terça-feira, 26 de julho de 2022

Análise: reflexos cotidianos do bolsonarismo

 

        Brasil, 2013-16: na era Dilma Rousseff, eclodiram nas ruas das cidades de médio e grande porte grandes manifestos populares contra decisões vindas de Brasília. PMs dos Batalhões de Choque e colegas à paisana, os P2, partiam para o sarrafo. 
        Povo entre a geral, vândalos para a grande imprensa, massa de manobra para o capital e seus políticos, a patuleia na rua foi um mosaico, de esquerdistas a direitistas. Houve um grupo separado, de verde e amarelo, nas ruas nobres: os coxinhas, antepassados dos ferozes fanáticos bolsominions.
        Brasil, 2017: na era Temer, o 'vampiro golpista', geral ocupa as ruas contra as reformas previdenciária e da CLT, mas a desta última prosseguiu. O bolsonarismo avança com forte apoio da imprensa e mercado financeiro.
        Brasil, 2018: o atípico pleito marcado pela polarização entre PT e Direita elege o extremista Jair Bolsonaro. Símbolo da moralidade entre os coxinhas, Bolsonaro abriu a caixa de Pandora que verteu toda a sujeira ética e moral de uma cultura mal aparada pela falta de educação cidadã.
        Bolsonaro conquistou popularidade pelo seu jeito tosco e sem nenhum tato, com impressão de franca honestidade. Só que não...
        Vimos 2019 passar como o ano mais tranquilo do que se tornaria a era Bolsonaro. A partir de 2020, a coisa mudou de vez. De forma a assustar o mundo, e nós mesmos.

Resumo de um governo personalista

        Tão logo após a cerimônia de posse, Bolsonaro lançou uma série de decretos que dariam persona própria ao seu governo, sem diálogo com a população e agitando o Congresso. O governo ganha a cara e personalidade do presidente, pela qual os fins justificam os seus meios e não o contrário.
        Com ajuda de Arthur Lira, o Cunha 4.0, seu sinistro Guedes piorou a reforma trabalhista de Temer, ferrou com a aposentadoria e elaborou as draconianas PECs administrativa e tributária, com trâmites suspensos no Congresso pela C19 e sua CPI, pelos escândalos na Saúde e, agora, pela corrida eleitoral.
        Em 2020 Bolsonaro escancara sua persona na proposital má gestão da pandemia que gerou 700 mil óbitos (dados oficiais) ou mais (Eduardo Moreira), e os novos e sucessivos escândalos envolvendo sua famiglia.
        Autoritário, autocrático e  globalmente antipático, Bolsonaro submeteu o Brasil a seus caprichos psicopáticos em todos os nichos possíveis. A nefasta aliança com pentecostais caça-níqueis doutrinou a patuleia pela cartilha moralista, enquanto libera armas comercializáveis no crime organizado.
        Diante do favoritismo eleitoral de Lula, Bolsonaro quer o caos. Observa-se aí o macabro desfile da morte pela violência policial liberada, em ataques de bolsominions a coletivos com opositores políticos e agressões contra qualquer um com camisa vermelha. É o explosivo ódio bolsonarista a marcar um governo personalista.
        Personalismo- movimento filosófico de Emmanuel Mounier em 1929, derivado do humanismo, filosofia moral que aponta o homem como protagonista dos fatos no mundo. O movimento credita os problemas sociais a fatos econômicos e morais, e foi defendido pelo papa João Paulo II e por católicos da Democracia Cristã.
        Apesar do apolitismo defendido, Mounier não conseguiu evitar a correlação, feita posteriormente por analistas e mesmo filósofos, entre seu movimento e certos estilos de governo ou regimes políticos, que seriam descritos como personalistas, por assumirem marcas pessoais de seus líderes nacionais.
        Coincidência ou não, essa observação debruçou-se em regimes ou governos autoritários, como os apontados Hitler (nazismo), Stalin (sovietismo), McCarthy (macarthismo, EUA), Castro (castrismo), Kim Jong-Un (Coreia do Norte), e no Brasil, Getúlio Vargas (varguismo) e agora Bolsonaro.
        O personalismo difere do culto à personalidade, por sua vez compreendido como uma doutrinação coletiva que endeusa um governante como o messias e líder supremo da nação. Embora os fenômenos se difiram, o bolsonarismo os aproximou ao ponto de praticamente fundi-los.
        Personalismo de Bolsonaro- como já explorado, o bolsonarismo deriva do tradicionalismo, um movimento extremista de direita surgido na aliança entre política e crença pela qual a construção só é possível após a destruição de estruturas políticas, socioeconômicas e materiais vigentes.
        Explica-se, aí, a aliança estreita com setores pentecostais e neopentecostais e suas interpretações próprias que tornam mais draconiano o antigo testamento bíblico por eles seguido, bem como a ação de Bolsonaro pela anomia que esgarça o tecido social a partir do desregramento de leis e da convivência.
        Munido de valores típicos do Brasil profundo1, da ditadura militar e da suposta supremacia cristã, o bolsonarismo nasceu no underground sociopolítico ainda nos anos 1990, nascendo com a carreira política de Jair Bolsonaro, e já se mostrava pelas bravatas já divulgadas na imprensa desde então.
        Enquanto sua importância era subestimada pela mídia e pelo advento da centro-esquerda petista, Bolsonaro se aproveitou do tempo e dos fatos para alimentar os valores de sua ideologia. Só faltou ele escrever uma versão brasileira do Mein kampf (minha luta) de Adolf Hitler para narrar sua história.
        Ainda deputado, ele mostrou simpatia ao nazismo em suas conversas com descendentes diretos dos que atuaram com Hitler. Agregando a sua intolerância à diversidade social, apreço ao ódio e supremacia do moralismo do Velho Testamento, Bolsonaro personalizou seu tradicionalismo: eis o bolsonarismo.
        
