo.
     Fundado por herdeiros da família imperial, o monarquismo é uma corrente ideológica que apregoa a manutenção ou retorno da monarquia como regime no Brasil. Há dois grupos, o colonialista e o imperialista, sendo este o majoritário.
     Os colonialistas defendem o reino à moda europeia. Já os imperialistas, o retorno da família imperial ao poder, com governo parlamentarista.
     Os seguidores acreditam que a República foi um golpe militar que trouxe forte corrupção e problemas políticos e sociais. É compreensível.
     De fato a República foi um golpe militar comandado por Deodoro da Fonseca. Floriano Peixoto se recusou a montar resistência imperial e ainda sucedeu Deodoro na presidência. Os monarcas se exilaram na França, levando um pequeno saco de terra, com o qual D. Pedro II seria enterrado conforme desejara.
     Monarquistas creem que o Brasil império viveu estabilidade sociopolítica. Só que não. D. Pedro I foi impopular até falecer, em 1836, pelos gastos exorbitantes de dinheiro público na Casa. Com D. Pedro II, o Brasil virou palco de revoltas como a dos Farrapos (1835-45), da Garrafada (1831) e da Cabanagem (1834-40).
     A Guerra do Paraguai (1864-70) endividou fortemente o país e fez escravos como soldados, com muitas baixas. O que piorou a nódoa do sistema escravista no Brasil imperial.
     A maior parte da população era analfabeta e rural. Prevista na Constituição de 1824, a política de educação em massa só sairia do papel com a emergência da economia industrial e urbana no país, em plenos anos 1930.
     Segundo os monarquistas, a corrupção seria quase nada se o Brasil ainda fosse império, devido ao poder moderador, pelo qual o imperador poderia demitir os parlamentares acusados e mesmo o primeiro-ministro. Mas, na prática...
     Houve corrupção e outros males, como nepotismo, compra de títulos e troca de favores. A família de D. João VI se fixou no melhor local carioca, via troca de favores com o traficante de escravos Elias Lopes, que teve títulos de nobreza. D. João VI "gerou" mais marqueses, condes, barões e viscondes do que Portugal em 700 anos. Antes dele, terras públicas e privadas daqui eram usadas como moedas de troca e a "caixinha", cobrada do povo para comprar títulos. 
     Essas práticas contagiaram os pobres devido ao aperto burocráticos e centralistas, herança lusitana, agudizando-se no Império. O cafezinho após o almoço no restaurante surgiu quando os funcionários públicos, nobres na época, diziam: "se pode servir o almoço, por que não pode o mesmo com café?". Dessa cultura de privilégios vem a elite egoísta e preconceituosa e muito burocrática que conhecemos.
     A intensa burocracia que se agudizou no Império corrompeu os mais pobres, que juntavam pó de pirita ao ouro para vender mais caro para os aventureiros, e esconder cargas preciosas em imagens de santos para escapar de impostos pesados, surgindo o dito "santo do pau oco", para apontar o esperto que se faz de bondoso. Daí o atual jeitinho brasileiro, fruto da necessidade de sobrevivência.
     Embora imorais e tipificadas no atual código penal como delitos, as más práticas são muito frequentes, algumas delas bem sofisticadas, graças à evolução digital no sistema bancário. O que demandou da parte de instituições como a PF e o MP inteligência artificial para chegar às evidências criminais e seus autores. 
     Ainda assim, os monarquistas dizem que falta o poder moderador. Na verdade ele não se extinguiu, apenas foi transformado em entidades independentes e auxiliares do judiciário: PF e MP, que atuam sobre crimes contra o erário público, inclusive o nepotismo.
     Claro que D. Pedro II foi um visionário em alguns aspectos. No meio ambiente, recuperou grande extensão de terras tornadas públicas após falência do café, resultando na atual Floresta Nacional da Tijuca. Na imprensa também. Assim como tivemos presidentes com desempenho razoável em algumas políticas, como Vargas, JK e Lula. Apesar dos pesares. 
     Mas, com a escravidão foi contradito, através de concessão de alforrias, mantendo o tráfico de escravos. O herdeiro e hoje deputado federal Luis Phillipe de Órleans e Bragança, disse no ano passado que escravizar "é aspecto da natureza humana", justificando a herança escravista no abismo socioeconômico e no racismo, mesmo dizendo que "a família imperial tem sangue negro".
     São contradições que correram na história brasileira desde os seus primórdios coloniais até hoje. Fosse hoje monarquia e Bolsonaro imperador, ele esgarçaria o regime, as leis e o estado democrático de direito, com intensa criminalidade no poder, exatamente como faz agora. E os monarquistas de hoje clamariam pela... República.
     Portanto, o problema não está no regime, se monárquico ou republicano. O problema está em quem governa e a qualidade de seus relacionamentos, resultante muito mais numa história de valorização do engodo em detrimento de uma educação que fomente a cidadania partícipe da vida política. Essa, sim, é a grande "salvação da pátria".


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Com informações baseadas em Wikipédia, Uol política e Aventuras na História.
     

     
     

segunda-feira, 25 de maio de 2020

Reunião ministerial do crime

     A reunião ministerial ocorreu no Palácio do Planalto em 22/4, mas aparentemente não despertou interesse da geral. O interesse veio após o já ex-ministro Sérgio Moro depor sobre um vídeo não divulgado da mesma.
     O motivo: a interferência do presidente na instituição no RJ e em Brasília para impedir o progresso de investigações contra seus filhos Flávio e Carlos.
     Além da evidente interferência, o decano do STF Celso de Mello, ao avaliar o vídeo na íntegra, descobriu um conteúdo muito pior do que se pensava. Estarrecido, ele autorizou divulgar na mídia. A cobertura maior foi da Globo News.
     O vídeo estarreceu geral. Muitos palavrões em tom explosivo verteram de quase todas as bocas ali presentes. Alguns ficaram mudos. A metralhadora de Bolsonaro, foi a campeã com 29 do total de 41 do xingatório contabilizado pela imprensa.
     "Não vou esperar foder minha família [...] Se tiver que trocar, eu troco e ponto final", explodiu, sobre as nomeações da PF, em desafio ao STF. Em vários momentos, "puta que pariu", e outras finezas.
     "Vamos vender essa porra do Banco do Brasil logo", bradou explosivamente o ministro Paulo Guedes. Ele mandou o povo "se foder" em aplicações em bancos privados, que cobram taxas maiores, após a entrega do BB.
     Presidente da Caixa, Guimarães também se referiu à própria instituição como "merda" em um momento de sua longa e confusa fala, que envolveu a detenção da mulher e filha de um amigo no Rio que havia furado o isolamento numa praia.
     Os governadores também foram taxados: Doria (SP) de bosta, e Witzel (RJ) de estrume, respectivamente. O motivo, obviamente, é a defesa destes ao isolamento social para retardar a velocidade de crescimento de contaminações e mortes pelo Corona.
     Detalhe: o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio, também foi xingado em evento anterior, por conta do caos provocado pelo descontrole da doença na cidade, que enfrenta um colapso sem precedentes na saúde e no funerário.
     Não bastando os palavrões, a verborreia de ofensas marcou a reunião que mais pareceu um encontro de botequim ou, certamente, de mafiosos da Cosa Nostra. Se é que estes chegavam a tal nível nas suas reuniões do passado.
     "Tem que prender todos os vagabundos aí, a começar pelo STF", bradou Weintraub, que atacou a instituição "que não serve para nada". A ofensa foi também dirigida ao Congresso Nacional devido à possível votação de impeachment.
     "Tem que prender todos os governadores e prefeitos", propôs Damares, para demonstrar apoio ao presidente. Ao tratar sobre a contaminação dos índios pelo Corona, delirou como se fosse uma atribuição dos governos anteriores. 
     Outro que delirou absurdo foi o Salles, do Meio Ambiente: "Temos que aproveitar e passar a boiada em cima (da Amazônia), aproveitando a distração com o Covid". Com que Guedes concordou dizendo que "vamos ganhar muito dinheiro vendendo tudo isso aqui".
     Fala recorrente de Bolsonaro foi sobre armar todos os brasileiros: "todos os brasileiros de bem têm que ter armas, pois vai ter uma guerra aqui", sugerindo distribuir armas para a geral. E emendou: "É muito fácil tocar uma ditadura aqui, tem que armar todo mundo!", de modo a selar a sua política de caos e morte.
     Entre os poucos calados estavam os ex-ministros Moro, Teich e o vice Mourão. O segundo parecia não esconder o nervosismo, ou medo, que afirmou ter sentido na reunião, numa entrevista neste dia 24/5 na Globo News.
     É perfeitamente razoável a definição dos ministros do STF para o vídeo: "um festival de horrores", de tão baixo o nível e espúrias e criminosas as intenções da equipe de governo. É de assustar e atemorizar qualquer pessoa minimamente consciente da liturgia dos cargos.
     As propostas são muito mais do que frutos de uma política alucinada e estapafúrdia. São mais do que insanas. São criminosas, contra a democracia e a soberania, e merecem uma punição exemplar. Mas, isso vale para o STF.
     Quanto à reunião, dada a urbanidade protocolar exigida nas liturgias dos cargos ocupados, resta finalizar: mais pareceu mesmo uma reunião de perigosos serial killers influentes, uma autêntica formação de quadrilha.
     