Onde iremos parar: reflexões finais

        A temperatura da já explosiva violência generalizada pela politização bolsonarista dos fatos vai aumentando na medida que o tempo até 2/10, dia das eleições, é paulatinamente encurtado. Em paralelo também cresce a expectativa dos milhões de brazucas tornados inimigos de Bolsonaro por estarem "do outro lado".
        Na convenção que aprovou oficialmente a sua candidatura no Maracanãzinho, no Rio, Bolsonaro conclamou aos presentes que estejam presentes, "pela última vez, em 7/9", como o prenúncio de uma decisão definitiva, a do propalado golpe de Estado.
        Muito de seus instintos foram projetados nos fatos cotidianos e nos fatos escabrosos do governo, dos quais já sabemos de cor e salteado. Seu governo vem se tornando cada vez mais personalista na medida em que prega sucessivamente sua política destrutiva e na campanha para a reeleição, e chegará ao ápice em 2/10. 
        Como já mencionado em artigo anterior, Bolsonaro tem, entre seus objetivos, a ideia de autogolpe, mesmo sem apoio de entes basilares como os EUA, que reiteradamente recusa a ideia, e o decrescente apoio dos milicos das altas patentes. 
        Se terá golpe mesmo, mesmo sem apoio, certamente não sabemos, mas pelo menos temos certeza de que um golpe seria a satisfação de seu ego psicopático, mesmo que seja o prenúncio de seu próprio fim. Anomia, caos, o fim: do mar de incertezas, é tudo que nós sabemos. 

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Imagens: Google (fotomontagem: autoria do artigo)

Notas da autoria:
1. Compreende o povo com valores culturais moralistas, rudes e rigorosos, secularmente arraigados e de forte teor religioso.

Para saber mais
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Personalismo#:~:text=O%20personalismo%20%C3%A9%20um%20movimento,verdade%20em%20toda%20a%20circunst%C3%A2ncia.
- https://www12.senado.leg.br/manualdecomunicacao/glossario/atividade-de-cunho-politico-partidario-ou-personalista
- https://www.cartacapital.com.br/politica/diplomacia-personalista-de-bolsonaro-derruba-imagem-do-brasil-no-mundo-dizem-analistas/
- https://www1.folha.uol.com.br/colunas/joel-pinheiro-da-fonseca/2021/09/bolsonaro-intoxicou-o-brasil-de-cloroquina-e-personalismo.shtml
- https://exame.com/brasil/bolsonaro-faz-aposta-personalista-e-de-risco-ao-lancar-novo-partido/
- https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2020/09/4876629-empenhado-na-reeleicao-bolsonaro-esta-cada-vez-mais-personalista.html
- https://www.youtube.com/watch?v=Z91i9EyRckk (Eduardo Moreira e números fatais assombrosos da C19 que o governo esconde).
- https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2020/12/tradicionalismo-politica-e-misticismo.html
- https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2022/07/analise-no-brasil-de-lula-o-bolsonarismo.html


        

terça-feira, 19 de julho de 2022

Análise: marcha para Jesus na teocracia de Malafaia

 

        Desde que surgiu, há mais de 100 anos atrás, a corrente cristã do pentecostalismo tem mostrado a que veio. Além dos conhecidos cultos de revelação que caracterizam a corrente, líderes religiosos e fiéis se lançam para fora dos templos, para os mais diversos fins.
        Historicamente, as igrejas pentecostais, todas derivadas de ministérios da Assembleia de Deus original, têm se lançado em ações de natureza principalmente caritativa e educativa entre populações periféricas mais pobres, mal assistidas pelos poderes públicos.
        Para os desassistidos, tais ações, que incluíam assistência social e médica, alimentação, vestuário e melhora habitacional, eram alternativas à quase ausência do poder público. Para os pentecostais, um ambiente fértil para disseminar sua fé. 
        Se tais ações caritativas e sociais tão importantes não seriam suficientes para o seu objetivo, as ADs se permitiam participar de festas ocorrentes nos locais visitados, e obtinham espaços para erguer suas sedes, atraindo um número maior de moradores e, assim, converter uma boa parte deles.
        Pode parecer estranho, mas os antes tão dogmáticos e rígidos assembleianos sempre apreciaram festividades que agregassem famílias dos meios comunitários, atraindo também não assembleianos. Hoje, além de aniversários, muitos subúrbios viram palcos de quermesses e festas juninas adaptadas à cultura evangélica.
        Ainda assim, parecia faltar algo para ir mais adiante, num país ainda dominantemente católico.

Marcha para Jesus, ontem e hoje

        São muitas imagens, mostradas pelas mídias de todos os portes no país. A Marcha para Jesus pode ser vista como uma espécie de versão evangélica das antiquíssimas e tradicionais procissões católicas, assim como as quermesses evangélicas são cópias das católicas.
        Para o senso comum, a Marcha para Jesus é uma invenção de um grupo de pastores liderados por Silas Malafaia, por sua vez considerado o seu ideólogo. Mas, só que a história real passa muito longe disso. 
        Segundo a Wikipédia, a Marcha para Jesus é "um evento internacional e interdenominacional1 que ocorre anualmente em milhares de cidades por todo o mundo". Lendo isso, talvez a geral acredite que, tal como Macedo fez com a IURD, Malafaia disseminou a parada pelo mundo afora.
        Não, não mesmo. E vale ressaltar mais ainda: apesar de estar em todas as edições desde o início, o pastor Silas Malafaia, dono da megacorporação AD Vitória em Cristo, também não é o criador desse evento. Aliás, mais ainda: a marcha para Jesus nem é brasileira de origem.
        Origem inglesa- esse evento que se tornou tão conhecido entre nós nasceu em Londres em 1987, como March for Jesus. A ideia foi concebida pelo pastor Roger Forster, da Ichtus Christian Fellowship, pelo cantor e compositor Graham Kendrick, por Gerald Coates do movimento Pioneer e Lynn Green, do Youth With a Mission.
        A julgar pelos nomes dos movimentos respectivos aos religiosos, essa primeira marcha já nasceu com tendência pluralista, agregando outras igrejas no Reino Unido e católicos na Irlanda. Rapidamente a Europa restante e a América do Norte adotariam suas versões do evento cristão.
        Embora papeis paralelos fossem envolvidos, como campanhas solidárias, a principal função das paradas para Jesus foi mesmo a de efetuar uma propagação mais massiva da fé protestante em contexto de crescentes crises humanitárias como a migração de massas humanas para refúgio na Europa e nas Américas, por motivos de guerra ou ambientais/climáticos.
        Brasil- o sucesso do evento nos países europeus e norte-americanos inspirou Estevam Hernandez, dono da Renascer em Cristo, a criar a nossa versão, com a primeira ocorrência em 1993, em mais de 100 cidades pelo país. E, tal como ocorreu no exterior, a nossa versão já nasceu com caráter plural.
        Apesar de ser oficialmente um Estado laico, o Brasil tem a Marcha em seu calendário, conforme a lei 12.025, sancionada pelo então presidente Lula em 2009. Se bem que, a julgar pelos artigos, a lei não viola a laicidade, apenas reconhece o evento tal como o são os feriados e eventos católicos.
        Embora as denominações das megacorporações agreguem mais de 70% do povo evangélico no Brasil, a versão brazuca atrai fiéis de aproximadamente 200 denominações (sério, algumas com nomes inimagináveis), algumas delas episcopais históricas.
        A cidade que mais agrega pessoas nas marchas para Jesus é São Paulo, que em alguns anos atingiu marcas de até 3 milhões de pessoas, segundo dados da PM, que costuma escoltar a festividade.
        No Oriente Médio- a princípio pode parecer estranho, mas marcha para Jesus também ocorre no Oriente Médio. Há uma importante parcela cristã, principalmente católica (romana em Israel, maronita no Líbano, Jordânia, Síria e Iraque, ortodoxa grega na Turquia e copta no Egito), mas há uma minoria protestante.
        Como as populações são reduzidas nessas áreas, e há ameaças de grupos pró-islâmicos financiados por governos de alguns dos países, as paradas para Jesus são muito mais discretas do que no Ocidente e, daí não serem noticiadas, caindo no desconhecimento do senso comum ocidental.
        Ironicamente, o cristianismo foi germinado não exatamente em Israel, mas na atual e muçulmana Palestina.

O bom e o ruim

        Desde a primeira vez em 1993, as marchas para Jesus têm importante papel na atração de novos coletivos de evangélicos no Brasil, com um nível de pluralidade não visto antes, e na conversão mais ampla: hoje, acredita-se haver 60 milhões de brasileiros autodeclarados evangélicos. 
        Acredita-se, também, que a conversão de muitos ao protestantismo pentecostal tenha contribuído para o abandono de certos hábitos e vícios, como o consumo excessivo de bebidas alcoólicas e drogas ilícitas, portas abertas para muitos casos de violência doméstica e outros delitos e descontroles.
        Nesse olhar sobre vícios e delitos (inclusive violência doméstica), a evangelização pode ser vista como bastante salutar para os envolvidos, e relatos de esposas de automodificados pela nova fé são até comuns. Talvez isso fundamente a alimentação dos internatos de dependentes químicos como Manassés e correlatos.
        Entre os jovens, a maior motivação para os que se decidem por frequentar as igrejas evangélicas e participar das marchas para Jesus pode ser a filosofia libertária de cristianismo, segundo a qual amor, boa vontade, justiça, solidariedade, verdade e visão equitativa das diferenças - que é ostensivamente pregada nas redes sociais.
        Quanto aos costumes, a visão das denominações evangélicas atuais é bem mais liberal do que a da AD histórica e a dos Últimos Dias2. Pioneiras da corrente neopentecostal no Brasil, a IURD de Macedo e a Mundial do pastor Waldomiro têm moral flexível, tanto no plano individual quanto no social.
        Tais denominações permitem uso de roupas mais sumárias como saia e bermuda acima do joelho, calças segunda pele, blusas e camisas sem mangas ou mangas curtas. Sexo antes do casamento já está normalizado entre os fiéis, pois não existe mais a antiga imposição da castidade pré-matrimonial. 
        Para os incautos, essa liberalidade aparenta uma atraente maravilha. Mas, será mesmo que é essa maravilha toda? E aquele suposto milagre do fim da violência doméstica, é algo real?