     
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sábado, 23 de maio de 2020

Necropolítica, a um passo da ruína

     O artigo promete ser longo. Peço desculpas, mas é inevitável, face às novas informações que mostram como a morte se torna maior.
     Após o MS divulgar mais de 800 novos óbitos em 24 horas subindo para mais de 15 mil, Jair Bolsonaro faria um pronunciamento às 20:30h. O que desencadearia os panelaços em todo o país, planejados em redes sociais.
     Ele desistiu, com um triunfo na manga: já sabia do protesto e de um manifesto de seus apoiadores no domingo em frente ao Palácio, para por o seu plano final em ação.
     Ele se aproveitou da crise pela demissão de Nelson Teich por divergências nos protocolos profiláticos e de tratamento, para difamar o isolamento em favor da economia, gerando catarse entre seus fanáticos apoiadores de classe média empresarial.
     Mas, maior foi a razoável indignação com a insensibilidade do presidente que, como chefe de Estado, deveria prestar condolências em cadeia de comunicação em massa.
     Surge novo pedido de impeachment no próprio STF, pelas mãos do decano Celso de Mello. Um peso grande: o presidente não tem imunidade perante a mais alta instância judiciária.
     Mais de 60% dos brasileiros se alegram. Pelo risco de falência institucional e econômica e pelo vídeo comprometedor da reunião ministerial com depoimento de Sergio Moro, o tempo para decidir urge, e ruge. E os ministros do STF sabem disso.
     E veio a semana. Na noite desse dia 19/5, 1179 mortos em 24 horas, segundo o MS. Pelo andar da carruagem, um patamar previsto. Mas, para muitos, não a reação de Bolsonaro, que gargalhou: "Nada posso fazer. Quem é de direita toma cloroquina e quem é de esquerda toma tubaína".
     A piada insana foi parar nas paradas das hashtags das redes sociais. A princípio, houve uma vaga referência ao refrigerante Itubaína, que logo foi substituída pela da intubação do paciente grave de Covid-19. Errado: a referência foi outra, essa sim, terrível.
     Tão cruel quanto qualquer outra tortura, a tubaína foi um método de origem da inquisição medieval, consistindo em enfiar na boca da vítima um cano curto encimado por um funil, onde era vertida a água utilizada para afogamento. Foi tão comum quanto o famoso pau-de-arara.
     A repercussão desse aumento estatístico divulgado por todas as mídias a partir de centros de pesquisas em saúde, como o do estadunidense Johns Hopkins, foi claramente negativa. Não bastasse o ainda não esquecido caso Amazônia, o mundo desenvolvido se volta não contra o Brasil, mas contra o seu governante.
     Após nova ameaça à OMS de suspender os seus preciosos dólares solidários devido a um novo anúncio igualmente solidário da China (um embate tão ideológico quanto econômico), Donald Trump não só soube de novos dados da nossa triste estatística, na quarta-feira.
     Os novos saldos do MS foram anunciados a ele pelo Johns Hopkins Institute nos EUA, via grande mídia: 881 vítimas fatais no novo total de 310 mil "coronados". Foi a senha para o balde de água fria de Trump: "não quero essa gente vindo aqui e infectar o nosso povo".
     Spoiler: imaginem se aqueles deportados pelos EUA chegassem agora. Doce ironia...
     Mais balde de água fria ainda: mais 1001 mortes em 22/5 e quase 331 mil infectados pelo Corona. Por enquanto, sem nova fala pública de Trump apesar da repercussão no mundo. Nem precisa, ele já deu seu recado.
     Os números tétricos, mesmo oficiais, confirmam o que a imprensa internacional e a OMS já sabem: o Corona virou uma tragédia brasileira. Isolado política e sanitariamente, sob risco de falência institucional, chefiado por verdadeiros assassinos profissionais de terno e gravata, o país parece à deriva num mar infindo, sem sinal de ancoragem no horizonte.
     Mas, o Corona caiu como uma luva para Bolsonaro. Não por acaso ele festejou intimamente a cada 24 horas de dados do MS, com direito a churrasco no iate no meio do Paranoá. Para qualquer líder de uma nação em tragédia, o normal era prestar condolência pública.
     Mas Bolsonaro não faz condolências por ignorar o remorso e qualquer sentimento nobre. Até aos filhos, que chama de 01, 02, 03 e 04, que são seus reflexos ideológicos da violência e ódio antissocial profundo. Só os ricos interessam. Mesmo sorrindo, expressam olhar rancoroso e postura agressiva. 
     Essa influência gera reflexos também no Estado policial, cujo terror imposto aos pobres das periferias teve aumento considerável desde o ano passado. Em 2020, como se não bastassem as mortes pelo Corona, a atuação da PMs estaduais completa os ideais genocidas de Bolsonaro. 
     E a essa tragédia toda Bolsonaro sorri satisfeito. É a concretização de sua política, da busca de um poder absoluto ("quem manda sou eu"), só alcançado na ideia de que não se deve ter ninguém para atrapalhar. Isso ficou visível na reunião ministerial de 22/4, que será falada no próximo artigo.
     Um poder absoluto irreal que vale o exemplo dos déspotas do passado para hoje, resumido na máxima popular: "quanto mais alta a montanha, maior a queda".