Não é 100% garantido
        As tais revelações espirituais constituem a parte mais atrativa dos cultos pregados pelas igrejas das correntes pentecostal e neopentecostal. Essas pregações relevantes se reproduzem em espaços públicos, através, também, das marchas para Jesus.
        Como citado acima, a referida filosofia libertária, que ao menos parcialmente explicaria a visão liberal de algumas denominações sobre os costumes e também é propalada nas marchas para Jesus, tem servido de isca eficiente para atrair os jovens no evento gospel público.
        Para os incautos, essa liberalidade, que gera uma aparente maravilha atrativa, parece um milagre, uma poderosa isca, que reverte problemas antes tidos como insolúveis. Mas, será isso tudo mesmo? É algo a ser posto na mesa.
        Vícios e violência- a predominância masculina entre os consumidores de álcool, tabaco e/ou mais drogas é um reflexo do patriarcalismo cultural, que faz entender nesse consumo a prova de virilidade e de "pulso firme" para provento e liderança familiar. Mas, este consumo pode ser problemático.
        Deste consumo pode advir a dependência química, e/ou violência. Manifestada em vários delitos, a violência (como a dependência) é considerada pelo Ministério da Saúde um problema grave de saúde pública, vitimando membros mais frágeis das famílias e nas ruas, precisando ser reprimida por meios enérgicos.
        Junto aos meios oficiais de coibição, a fé religiosa aparece como um complemento, a ser decisivo, entre muitos, para a resolução definitiva do problema. Muitos relatos de famílias aliviadas apontam paz doméstica após a conversão dos entes problemáticos à fé pentecostal.
        Elas atribuem tal mudança atitudinal tão significativa à suposta interferência divina na vida desses entes - daí o relato ser para os fiéis um testemunho. Mesmo que saibamos do real mecanismo, devemos felicitá-las pela conquista: a intenção é que vale.
        Todavia, a velha filosofia da atração dos opostos vale também na fé. Pois os relatos de fracassos são quase ou tão comuns quanto os de sucesso, interpretados pelos mais fervorosos como "a ação do inimigo". São aqueles casos graves, que precisam de outra interferência: a da ciência.
        Estudo publicado na Hypeness (2018), voltada às minorias marginalizadas, revela uma realidade infeliz: cerca de 40% das mulheres vítimas de violência doméstica se declaram evangélicas. A autora do levantamento é a doutora em Teologia Valéria Vilhena, da Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP).
        Publicação feita no site do Senado em 2019 revela um aumento súbito da violência de gênero, em mais de 280% no período de 1 ano, entre dez/2018 e nov/2019. Outra publicação da instituição revela a continuidade do aumento, de 86% entre dez/2020 e nov/2021.
        Uma observação importante, e que não costuma ser abordada pelas mídias, é que com um Brasil hoje cristianismo de 50% católicos e 50% evangélicos, a violência cotidiana aumentou, com destaque para os crimes de ódio, que vitimizam principalmente fiéis de matriz africana, LGBTQIA+ e os povos originários.
        Politização- uma das liberdades da fé evangélica é a entrada na carreira política. Como já referido neste blog, não é nada amoral ou ilegal uma chefia religiosa investir na carreira política, e sua entrada é um reflexo natural presente no nosso contexto democrático, reforçado pela laicidade republicana. 
        A compreensão correta e imparcial de laicidade seria suficiente para impor os adequados limites, e os próprios políticos bíblicos no Congresso e Brasil afora sabem disso. Mas eles os ultrapassam, sem se importarem com as prioridades concretas, e desrespeitando descaradamente a Carta Magna.
        Apesar da conivência de governos passados, as instituições funcionaram o suficiente para ignorar as muitas tentativas de interferências dos bíblicos nas decisões de Estado. A coisa passaria a mudar com a ascensão de um deputado que seria então alçado à presidência da República: Jair Bolsonaro.
        Jair- embora a proximidade entre governantes e líderes bíblicos fosse anterior à era Lula, foi com Jair Bolsonaro que as marchas para Jesus se politizaram. Ainda deputado, Bolsonaro já atuava nelas, rezado por Malafaia e outros e discursando nos trios elétricos e palcos para a patuleia fiel.
        Além dos eventos gospel, ele visitou as igrejas evangélicas, onde foi ostensivamente rezado pelos pastores e fiéis, e teve seus momentos de discurso. Foi através dessa estratégia que, com ajuda do curral eleitoral religioso, ele foi eleito presidente por uma parcela bem significativa da patuleia fiel.
        Mas foi principalmente nas marchas para Jesus que Jair teve destaque político maior, tendo mais liberdade e tempo de se expressar, para uma plateia ainda mais numerosa. Desde 2018, as marchas têm sido palcos para os discursos pró-armamentistas e cristofascistas. 

Reflexões finais
        Vale refletir como, assim como o próprio mosaico religioso ao longo dos últimos 30 anos, marchas para Jesus também se modificaram em suas linhas gerais, tanto nos objetivos quanto nas intenções. Por falta de fontes sobre os discursos nas marchas estrangeiras, não foi possível compilar comparações com a versão brazuca.
        É indiscutível o papel desempenhado pelas marchas para muitas famílias antes mergulhadas em angústia e trauma pela violência doméstica, induzida ou não pelos vícios, ainda que a violência contra a mulher seja ainda alta entre as fiéis evangélicas, conforme dados publicados pela Hypeness de 2018.
        Ainda no plano social, o papel dessas instituições é igualmente incontestável no sentido de algumas pessoas terem conseguido ajuda de custo ou emprego via solidariedade coletiva, mesmo em si constrita à população protestante ou simpática ao protestantismo. Mesmo não sendo 100% garantido a todos.
        É esse comportamento solidário dentro do círculo que se constitui como impulsionador do querer dos problemáticos cientes do inferno causado às suas famílias e desejam eliminá-lo, e daí a fé se segue em consequência direta. Essa ação social é incontestavelmente benéfica aos envolvidos.
        Mas, principalmente no final da era petista, fatos políticos revelaram a face mal intencionada de muitos líderes e fiéis influentes, que Bolsonaro percebeu e disso se aproveita, transformando igrejas e eventos gospels em locais públicos em terrenos férteis para montar armadilhas contra fiéis mais pobres, que sustentam o erário público com impostos e as igrejas com seus dízimos. 
        Um dos sintomas tem sido o discurso pró-armamentista e cristofascista cheio de mentiras batidas, base da campanha de reeleição de Bolsonaro, como "salvação da pátria", nas marchas para Jesus e nos cultos, onde pastores caça-níqueis disseminam bravatas de ele ser "escolhido de Deus para consertar o país".
        A reiterada má intenção compartilhada entre o presidente e os pastores caça-níqueis instituiuiu o clima cristofascista, que oportunizou uma geração materialista, arrogante e agressiva, protagonista de crimes potencialmente fatais de intolerância política. Essa geração se formou nas marchas para Jesus cristofascistizadas.
        Como já escrito antes, o cristofascismo não foi só defendido pelo finado Olavo de Carvalho para ser propagado pelos Bolsonaro. Ele se tornou ingrediente ativo do bolo da teocracia de Malafaia, que tornou as marchas para Jesus nos centros de formação de novos cristofascistas.
        Um dia Bolsonaro, Malafaia e sua caterva irão, como foi Olavo de Carvalho. As marchas de Jesus serão lideradas por outros pastores para a sua continuidade. Mas, elas podem carregar para a frente essa marca teocrática legada por aqueles, não sendo nunca mais as mesmas de antigamente. 
       
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Imagens: Google (montagem: autoria deste artigo)

Notas da autoria
1. A marcha contempla diferentes denominações evangélicas, pentecostais e episcopais históricas, não havendo, portanto, segregação de denominação específica. No Brasil, as marchas atraem seguidores de denominações pentecostais.
2. A Assembleia de Deus dos Últimos Dias foi fundada pelo pastor Marcos Pereira, que ganhou fama por pregar em presídios, e anos depois foi preso por estupro de algumas fiéis.

Para saber mais
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Marcha_para_Jesus
- https://www.hypeness.com.br/2018/03/40-das-mulheres-vitimas-de-agressoes-fisicas-e-verbais-sao-evangelicas/
- https://www12.senado.leg.br/institucional/procuradoria/comum/violencia-domestica-e-familiar-contra-a-mulher-2019
- https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/12/09/violencia-contra-a-mulher-aumentou-no-ultimo-ano-revela-pesquisa-do-datasenado
- https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2022/04/analise-teocracia-de-malafaia-e-seus.html

segunda-feira, 11 de julho de 2022

Análise: no Brasil de Lula, o bolsonarismo

 

        A apenas 3 meses das eleições, cresce a expectativa em torno de todos os presidenciáveis. Mas segue-se a polarização entre Luiz Inácio Lula da Silva, que está líder disparado pela terceira vez, e o atual presidente Jair Bolsonaro, que até prova em contrário tentará a reeleição a todo custo.
        Desde meados de agosto de 2021, quando se iniciaram as pesquisas de opinião e de intenção de votos, a liderança constante de Lula impressiona, até o momento imune aos fatos e várias formas de atingi-la, enquanto os dados de Bolsonaro dançam conforme os fatos que ele cria e agora perdem controle.
        Mesmo com o antidemocrático e tradicional voto de cabresto em igrejas e áreas sob o crime organizado, a vitória do petista é certa. Apenas poderão detê-lo meios como golpe militar ou sujo, atentado ou armação judicial com ajudinha de grandes grupos econômicos muito interessados.