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Crédito da imagem da charge: Google
Com base em: Veja, Uol e pílulas-diárias.
     

quinta-feira, 14 de maio de 2020

O churrasco necropolítico: ele não é louco

     Desde o último sábado 9/4, quando o MS passou às mídias o saldo oficial de mais de 10 mil mortos pela epidemia de Corona, houve uma repercussão, tanto internacional quanto nacional, do lazer presidencial nesse dia.
     Vamos ao breve histórico.
     Durante a semana antes desse fatídico dia, diante de novos números, Bolsonaro declarou querer fazer churrasco no sábado para umas 30 pessoas, entre familiares, amigos e alguns "servidores humildes" próximos.
     A declaração bateu como pedrada na cara de muitos, que meteram uma saraivada de críticas nas redes sociais. Até que, na quinta, o presidente disse que "o churrasco é fake news" e ofendeu os jornalistas. 
     Mas, no citado sábado, foi filmado deslizando sobre as águas com um jet ski, assessorado por um segurança. Conforme mostrado pelas mídias em geral, encontrou os amigos que os esperavam num barco, com uma pequena churrasqueira a bordo.
     Sim, verdade. Uma declaração falsa sobre outra. Mas a anterior, sobre o churrasco com 30 convidados, foi meia verdade apenas, pois não foi num quintal de casa ou em granja, e muito menos para tanta gente. Foi mais familiar.
     Mas, o que interessa mesmo a este artigo não é o lazer, é a indiferença aos sentimentos de mais de 11 mil famílias e grupos próximos que choraram e enterraram seus mortos. Em geral o consideram um tosco louco. Só que não...
     Como foi explicitado em artigo anterior, ele tem um perfil muito compatível com o de um psicopata, uma personalidade fria e calculista que não tem remorso nem sentimentos, capaz de qualquer coisa para atingir seus objetivos. O tipo de pessoa para a qual os fins justificam os meios - e é aí que mora o perigo.
     E com o tipo tão explorado no cinema, aquele que com frieza e calculo ceifa vidas com o requinte do açougueiro que corta uma carne enorme nas peças vendidas a preços diferentes em seu comércio.
     Segundo Beatriz Barbosa, autora de Mentes perigosas, o psicopata assassino de cinema é minoritário; a maioria é de manipuladores narcisistas e 171. Mas os dois tipos têm em objetivo em comum: alcançar o poder. A diferença se vê nos meios. 
     O cargo de presidente da República é o poder máximo, mesmo com limites. É o líder que, no nosso regime, conduz a nação. E o poder alcançado não é para qualquer um. 
     Qual deles é o mais perigoso? A princípio, o assassino, afinal ceifa vidas. Mas, Bolsonaro parece atípico como sendo, aparentemente, uma soma dos dois tipos. Em sua vida atribulada de caráter duvidoso, há acusações de terrorismo, além dos enroscos políticos.
     Para justificar seus meios, Bolsonaro aponta a proteção de seus filhos de caráter igualmente duvidoso. E a "salvação econômica" para justificar abrir tudo, e agora lançar uma MP segundo a qual quer se livrar da culpa pelas aglomerações e consequente mortandade.
     O problema não é tanto a MP, mas o perigo representado por seu autor. E, não contente, ele assinou decreto repassando ao Ministério da Agricultura o aval para transferir à iniciativa privada as áreas naturais preservadas públicas. Incluindo reservas indígenas.
     Pior: ele não está sozinho. Tem a ajudinha de seus ministros, cada qual executando, ainda que tropegamente, seus planos contributivos em nome de sua família e de mostrar absoluto poder sobre as instituições, as leis e a nação. Todos escolhidos a dedo, cuidadosamente.
     Não, não é louco. Mas precisa ser parado imediatamente.