Validade das suposições

        Autogolpe- é a suposição mais abordada entre patuleia e a mídia. Neste ano se aventou uma proposta de lei que promovesse um governo de extrema-direita com Bolsonaro no poder até 2035. Um sonho ilegal e inconstitucional numa tarde de sábado.
        O delírio em si foi para o saco, por inconstitucionalidade e falta de apoio suficiente de altos oficiais das FAs, além de armamentos carentes de manutenção (o fumacê daquele tanque em desfile não deixa mentir) e, donos do nosso pré-sal, os EUA não consideram golpe uma boa ideia mais.
        Em 1964, a agressiva instabilidade política contou com movimentos anticomunistas de elite e da TFP1. O golpe militar eclodiu aos olhos públicos sem aviso prévio, num estalo. Vale a velha e boa dica: "se quiser ser bem-sucedido, não diga a ninguém o que fará", seguida pelos milicos de então.
        Hipóteses de golpes sujos restariam a Bolsonaro: incitar fanáticos a destruir urnas eletrônicas no dia do pleito; uma balbúrdia contra o STF e TSE; continuidade das fake news alarmistas; ou deixar uma terra sem lei e cheia de gente faminta e endividada de presente para o sucessor.
        De golpe sujo os Bolsonaro entendem bem: após o lawfare que tirou Lula do caminho, as fake news invadiram milhares de celulares e currais eleitorais pentecostais e milicianos se formaram para eleger o atual mandatário. E continuariam durante o governo todo como clara campanha antecipada ilegal.
        Atentado- outra hipótese  forte, por não ser estranha à história da República e ser sempre exposta como acidente pela mídia. As campanhas estão abertas nas ruas, por sua vez espaço popular comum, no qual um criminoso "eleito" pode se infiltrar. Sua validade talvez seja tão forte quanto a de golpe. Quiçá, até mais.
        Em 2/7, Salvador recebeu quatro candidatos ao mesmo tempo: Simone Tebet (MDB), Ciro (PDT), Jair Bolsonaro (PL) e Lula. Flagrantes dos públicos dos dois últimos renderam piadas em redes sociais e motivaram mais desespero entre o governo. É admirável que não tenha ocorrido nada nas ruas lotadas onde o petista e Alckmin passaram.
        Simultaneamente, Bolsonaro atentou a público a "necessidade" de "resolver o caso Adélio Bispo". Justamente nesses três meses antes das eleições. Se em 2019 o governo quis encerrar o inquérito contra Adélio, por que teria que querer "resolver" isso justamente agora? Vale conjecturar isso como nova possibilidade. Te cuida, Lula! 
        Armação judicial- embora não tenha dado frutos, devido talvez à atenção de tribunais superiores às más condutas dos Bolsonaro, não se descarta a chance de voltarem com processos já anulados pelo STF ou criarem novo lawfare aparentemente bem fundamentado como o de 2015-18. 
        Na Câmara, Eduardo Bolsonaro mencionou fala de Marcos Valério2 sobre suposto acordo entre PT e PCC3 em São Paulo. Na prática, quis insuflar a mídia e a justiça contra o PT para favorecer seu pai. Valério foi convidado a comparecer em comissão na Câmara, mas recusou, por motivos óbvios. 
        A revista Veja divulgou sobre tal acordo como novidade, na verdade uma velha e comprovada fake news, coroando com outra pérola: a de que a delação foi "homologada" pelo ex-STF Celso de Mello. Não bastando a vergonha política e jornalística, um delegado da PF desmentiu a delação.
        Spoiler: isso foi proveito de um acordo real entre a SSP do governo Serra e a facção criminosa no objetivo de arrefecer o clima ligado ao caso Celso Daniel4, bem como, indiretamente, a outro fato, uma explosão planejada no Fórum da Barra Funda, em Sampa, tudo em 2002 e anterior à eleição de Lula.
        O reaparecimento dessa conversa não serviria para uma nova ação judicial contra Lula, dada a sua obviedade e não "colar" como se esperaria. Na prática foi mais cortina de fumaça para criar alarme na população e mudar o cenário. Mas, nem para isso serviu. Caiu mais como golpe sujo mesmo.

O que esperar do novo governo Lula? Reflexões

        Em meio a gemidos de fome, crescentes sinais de anomia social e ameaças à saúde (C19 e varíola dos macacos), grande parcela da sociedade procura ter esperanças de dias melhores com Lula eleito. Aqueles da era petista, em paralelo à midiática corrupção que virou subsídio para o lawfare posterior.
        Motivo não falta: pelos dados estatísticos mais otimistas, Lula teoricamente tem chance de vencer no 1º turno, e a soma dos inúmeros informes de corrupção da caterva dos Bolsonaro subestima a das eras tucana e petista juntas, e a onda crescente do terror de Estado bolsonarista, fatais ou não, é mais uma boa motivação.
        Com a esperança somam-se expectativas, uma delas traduzida na possível vitória no 1º turno, com redução de chances de golpe no 2º - mas vale ressaltar que Bolsonaro pode golpear até antes, em 7/9. A menos de 80 dias do 1º turno, a animosidade dos fanáticos bolsominions está exaltada, crescendo a chance de mais violência à vista.

        Por outro lado, a esperança não dissolve necessariamente a razão. As militâncias de esquerda em geral concordam que só eleger Lula não será suficiente para a governabilidade efetiva necessária para recuperar em parte o país. Torna-se válida a eleição de um congresso mais progressista para chancelar essa governabilidade. 
        Lula tem astúcia naturalmente pronunciada, mas os congressistas também a têm. Como sabemos, na vida política as benesses convidam para más intenções.  No Congresso houve e há exemplos de mal-intencionados de sobra. Daí o temor de reeleição de muitos. Como Arthur Lira, braço direito e versão quiçá piorada de Eduardo Cunha.
        Se usar bem sua astúcia com boa política e equipe competente, Lula poderá repetir muito de sua experiência governante, com resultados positivos a partir de 2024. Pois, em 2023, a herança de caos socioeconômico, fruto da política deletéria de Paulo Guedes, pedirá prazo para ser resolvida.
        Segundo Lula, o revogaço5 será o marco inicial para reparar danos internos da politica econômica deletéria de Guedes, com política de geração de empregos, concursos públicos em serviços essenciais, valorização salarial, recuperação do Bolsa Família e melhorar a previdência social.
        Pelo tamanho do estrago, o próprio Lula sabe que os resultados demorarão muito a vir, e até lá receberá uma saraivada de críticas, para as quais ele parece já estar preparado. Mas devemos entender que o pouco que ele fará já será muita coisa, pelo tamanho dos danos que encontrará.
        Mas, de todos os difíceis desafios a serem enfrentados, o mais difícil deles nem está citado acima, e não sabemos se Lula está preparado para enfrentar: o bolsonarismo. Sim, este é o legado mais difícil e custoso de se eliminar. 
        Se Hitler e muitos de seus asseclas se foram em 1945, mas o nazismo permanece até hoje entre diferentes grupos mundo afora, Bolsonaro irá também, mas não sem cravar  de vez o bolsonarismo que, afinal, por que não frisar, é a versão brazuca do próprio nazismo.
        Exatamente: Lula poderá fazer uma mágica de governo, mas terá o bolsonarismo como péssima e frequente companhia.
        