domingo, 10 de maio de 2020

Corona: no Rio, a "seleção natural"

     Imagens terríficas de corpos mortos ensacados em plástico em macas nos corredores e em camas ao lado das dos vivos internados caíram nas redes sociais repercutindo no país e no mundo.
     Igualmente, imagens de covas coletivas em que se enfileiram caixões ou de construção de novos gaveteiros viralizam nas redes sociais. Do Brasil e do mundo.
     Diante disso, junto aos novos decretos de proteção social profilática, a ascensão mais veloz do Covid no país, junto à indisciplina de grande parcela popular, em parte sob a influência de Bolsonaro, batem cabeça em busca de novas estratégias de contenção do flagelo.
     Uma delas é o estrangeiro lockdownexpressão inglesa que significa um "trancamento", em tradução literal. O que já expressa claramente o retrato do caos na saúde. Foi decretado em alguns estados, como Maranhão e Amapá, entre outros.
     Entre os Estados do centro-sul brasileiro se reluta decretar lockdown: Doria e Witzel supõem haver fortes riscos. O Sudeste é ainda concentra quase metade das confirmações de infectados e mortos no país.
     Mas um tópico inusitado, tema deste artigo, é a criação de um protocolo de pontos** pelo qual, quanto maior a soma de pontos de risco, mais atrás na fila de espera ficará o paciente confirmado ou suspeito de Covid.
     Algo que, em análise bem fria, se torna análogo à seleção natural de Darwin*.
     Na natureza, os seres vivos evoluem graças a fatores ambientais e genéticos. Os mais aptos podem a transmitir aos descendentes seus melhores caracteres. Já os menos aptos, doentes ou com mutações genéticas, tendem a desaparecer. É a seleção natural.
     Charles Darwin não criou a teoria da evolução por seleção natural num piscar de dedos. Foi minucioso em seus experimentos em campo, bem como nos estudos em laboratório, em pontos como anatomia comparada, anomalias, etc.
     No campo, viu que as condições ambientais influem em mudanças nas populações, levando ao domínio de caracteres adaptados ao que se tem. Com ajudinha de raras mutações positivas, que influem nesses caracteres.
     Darwin percebeu que mutações negativas são as que impõem caracteres que abreviam seu potencial adaptativo. Em humanos, a síndrome de Marfan, anomalia dos tecidos conjuntivos, gera sequelas aórticas e cardíacas que levam a cirurgias de tempos em tempos.
     A síndrome de Marfan é apenas um dos muitos exemplos de mutações genéticas que causam abreviações assim. Há outros simplesmente incompatíveis com a vida, ao ponto de a gestante sofrer um aborto espontâneo.
     Em muitos casos, os fatores de risco relativos ao Corona podem estar ligados a mutações genéticas (história familiar ou implícita), como muitas doenças crônico-degenerativas, alergias, autoimunes, cardiovasculares, renais, câncer, etc.
     Pelo protocolo, se um paciente suspeito de Corona somar o número de condições clínicas crônicas prévias e idade, vai ficar atrás na fila. Quanto maior a soma, mais atrás. Sob o risco de morrer ali mesmo, sem socorro. 
     Na fria imposição da natureza, em sua busca inexorável pela restauração do equilíbrio, isso é um mecanismo de seleção natural. Mas, humanamente, já é uma cruel jornada entre a possível oportunidade de sobrevida e a morte em definitivo.
     É inevitável se perceber que o Coroa desperta mais essa lição, como agente seletivo do que a tecnologia médica busca sempre driblar. Mas, humanamente, o protocolo se tona instrumento do quanto a seleção artificial imita, ainda que grotescamente, a natural.
     Mas, finalizando: Charles Darwin não tem culpa nenhuma pelo nosso caos. 