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Imagens: Google (montagem: autoria do artigo)

Notas da autoria
1.  Sigla de "Trabalho, Família e Propriedade", grupo católico-elitista e anticomunista. Hoje há uma versão moderna, talvez neopentecostal.
2. Ex-empresário condenado como operador do esquema de corrupção Mensalão em 2005.
3. O acordo foi protagonizado pela SSP-SP do governo Serra, em relação à morte de Celso Daniel, bem como de explosão do Fórum da Barra Funda, em Sampa, planejada pela facção.
4. Ex-prefeito de Campinas, assassinado em 2002. A primeira hipótese foi política, mas depois os assassinos confessaram crime comum por assalto ligado ao PCC.
5. Revogação das reformas trabalhista, previdenciária e teto dos gastos.

Para saber mais
https://www.brasildefato.com.br/2021/10/04/bolsonarismo-tem-raizes-em-um-brasil-construido-a-margem-do-estado-afirmam-pesquisadores
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/06/bolsonarismo-e-vitorioso-mesmo-se-perder-eleicao-diz-autor-de-limites-da-democracia.shtml
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-61185034
- https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/dino-bolsonaro-perdera-mas-precisamos-que-o-bolsonarismo-volte-para-sua-casinha/
- https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2022/07/07/marcos-valerio-nao-ira-a-camara-para-depor-sobre-delacao-que-liga-pt-ao-pcc.htm
        
        

sábado, 2 de julho de 2022

Análise: o moralismo como última chance

 

        Todas as semanas, os institutos de pesquisa retomam suas atividades para levantar nova rodada de dados sobre intenção de votos entre a população. Embora cada instituto tenha método próprio, os dados mostram concordância relativa na situação de cada candidato.
        Embora a periodicidade seja tradicional, pesquisar dados de intenção de voto semanalmente ganhou um sentido na sucessão de notícias envolvendo o governo Bolsonaro com interferências em instituições, corrupção, desmonte do Estado, inflação galopante, assassinatos e outros problemas.
        Isso nos faz ver como a dança dos números acompanha as notícias e as reações presidenciais seguem. O melhor momento foi entre janeiro e março, mas depois reaparece a distância do constante líder Lula. Os números de Bolsonaro dançam no calor dos fatos, mas não têm mais melhorado nem com o aumento do auxílio a R$ 400 na época.
        A aprovação da lei do piso salarial da enfermagem ainda espera sanção de um Bolsonaro em crise. Os escândalos político-pentecostais no MEC e na Saúde, e o eco dos assassinatos de Bruno e de Dom na Amazônia levaram a um aumento da rejeição pública ao presidente, interferindo na intenção de votos.
        Mesmo queimado com o escândalo do ex-ministro Milton Ribeiro e em paralelo à reiterada fake sobre urnas eletrônicas que não cola mais e o deixa em crise de nervos, Bolsonaro ainda assim lança mão de sua última cartada: a do moralismo.

A quimérica moral "cheia de Deus"

        A chance veio com recentes tendências noticiosas que acenderam a fogueira da opinião pública: a menina estuprada de 11 anos induzida por juíza de SC a manter gravidez; e a atriz Klara Castanho, que doou seu bebê, fruto de um estupro que sofreu.
        São notícias envolvendo sexo e reprodução, que atiçam os brios de seus fãs barulhentos e odiosos. O escândalo sexual do presidente da Caixa Pedro Guimarães veio depois, mas não escaparia ao debate.
        Os casos da menina e da atriz caem com gosto no bolsonarismo. A escalafobética Damares Alves, se fosse ainda ministra, criaria outro barulho idêntico diante do hospital em SC, como o ocorrido em Recife, onde uma estuprada de 10 anos passou por aborto legal para não morrer.
        A catarinense passou por parto induzido1, divulgado na imprensa como aborto legal. Mas seguiu a mesma jurisprudência: salvar a vida da menina. Nesses casos, o tempo da gravidez interrompida não importa. O bebê morreu após nascer, como geralmente acontece a fetos antes de 30 semanas.
        Spoiler: a juíza de SC foi ocupar instância superior logo após seu veredicto "pró-vida". Na prática ela estava promovida, bastando o desfecho moralista para assumir a nova função jurídica.
        Já a atriz Klara Castanho foi caso vazado fora de sua vontade. Com isso, ela não teve outra opção senão expor sua experiência traumática e explicar a sua decisão de doar o bebê para adoção. Já estava grávida avançada, mesmo tendo tomado pílula do dia seguinte após o crime.
        A exposição não autorizada tem um culpado: Antônia Fontenelle. A influencer bolsominion postou crítica pública à decisão de Castanho de doar seu bebê em vez de criá-lo.
        Nota-se que, entre os bolsonaristas, as péssimas implicações do estupro às vítimas não contam, e sim a decisão destas sobre seus corpos e, porventura, os indesejados filhos do crime. Como se vê, vale o pânico moral a julgar e culpar a vítima, e não o criminoso e seu delito.
        O escândalo Pedro- amigo pessoal de Bolsonaro, Pedro Guimarães foi nomeado presidente da Caixa, no auge do bolsonarismo. Foi uma gestão polêmica, mas o vazamento dos assédios sexuais veio somente agora, em um ano especialmente crítico para o presidente da República.
        Relatos de funcionárias apontam encontros sexuais em praias ou hotel, em viagens de trabalho. O nº 2 da Caixa também foi envolvido. Chorando, uma funcionária relatou na presidência do RH. A par disso, Pedro pediu desculpas e ofereceu promoção, uma visível sessão abafa percebido pela vítima.
        Assédios morais pesados vitimaram todos. Homens eram obrigados a fazer flexão. Xingamentos, depreciações e ameaças eram constantes, sobre qualquer hierarquia Os áudios vazados causaram furor entre políticos governistas, que pediram a cabeça de Guimarães para salvar o mandatário.
        Bolsonaro não queria demitir o amigo, mas se percebeu apertado pela repercussão do escândalo. Afastou Pedro, que enfim se viu demitido pela campanha presidencial, e não por Jair Bolsonaro. 
        Abordada pelo UOL News, a conselheira da Caixa Rita Serrano disse ter ouvido rumores sexuais, e confirmou a postura agressiva de Guimarães, como xingamentos de cunho sexual e socos na mesa em reuniões. Ela ainda apontou o estresse atingindo muitos empregados impactados pelos assédios.