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*Nota da autoria 1: a explanação sobre a teoria da evolução por seleção natural de Charles Darwin foi simplificada visando facilitar a compreensão dos leitores e traçar a analogia com os tópicos do tema do artigo. 
**Nota da Autoria 2: após a repercussão nas mídias, não sei dizer se o protocolo de pontos foi decretado ou cancelado, uma vez que não consegui acesso a notícias sobre.

domingo, 3 de maio de 2020

"E daí?": o esgar genocida

     "E daí? Lamento, não posso fazer nada. Me chamo Messias, mas não faço milagre".
     O bordão de Bolsonaro foi uma resposta à pergunta de um jornalista sobre a cifra oficial de 5017 mortos por Covid neste dia 28 de abril, superando o recorde chinês de mais de 4800 no pico epidêmico local.
     A fala se acompanhou de um desprezível dar de ombros e esgar de frieza misturado com irritação por se sentir contrariado.
     Enquanto isso, milhares de brasileiros no território todo se perdiam entre a tristeza da perda de entes queridos e o desespero de atendimento em unidades de saúde lotadas e profissionais esgotados e sacrificados.
     Mas, não é a primeira vez que Bolsonaro dá mostras de sua verdadeira faceta. Ele já mostra desde antes de entrar na vida política.
     Bolsonaro entrou na AMAN (Academia Militar das Agulhas Negras) em 1973, e em escolas militares se qualificou artilheiro, paraquedista e se graduou em Educação Física. Em 1986, se tornou capitão. Mas recebeu apelidos pejorativos como "Bunda suja" e "Cavalão".
     Agressividade com colegas, tendência à indisciplina, indiferença à hierarquia e à ética de lealdade institucional. Desempenho de trabalho irregular Ganância financeira que levou a um garimpo irregular na Bahia e a planejar explosões em banheiros de vários quartéis.
     Por tudo isso, somando-se a a acusação de terrorismo por desconsiderar danos estruturais e à vida de seu plano felizmente frustrado, Bolsonaro foi severamente advertido, mas parece que não se importou. E terminou preso.
     Caiu na reserva e saiu do Exército em 1988, aos 33 anos. Embora a ficha militar descreva alguns dados importantes, a partir da qual foi decretada a saída da carreira militar, a família refuta veementemente qualquer coisa nesse sentido.
     Foi para a política, no mesmo ano de 1988. Melhor oportunidade financeira com direito à vida nababesca sem esforço não há. No Rio de Janeiro, seu reduto eleitoral até hoje, foi eleito vereador, e depois, deputado federal por 7 mandatos.
     Se na vereança foi discreto, como deputado se sentiu à vontade. Apenas 3 de suas mais de 100 propostas legais foram aprovadas, se destacando mais por sua verborreia ideológica contra pautas das minorias sociais, diversidade, esquerda e direitos humanos em geral.
     Colegas partidários de esquerda eram suas vítimas maiores. Suas prediletas foram Maria do Rosário (PT) e Jean Wyllys (PSoL), a quem dirigiu ofensas e provocações várias vezes, sendo processado por danos morais. Indenizou, mas continuou o desdém.
     Houve vários processos judiciais, em especial por racismo, homofobia e ofensas sexistas, com perda de causas na maioria. Uma das ex-esposas chegou a acusá-lo de agressão, mas logo recuou.
     A lista de processos judiciais não parou aí. Houve outros, principalmente relacionados com homofobia e racismo, em que perdeu causa. Uma das ex-esposas chegou a montar acusação por agressão, mas voltou atrás.
     Na questão da segurança, tem defesa polêmica às milícias do Rio de Janeiro como forma de segurança em subúrbios e comunidades, e não escondeu as ligações, suas e de seus filhos, com pessoas da milícias, com exemplos já conhecidos, antes de ser presidente.
     Foi eleito nos alicerces de cristofascismo, propriedade privada, família, posse de arma para "cidadão de bem", maior poder às organizações de Edir Macedo, R. R.Soares e Silas Malafaia, pela defesa à ditadura militar e contra a ciência e a esquerda.
     A ideologia agressiva, em resposta "a tudo que está aí", criou um fã-clube violento que, atiçado pelo presidente, acumula vários registros de ataques a opositores e diferentes. Mesmo hoje, com Coronavírus e tudo.
     Negando a realidade do Corona, Bolsonaro mostra mais de seu caráter: ao invés de notas condolentes, sorria a cada 1000 mortos. Nas 5017 vítimas, o frio e antissocial bordão E daí?. E, sem remorso, ainda nega sua responsabilidade pelas mortes.
     Interessante é que a subida da curva epidêmica de Corona no Brasil coincide com o 31 de março, dia do golpe militar de 1964. Desde então a curva de mortes e infectados aumenta exponencialmente. E ele segue sorrindo e aglomerando gente por aí.
     Em 30/04, a cifra fatal de 6.267, superior à soma de todos os países da América do Sul que apresentam dados oficiais. Mais um sorriso satisfeito, lógico.
     E, atualmente, com quase 100 mil casos infectados e mais de 6.700 mortos, Bolsonaro foi a Goiás, onde aglomerou populares em sorrisos, selfies e contatos físicos. E dá de ombros.
     Sua indiferença não se resume à vida do povo brasileiro. Causa preocupação internacional com notas de repúdio de governantes e instituições como a ONU e a OMS. A economia cai mais ainda e o ministro da Saúde continua perdido.
     Em resposta a todos que se sentem incomodados ou a alguém da sua equipe que trabalhe diferente de sua "lei", ele ameaça. Desde o início de seu governo. E se vitimiza a cada problema que o acuse. Aliás, nunca falou nada razoável até hoje. Mas... foda-se.
     Com a saída de Moro, em depoimento em Curitiba, e notícias-crime de ministros do STF, o destino de Bolsonaro vai se reconfigurando devagar, a prestação. Enquanto isso, sorridente, ele continua de boa, sem remorso algum. Que se danem!
     Somando-se dados da ficha militar e as condutas até hoje, vale lembrar de Beatriz Barbosa, psiquiatra, autora de Mentes perigosas: ela certamente apontaria Bolsonaro como alguém com perfil psicopata ou sociopata. E dos perigosos.
     E segue o baile. Enquanto não o convocam para julgamentos, tanto aqui no Brasil quanto no Tribunal Internacional de Haia, ele segue a sua proposta necropolítica. Com o satisfeito esgar de um genocida.

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Crédito da foto: printandonews-instagram (via Google).

CURTAS 98 - ANÁLISES (Brasil- Congresso)

  A GUERRA POVO X CONGRESSO                     A derrota inicial do decreto do IOF do governo federal pelo STF foi silenciosamente comemo...