O moralismo salva Bolsonaro? Reflexões finais

        O pânico moral sempre foi mote central nos movimentos de direita radical que abriram portas para a eleição de cristofascistas (Marco Feliciano, Eduardo Cunha, João Campos), militares (Major Olímpio, Daniel Silveira) e bizarrices como o ruralista Amauri Ribeiro, que tomou posse com a esposa sentada ao seu colo, e o "cloroquina pornográfica"2 Luiz Carlos Heinze. Além da nazifascista família Bolsonaro.
        Em essência, o aborto é um tema mais polemizado pelo pânico moral do que pela prática em si. Os moralistas admitem ser difícil encarar a sua realidade, o que torna mais cruel o julgamento moral.
        Mesmo na extrema-direita, o Brasil é um dos líderes na prática. A ditadura fez censura, Bolsonaro mente, mas a realidade sempre foi essa. Mulheres de classes mais abastadas eleitoras da direita e cristãs abortam em bons hospitais, enquanto as pobres o fazem em clínicas clandestinas sabe-se lá aonde.
        Tais mulheres de classes mais abastadas raramente são punidas por sua prática, sobrando para as populares de quaisquer cores de pele que, tornadas notícias, são julgadas pelo moralismo cristofascista que prega até pena capital às "assassinas de fetos inocentes".
        Antônia Fontenelle personifica esse perfil cristofascista que também condena a mãe que doa a sua criança indesejada fruto de um crime hediondo. Mesmo que tenha levado a gravidez adiante para essa missão. Não importa, o alvo do julgamento moralista é a vítima e não o criminoso.
        Na mesma linha, o chefe cristofascista é agressivo para os seus subordinados no mundo trabalhista. Com xingamentos, insultos e socos na mesa, ele derrete com puder a dignidade dos empregados, em vez do exemplo supostamente cristão de respeito e urbanidade necessários à boa convivência.
        Em nome de Deus, o cristofascista agressivamente atiça a bandeira da intolerância à diversidade religiosa, diz que a fome é válida aos sem trabalho, pratica política antiambiental, encarece o custo de vida e barateia armas abastecendo o crime organizado, odeia índios, negros, mulheres, LGBTQIA+ e muitas outras minorias, e agora cria PEC do Diesel. Uma quimera.
        Com slogan "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos", é nessa quimera moral que Bolsonaro investe como mote para sua chance de reeleição. Embora não saibamos se isso vai alimentá-la, ele tem nos súditos das carretas e do general cristofascista Silas Malafaia o seu último bastião eleitoral.
        Mas, até lá, se for mesmo até lá, o desespero continua.

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Imagem: Google

Notas da autoria
1. Procedimento de parto prematuro em gravidezes de mais de 3 meses, mas de alto risco comprovado à vida da gestante.
2. Durante a CPI da C19, para desviar o foco, o senador governista Luiz Heinze frequentemente usava a favor da cloroquina alegando estudos à atriz pornô Mia Khalifa.
3. O barateamento de armas e as facilidades impostas pelo governo para a compra delas por cidadãos comuns abastece o crime organizado, tanto o tráfico quanto a milícia tão defendida pelos Bolsonaro.

Para saber mais
- https://www.ofuxico.com.br/polemica/klara-castanho-estupro-gravidez-bebe-adocao/
- https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2022/06/29/caixa-admite-que-recebeu-relatos-de-assedio-contra-pedro-guimaraes.htm
- https://www.istoedinheiro.com.br/em-audios-pedro-guimaraes-ameaca-e-xinga-funcionarios-da-caixa-mostra-site/
- https://www.youtube.com/watch?v=hhc_PlFHVko (UOL News, entrevista)

        
        

CURTAS 98 - ANÁLISES (Brasil- Congresso)

  A GUERRA POVO X CONGRESSO                     A derrota inicial do decreto do IOF do governo federal pelo STF foi silenciosamente comemo...